quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

Não tem vergonha, Sr. Juncker?

"O Presidente da Câmara do meu Concelho, Sintra, vê-se forçado agora a abrir as cantinas das escolas não apenas aos alunos com fome, mas também aos seus pais desempregados. 
Não tem vergonha, Sr. Juncker, que isto esteja a a conhecer num país, Portugal, que alguns como o Sr. Weber ridiculamente acreditam ter-se tornado na locomotiva de crescimento na UE?
E porque é que acha que "não há dinheiro" - público e privado - para investir em emprego e crescimento, enquanto os paraísos fiscais acumulam montanhas dele, parqueado por companhias e individuos que fugiram ao fisco e evitam pagar impostos nos Estados Membros da UE?
Será que os senhores na Comissão e no Conselho vão fazer face às vossas responsabilidades expostas pelo  escândalo "Luxleaks" e por fim à corrida para o fundo que prossegue entre Estados Membros no dumping fiscal, em evidente violação da concorrência leal no Mercado Interno, corroendo a União Monetária Europeia e incentivando a criminalidade fiscal, a injustiça fiscal e a corrupção através do sistema financeiro europeu?
Finalmente, na frente externa - não deixe que as crises Russia/Ucrânia e agora na Turquia continue bloqueie acção do Conselho sobre o perigo real para a segurança europeia que resulta da violência e do colapso da governação na Líbia."


Minha intervenção esta manhã no debate do PE sobre a preparação do próximo Conselho Europeu.

terça-feira, 16 de dezembro de 2014

A verdade sobre a tortura importa

A Presidente Dilma Roussef chorou, no dia 10 de Dezembro, quando recebeu o relatório da Comissão de Verdade sobre tortura, assassinatos e outras violações dos direitos humanos cometidas pela ditadura militar no Brasil entre 1964 e 1985. A Presidente fora uma das vítimas da tortura - mais de 30 anos depois, o seu sofrimento e os nomes dos seus carrascos vieram à luz do dia. Expor a verdade importa, às vítimas e a uma sociedade civilizada.
Importa às vítimas da ditadura em Portugal - como a minha colega de Faculdade, hoje Procuradora da República Aurora Rodrigues, torturada aos 21 anos de idade, pela PIDE em Caxias, em 1973. Elas esperam, há 40 anos, por um relatório para memória da Verdade, que assim, ao menos, faça alguma justiça.
É alguma justiça o que se está a procurar fazer o Congresso americano, com o relatório que o Senado publicou na semana passada sobre tortura, desaparecimentos forçados, detenção ilegal, assassínios e outros crimes e violações dos direitos humanos levados a cabo pela CIA, no programa chamado de "rendições extraordinárias" que foi autorizado pelo Presidente George W. Bush, a pretexto de combater o terrorismo depois do ataque de 11 de setembro de 2001.
O relatório do Senado americano confirma tudo aquilo que o Parlamento Europeu e o Conselho da Europa já haviam exposto em 2007 sobre os chamados "voos da CIA" e acrescenta novos detalhes acabrunhantes, quer sobre tratamentos cruéis e degradantes impostos aos detidos, quer sobre a rede de "prisões secretas" que complementava a prisão de Guantanamo para deslocalizar e subcontratar a tortura a esbirros de Assad, Khadhafy ou Moubarak, quer sobre a extensão da mentira e omissão a que se entregou a CIA para enganar o Congresso e a opinião pública americana.
Quem pode ter sido também ocasionalmente enganado, mas sabia e era conivente com o essencial da operação da CIA foram vários governos europeus - incluindo os lusos, chefiados por Durão Barroso, Santana Lopes e José Sócrates. O relatório do Senado bloqueia os nomes de 54 países colaborantes, dos quais 25 europeus, para não irritar aliados. Mas é uma questão de tempo que se identifiquem todos os países cúmplices, sobrepondo o relato do Senado aos dados recolhidos pelo Parlamento Europeu. E alguns dos cúmplices não se limitaram a autorizar voos e sobrevoos de aviões fretados pela CIA que transportavam os prisioneiros - o Senado confirma que houve prisões secretas na Europa. Polónia, Lituânia e Roménia já são hoje forçadas a admitir aquilo que negaram junto do Parlamento Europeu.
Qual o papel que afinal desempenhou Portugal neste programa de tortura da CIA é o que ainda não sabemos ao certo. Foram as autoridades portuguesas, tolinhas, enganadas pelos EUA, ou foram cúmplices conscientes e participantes? Voos, sobrevoos e escalas dos aviões militares e civis ao serviço da CIA transportando detidos em trânsito entre as prisões secretas e Guantanamo estão documentados por mais de uma centena, entre 2002 e 2007. Se as escalas implicaram detenção e tortura em solo nacional, por exemplo nas Lajes, isso está ainda por apurar.  O Governo de José Sócrates, pela mão do seu Ministro Luis Amado, fez tudo o que podia para obstruir o conhecimento da verdade, incluindo impedir um inquérito parlamentar e sonegar ao Parlamento Europeu e à Assembleia da República listas de voos autorizados, de e para Guantanamo, que eu consegui obter e divulguei. E o Procurador Geral da República Pinto Monteiro fez o lhe pediam para não prejudicar hipóteses de Durão Barroso ser reconduzido na Comissão Europeia - nas vésperas, mandou arquivar o processo de investigação que já era substancial e resultava de queixa minha e de um jornalista.
Confesso que me pareceu desfaçatez cínica, no ano passado, ver o ex-Primeiro Ministro José Sócrates dar à estampa a sua tese filosófica justamente sobre tortura - nada mais contraditório com a actuação do seu governo, obstruindo a investigação dos chamados "voos da CIA". Preferi pensar que a escolha do tema tivesse a ver, justamente, com um exercício de arrependimento, de rebate, de reparação pelo mal que o seu governo andara, nesta matéria.
Porque a tortura e o encobrimento da tortura não se podem justificar politica, legal, ou moralmente, tal como não se pode admitir o comércio de escravos lá por ser rentável comercialmente, nem defender o genocídio como meio de combater a sobrepopulação no mundo.
Apurar a verdade sobre o papel de Portugal nos voos da tortura da CIA continua a importar e o PS, para se limpar do errado que andou, bem pode agora, sob a direcção de António Costa, aproveitar o relatório do Senado americano para propor, finalmente, um inquérito parlamentar.
Apurar a verdade importa, porque uma sociedade que não se importa se os seus governantes, funcionários ou agentes colaboram num programa de tortura violando a Constituição e o Direito Internacional, então não se pode admirar por estar condenada a ver-se corrompida e violentada.

(Transcrição da minha crónica de hoje no Conselho Superior, ANTENA 1)

segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

Abuso de autoridade (8)

A proibição de Sócrates dar entrevistas é mais uma peça do tratamento persecutório dado ao antigo primeiro-ministro. Sujeito às mais vis imputações nos media, alimentadas seletivamente pela acusação, Sócrates vê-se privado de se defender no mesmo terreno. Ora, o direito de defesa não vale somente contra as acusações no processo.
O juiz de instrução, que devia ser o garante das liberdades e dos direitos dos detidos contra a acusação, torna-se um puro instrumento da arbitrariedade autoritária do Ministério Público.

domingo, 14 de dezembro de 2014

Juntar o ridículo à infâmia

Vai-se tornando cada vez mais evidente que que o Ministério Público continua a não ter a mínima base para qualquer acusação contra Sócrates, tal como como não tinha quando o mandou deter para interrogatório nem quando requereu a sua prisão preventiva.
Se tudo o que tem é o que agora mandou para os jornais -- segundo o que Sócrates teria pedido dinheiro ao seu amigo rico --, o Ministério Público arrisca-se a somar o ridículo à infâmia. Então quem supostamente tinha recebido milhões em imaginárias "luvas" tem de pedir dinheiro ao amigo?
E foi com base nisto que o juiz de instrução -- que devia ser o garante das liberdades contra o Ministério Público e não o carimbo dos abusos deste -- aceitou validar a detenção e depois decretar a prisão preventiva, alimentando o achincalhamento público do antigo primeiro-ministro pelo "jornalismo de sarjeta" que floresce entre nós?!

sábado, 13 de dezembro de 2014

"Plano Juncker"

Vai por aí grande expetativa com a possibilidade de as eventuais contribuições públicas para ativar a nível nacional os investimentos comparticipados pelo "fundo Juncker" não contarem para o défice orçamental para efeitos da disciplina orçamental da UE.
Sim, a Comissão pode decidir excecionalmente conceder esse "desconto" (resta saber com que base nos Tratados...), e isso será positivo, permitindo alavancar investimentos que de outro modo não teriam viabilidade. Mas não haja ilusões: no estado atual das finanças públicas esse dinheiro só pode vir de novos empréstimos, o que quer dizer aumento do défice orçamental real e aumento efetivo do endividamento público, ou seja, recuo no caminho para o equilíbrio das contas públicas.

TAP

A ideia de manter a TAP sob controlo do Estado não faz sentido nas atuais condições financeiras da empresa e do Estado.
Primeiro, a TAP precisa urgentemente de muito capital (pelo menos uns 500 milhões de euros) para se desendividar e investir; ora, ela já está a vender aviões para se poder manter a flutuar.
Segundo, o Estado não tem dinheiro para injetar capital na TAP; e mesmo que tivesse (à custa de mais défice e de mais endividamento), o aumento de capital precisaria do aval da Comissão Europeia, a qual, caso o desse, imporia fortes medidas da "emagrecimento" da empresa, incluindo desinvestimento e abandono de rotas (e muitos despedimentos, claro).
Terceiro, também não tem nenhuma viabilidade a ideia de aumentar o capital da TAP mediante dispersão em bolsa, por ser óbvio que ninguém investiria um tostão a comprar ações de uma empresa no estado em que está a TAP.
Por último, é fútil e ilusório tentar manter o controlo do Estado na TAP, quando é evidente que quem controla a TAP são os sindicatos.
A opção de fundo é simples: ou se mantém a propriedade do Estado (e o controlo dos sindicatos), com o definhamento ou a falência no horizonte, ou se salva a empresa, vendendo-a (com as condições necessárias para salvaguardar o interesse público da empresa).

sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

Combater a corrupção e a injustiça fiscal

"Fala-se muito em combate à corrupção, por estes dias. Por causa da prisão do ex-PM Sócrates, da condenação a prisão do ex-líder da bancada do PSD Duarte Lima, das prisões de altos quadros do Estado indiciados nos "vistos dourados". E por causa do BES, dos submarinos, do BPN, do BPP  - estes, casos em que estão em causa montantes astronómicos esbulhados ao Estado e, singularmente, não há presos...
Por causa também do Índice de Percepção da Corrupção publicado pela Transparência Internacional que posicionou Portugal estagnado entre Chipre e Porto Rico.  Porque, embora se multipliquem os casos de corrupção expostos, os portugueses não vêem serem punidos corruptores e corruptos -  o que foi confirmado por um relatório da OCDE que põe Portugal no topo dos países onde os grandes subornos no Estado gozam de total impunidade.
Não faltam oportunidades para reciclar a corrupção com a obcessao austeritária do Governo  - dos devedores não importunados do BPN, no BES ainda por avaliar os estragos, nos "vistos dourados", nas privatizações ao desbarato. O Governo gaba-se de combater a fuga ao fisco com as facturas exigidas a cabeleireiras e bate-chapas, mas faz aumentar os investimentos de portugueses em paraísos fiscais - só no Luxemburgo entre 2011 e 2013 duplicaram para 14 mil milhões de euros, segundo o FMI.
Para explorar a prisão de José Sócrates, o Primeiro Ministro trouxe de volta a criminalização do enriquecimento ilícito, que o própria coligação enterrou com  uma formulação toscamente inconstitucional.  Eu, que sempre defendi a consagração na lei do crime de enriquecimento injustificado, penso que o PS deve sem demora apresentar um projecto de lei que o logre, sem inverter o ónus da prova - o que é possível.
Mas combater a corrupção está para além de mais legislação - como há dias observou António Costa: depende de vontade política. Em todos os azimutes.  Desde logo no seio dos próprios partidos políticos e no parlamento - onde é crucial separar os negócios da política, reforçar e controlar incompatibilidades e declarações de interesses. É preciso investir na transparência da administração, na publicitação dos documentos e actos, no escrutínio publico e no apetrchamento e capacitação dos corpos especiais  do Estado - como as policias e as magistraturas. 
Nos últimos tempos, a justiça portuguesa conseguiu reunir meios para lançar grandes operações de busca, apesar de patéticos equipamento e condições. Actuou na base de indícios e de informações a que antes não tinha acesso, mas hoje tem. Designadamente  sobre contas bancárias e activos transferidos para paraísos fiscais, como a Suíça. A cooperação judicial conseguida decorre de legislação europeia (as directivas contra o branqueamento de capitais e a directiva chamada das poupanças)  e também americana: ambas encurralaram a Suíça, forçando-a  a cooperar na investigação de crimes fiscais,  além dos de corrupção.  
No Congresso do PS eu pedi o compromisso de que "amnistias fiscais nunca mais" - esta é uma questão central não apenas de justiça fiscal, mas também da luta contra a corrupção. Os RERT - Regime Especial de Regularização Tributária, introduzidos pelo governo de Sócrates em 2005 a pretexto de atrair capitais parqueados no exterior, revelaram-se um expediente perverso para capturar o Estado e lavar dinheiro ilicitamente adquirido. Em 2005 e 2010 aplicando uma taxa obscena de apenas 5% sobre os capitais repatriados. Em 2012, graças à investigação Monte Branco, o Governo de Passos Coelho e Portas tinha cerca de 4 mil milhões identificados e detidos por portugueses na Suíça e noutros paraísos fiscais. Podia ter accionado mecanismos de confisco ou taxas brutais de imposto, tal como aplicou à classe média em Portugal : mas preferiu subir a taxa para uns módicos 7,5 % e foi mais longe na perfídia ao serviço de corruptos e grandes criminosos fiscais - branqueou-lhes dinheiro e crimes, sem obrigar, sequer, ao repatriamento dos capitais.
A prisão do ex Primeiro Ministro José Sócrates abalou o PS e o país e vai afectar os tempos à nossa frente, para além das legislativas. Se José Sócrates estiver inocente ou não for sequer acusado, enfrentaremos o descrédito, o descalabro, no sistema de Justiça: torna-se mais premente e profunda a reforma a fazer pelo próximo Governo. Se Sócrates for culpado e a justiça for capaz de o provar, o PS, por muito que isso custe a muitos,  terá de exigir punição exemplar - não apenas porque ser antigo PM tem de ser causa de agravamento da culpa, mas porque terão sido traídos o próprio PS e os portugueses.
Seja qual for o cenário, ao PS cabe de tomar a iniciativa, assumir compromissos para o futuro e apresentar propostas que desde já confrontem o Governo com as suas responsabilidades no combate à corrupção, incluindo através do confisco em favor do Estado dos proventos da corrupção e da criminalidade fiscal conexa.
Termino com uma pergunta que tem a ver com aquilo de que falo:
- o MNE anuncia uma visita a Luanda em breve: vai instar o Presidente José Eduardo dos Santos a cumprir a garantia firme definitiva e irrevogável que prestou ao BESA?"

Transcrição da minha crónica desta semana no Conselho Superior, ANTENA 1 (9.12.2014)

quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

Anarcoparlamentarismo


Eis os primeiros parágrafos da minha coluna semanal de hoje no Diário Económico. Pode uma democracia parlamentar prescindir da disciplina parlamentar?

Tortura

 

O relatório do inquérito do Senado dos Estados Unidos sobre os métodos da CIA na luta antiterrorista a seguir ao 11/9 veio confirmar toda a extensão de brutalidade e crueldade da tortura infligida aos suspeitos reais ou imaginários de terrorismo, que tem de dar lugar a uma amarga reflexão sobre a vertigem autoritária irracional que se pode apossar dos regimes democráticos e espezinhar os mais elementares ditames do Estado de direito.
Em contrapartida, o relatório revela que, apesar do atraso no seu reconhecimento, os serviços de segurança dos Estados Unidos estão sujeitos a um escrutínio do Congresso muito mais exigente do que o da generalidade dos países. Um relatório destes não seria possível em muitas outras democracias ocidentais.
Ao menos que (mais) esta página negra da história dos Estados Unidos sirva pra impedir a sua repetição no futuro.

terça-feira, 9 de dezembro de 2014

domingo, 7 de dezembro de 2014

sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

Cheira a eleições...


Há nesta benesse governamental dois fatores indecentes: (i) o oportunismo eleitoralista, abusando dos privilégios de empregador público; (ii) a discriminação dos trabalhadores do setor privado, cujos impostos pagam as prerrogativas do setor público.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

Leituras


Sem surpresa, o artigo de Francisco Assis no Público de hoje mostra que ele não compartilha da "inclinação à esquerda" que resultou do Congresso do PS.
Mas uma das grandes qualidades do PS é a diversidade e pluralidade de opiniões e posições, mais ou menos à esquerda, sem anátemas nem exclusões. Por isso, não compreendo a sua decisão de ficar fora dos novos órgãos dirigentes do Partido. Nos partidos quem decide ficar de fora deixa de fazer falta.

"Quem guarda o guarda?


Vale a pena ler a carta de Sócrates, hoje no Diário de Notícias.
Se a intenção da prisão preventiva era calá-lo, o tiro saiu pela culatra. Há homens que não vergam nem capitulam.


quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

"Economia social de mercado"



Eis os primeiros parágrafos da minha coluna semanal de hoje no Diário Económico.

Testes de Costa (5)

Observam-me que não introduzi nem o Livre nem o PDR (Marinho Pinto) na equação das possíveis coligações de governo com o PS.
É verdade, e não foi esquecimento. São as seguintes as razões. Primeiro, duvido que com uma forte alternativa política do PS protagonizada por António Costa esses partidos tenham grandes chances eleitorais; meia dúzia de deputados pode não ser suficiente para fazer uma maioria com o PS. Segundo, e mais importante, não aposto nem na viabilidade de uma tal coligação (por exemplo, a oposição de princípio do Livre ao Tratado Orçamental da UE) nem sobretudo na sua consistência e estabilidade, correndo o risco de naufragar à primeira dificuldade política, se não ao primeiro orçamento. Terceiro, como já disse, optar por uma aliança à esquerda e preterir uma coligação ao centro significa prescindir de um conjunto de reformas necessárias que só podem ser feitas com o PSD.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

Testes de Costa (4)

Em resumo, na minha interpretação, o que AC pretende é lançar um desafio aos eleitores: se querem uma mudança de política com estabilidade e consistência governativa, o melhor é assegurar uma maioria absoluta ao PS, visto que não podemos contar nem com um compromisso governativo por parte do BE e do PCP nem com nenhuma reorientação política por parte do PSD.
E ao lançar este desafio explícito aos eleitores, AC responsabiliza-os também pelas consequências, incluindo a solução governativa que se tornar necessária, caso não obtenha a ambicionada maioria absoluta.

Testes de Costa (3)

Como já disse muitas vezes em modo de analista político, o que me parece é que, caso o PS não obtenha maioria absoluta, a solução governativa de última instância acabará por ter de ser uma coligação com o PSD, por três razões: (i) por ser de excluir um governo minoritário; (ii) porque não se afigura viável nenhum compromisso do BE ou do PCP numa solução governativa com o PS; (iii) porque há reformas necessárias para o País que só são possíveis com o PSD (na administração pública, na justiça, no sistema eleitoral, na administração territorial, no sistema de governo municipal, etc.).
Por razões óbvias, porém, se quer maximizar as hipóteses de maioria absoluta, AC não pode permitir-se especular sobre nenhum cenário alternativo.

Testes de Costa (2)



Considero precipitada a ideia de que AC rejeitou liminarmente a hipótese de uma coligação de governo com o PSD (na imagem notícia do Público), em caso de necessidade.
Na minha interpretação, o que ele disse sobre matéria governativa foram três coisas: (i) por todas as razões, é preferível um governo de maioria absoluta do PS; (ii) não é de aceitar a noção do "arco da governação" limitada ao trio CDS-PSD-PS, pelo que o BE e o PCP têm de ser desafiados a participar numa eventual aliança de governo; (iii) independentemente da liderança do PSD, está excluída qualquer coligação de governo à direita "que se traduza na prossecução das mesmas políticas do atual governo".
Por consequência, AC não excluiu nenhuma força política de alguma eventual  aliança governativa, tendo excluído, sim, a continuidade de políticas de "austeridade" e de "empobrecimento". Nem era de esperar que dissesse coisa diferente. A única novidade (sem constituir nenhuma surpresa) está na afirmação de que não basta uma mudança de liderança no PSD (de "Pedro" para "Rui") para o tornar um parceiro de governo aceitável.

Testes de Costa

O novo líder do PS tinha de responder a quatro testes fundamentais neste Congresso: o caso Sócrates, a unidade do Partido, a renovação da direção e a afirmação da sua liderança pessoal. Superou-os a todos com galhardia e aparente facilidade.
Mas a caminhada para a conquista do poder só agora começa. Três questões ficaram pendentes de resposta em melhor oportunidade: as políticas concretas para a saída da crise no contexto da incontornável disciplina orçamental (o primeiro orçamento vai ser um teste crucial); a solução governativa em caso de vitória sem maioria absoluta, excluída a hipótese de governo minoritário; a candidatura presidencial a apoiar pelo PS, caso falhe a hipótese Guterres.

sábado, 29 de novembro de 2014

Intervenção no XX Congresso do PS

Camaradas,

Vivemos tempos em que os valores da ética republicana e democrática parecem já não ser respeitados e muitas instituições parecem infiltradas por oportunistas e criminosos, ao serviço de interesses particulares, contra o interesse público e nacional.

A degenerescência não é apenas nossa, é europeia e global:  decorre deste estádio do capitalismo, dominado pelo sector financeiro especulativo, que vive da captura dos agentes políticos e do Estado. Entender isto é fundamental para travarmos o combate e o sabermos orientar estrategicamente pela regeneração do país e da Europa.

Para isso, precisamos mais do que nunca de um PS forte, unido e determinado. Sem o PS não salvaremos Portugal da destruição e venda ao desbarato em que o Governo de Cavaco Silva, Passos Coelho e Paulo Portas se esfalfa. Só o PS pode resgatar o povo português do empobrecimento material, moral e anímico em que as políticas desta troika, e da outra, o enterram.

Vamos prosseguir contigo, António Costa, a regeneração que António José Seguro iniciou, tirando o PS da fossa de 2011. A separação rigorosa e controlada entre actividade política e negócios é  imperativa para credibilizar a política e os políticos.

A alternativa que Portugal exige ao PS implica a construção - e depois a aplicação, quando o PS for governo - de um programa de reformas no Estado que ajude a por a economia a crescer estrategicamente e a criar emprego decente em sectores com futuro - das energias renováveis ao digital, passando pelo mar, sem esquecer o agro-industrial - voltando a dar confiança e esperança aos cidadãos.

E às cidadãs também! Orgulhamo-nos do papel pioneiro do PS na promoção da paridade em Portugal. Não pode haver retrocesso: as próximas listas para as legislativas serão homem/mulher, como foram nas eleições europeias. E o próximo governo PS será paritário.

Central na Agenda para a Década -  e na agenda para o ano que vem, já -, tem de ser a reforma da fiscalidade. O actual sistema é iníquio, fomentador da desigualdade, uma selva propiciadora de corrupção e evasão fiscal, penalizadora de quem trabalha, cria riqueza e inova. O estudo tem de começar já e tem de se articular com o combate pela harmonização fiscal na União Europeia, única forma de esvaziarmos os paraísos fiscais e acabarmos com a corrida para o fundo disputada entre europeus e ilustrada pelo escândalo Luxleaks. Amnistias fiscais como as que foram introduzidas em 2005 e acabaram a  beneficiar evasores fiscais de alto e de baixo coturno - nunca, nunca, mais!

A reforma do Estado tem de ter em conta que vivemos num mundo interdependente mas desresregulado, exposto a novos riscos e ameaças, que não conhecem fronteiras e assentam em tecnologias que subitamente podem paralisar infra-estruturas críticas para a  vida quotidiana e a segurança básica dos cidadãos. Ao contrário do que este Governo quer fazer crer, Portugal não está preparado para se proteger e proteger recursos próprios do terrorismo, da criminalidade organizada, de ataques cibernéticos, de pandemias, etc.. E este Governo tem agravado a impreparação: as Forças Armadas estão a ser destruidas e a floresta de estruturas policiais e de serviços de informação sobrepõe e duplica meios, desperdiça recursos e fomenta perigosas rivalidades - veja-se o "varrimento electrónico" que o SIS se prestou a fazer contra a investigação judicial ao esquema corrupto e criminoso dos "vistos dourados".

Finalmente, uma governação socialista tem de cuidar da nossa capacidade de identificar, defender e promover os interesse nacionais na União Europeia - como bem frisou o  Secretário Geral António Costa. Temos de aprofundar a integração política e económica, reforçar o Euro, o Mercado Interno, trabalhar pela justiça social, os direitos humanos, uma economia verde e inteligente. Temos de trabalhar para potenciar a União Europeia como instrumento da tão  necessária regulação global.

Camaradas,

Tenho a convicção de que o PS há-de sair deste Congresso mais forte e unido, porque nós no PS sempre  soubemos reagir às adversidades que pareciam abater-nos. Sempre soubemos fazer, em momentos difíceis como o que atravessamos, a síntese racional das perspectivas internas diversas que protagonizamos, em razão de uma razão socialista que a todos nos une, fundada na consciência arreigada do bem comum dos portugueses, que nunca atraiçoamos.

Muita, muita força, António Costa!
Vamos fazer a mudança que Portugal exige. Estamos contigo. Avançamos contigo.

Viva o PS! por Portugal.

Viva Portugal!

Ana Gomes
29 de Novembro de 2014

sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Modo tablóide (2)


O semanário Expresso também não escapou à vertigem tabloidista em que o deontologia jornalística é a primeira vítima, como nesta peça em que, com um jogo de palavras pouco subtil, se permite adotar no título a tese da acusação sobre a suposta "casa de Sócrates" em Paris.
Salvo a suspeita da polícia posta a correr, o Expresso tem alguma prova concludente de que a casa não pertence mesmo ao titular do registo predial?! Não seria curial, numa postura de jornalismo sério, dizer "Alegada casa de Sócrates..."
Simplesmente lamentável.

Modo tablóide (1)

A febre tabloide no caso Sócrates contaminou mesmo os jornais mais sérios. Só isso pode explicar esta descabida notícia do Público, segundo a qual "Sócrates opôs-se à lei do enriquecimento ilícito", deixando implícito que "o malandro já estava em pensar em como se safar".
Ora, a verdade é que o desatino do PSD em criar um novo tipo de crime era manifestamente inconstitucional, como aqui defendi na altura própria e como depois decidiu concludentemente o Tribunal Constitucional (como, aliás, o próprio Público lembra, porém sem retirar a moralidade desse facto). Afinal, o PS tinha toda a razão na sua oposição ao tal abstruso "crime de enriquecimento ilícito".

[Revisto]

quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Leituras


Os fatores da crise, segundo Rui Rio.

Adenda
A observação de Rio que foi selecionada para título da peça merece dois comentários: (i) há democracia porque há eleições democráticas (livres, justas e concorrenciais), pois as ditaduras também podem ter eleições de fachada (ver o Estado Novo); (ii) como alguém disse, a democracia eleitoral pode ser o regime político mais imperfeito do mundo, descontados todos os outros.

Abuso de autoridade (7)

Enquanto Sócrates foi preso preventivamente por alegado risco de destruição de documentos, apesar de ter havido buscas em sua casa e em tudo o que podia mexer à volta dele, o ex-presidente do BES, Ricardo Salgado, que foi mantido em liberdade mediante caução, só agora é sujeito a buscas, passadas várias semanas.
A uniformidade de critérios é justamente apontada como um dos testes da imparcialidade. A duplicidade de critérios do Ministério Publico e do juiz de instrução nestes dois casos é edificante!

"Igual proteção da lei"


Estes são os primeiros dois parágrafos do meu artigo semanal de ontem do Diário Económico, sobre o caso Sócrates (que já vai em mais de 1000 "shares").

Abuso de autoridade (6)

Em mais um frete jornalístico no "caso Sócrates", jornal i informa que o Ministério Público ainda anda à procura dos "corruptores" de Sócrates, ou seja, dos que supostamente pagaram as estratosféricas luvas que a polícia/MP "sugeriu" à imprensa.
Esta notícia confirma o pior que aqui tinha sido aventado em anterior post: a polícia, o MP e o juiz de instrução imputaram publicamente a Sócrates um crime (pelo qual foi detido e pelo qual está em prisão preventiva) sem ter nenhum "corpo de delito". O MP não tem apenas falta de corruptores (sem os quais, aliás, não há corrupção); nem sequer tem nenhum caso concreto em que o ex-PM tenha sido "comprado". Ao contrário de Pirandello, a polícia e o MP inventaram primeiro a corrupção e um autor e agora andam à procura das personagens.
Prender em nome de uma suposição criminal para depois investigar é pôr o processo penal de pés para o ar. E é uma qualificada violação da "constituição penal" da CRP. Uma vergonha!

quarta-feira, 26 de novembro de 2014

Abuso de autoridade (5)

Quer na primeira comunicação pública da PGR sobre a detenção de Sócrates quer no despacho do juiz de instrução, Sócrates é indiciado por crime de corrupção. Todavia, sabe-se agora que ele não foi confrontado com nenhuma imputação concreta relativa a tal crime. O seu advogadpo é perentório:
Isso condiz, aliás, com o facto de a imprensa que tem sido alimentada pelas informações filtradas para fora do processo não tenham trazido nada sobre a matéria.
Isto  é de uma extrema gravidade. Ou a investigação não tem nenhum elemento de prova ou, se a tem, resolveu escondê-la no interrogatório de Sócrates. Seja como for, manter uma acusação pública por alegados factos que se desconhecem e com os quais o interessado não foi confrontado é um ultraje aos direitos processual-penais de qualquer pessoa. Todo o detido por suspeita de um determinado crime (ainda por cima um crime infamante como este) tem o direito elementar de saber em que factos se baseia a imputação de tal crime.
Decididamente o Estado de direito está ser gravemente atropelado neste processo.

terça-feira, 25 de novembro de 2014

Abuso de autoridade (4)

Parece que entre motivos para justificar a aplicação da prisão preventiva a José Sócrates, o juiz de instrução incluiu o perigo de fuga. Lê-se e não se acredita!
Como se não bastasse a arbitrariedade da decisão, junta-se a ela a injúria à vítima!

Adenda
Mesmo que houvesse algum real perigo de fuga, por que é que medidas de coação alternativas, como a detenção domiciliária vigiada ou a caução financeira, não bastavam para evitar tal risco? Parece óbvio que se pretendeu "a outrance" prender Sócrates, com ou sem razões para isso.