Porém, com este resultado o PS ficaria longe da maioria absoluta, e nem sequer obteria maioria parlamentar numa coligação com o Livre e com o PRD. A questão da fórmula de governo mantém-se por isso em aberto.
Blogue fundado em 22 de Novembro de 2003 por Ana Gomes, Jorge Wemans, Luís Filipe Borges, Luís Nazaré, Luís Osório, Maria Manuel Leitão Marques, Vicente Jorge Silva e Vital Moreira
sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015
Que governo?
Porém, com este resultado o PS ficaria longe da maioria absoluta, e nem sequer obteria maioria parlamentar numa coligação com o Livre e com o PRD. A questão da fórmula de governo mantém-se por isso em aberto.
Desigualdade (2)
E por que é que há de haver diferença entre o setor público e o setor privado? O PS também vai defender as 35 horas no setor privado?
Vertigem grega (9)
Por exemplo, qualificar a crise social, apesar de muito grave (desemprego, risco de pobreza, que em 2013 era o mais elevado da UE, etc.), como "crise humanitária" ou até "catástrofe humanitária" (!) é na melhor das hipóteses uma hipérbole, que faz pouco das situações de fome generalizada e de maciça carência social em tantos países por esse mundo fora, a começar pelos vizinhos países do leste europeu e do médio oriente.
Em segundo lugar, e mais importante, é falso imputar as situações de privação social aguda à troika e ao programa de ajustamento orçamental. Tal como em Portugal, os credores impuseram na Grécia a redução de pensões e de rendimentos. incluindo o salário mínimo (que mesmo assim ficou acima do nosso!) e do subsídio de desemprego. Mas não há nenhuma imposição da troika para privar as pessoas do rendimento mínimo ou do acesso aos cuidados de saúde. Isso resultou de políticas dos governos gregos, que preferiram deixar agravar a situação social, em vez de porem os ricos a pagar impostos (incluindo a Igreja ortodoxa e os armadores) e em vez de cumprirem o programa de privatizações acordado, que retirou ao orçamento centenas de milhões de euros.
Seguramente ninguém deixará de aplaudir as medidas que o novo governo grego venha a tomar para minorar a crise social, acudindo desde logo às situações críticas de pobreza e de privação de alojamento e de cuidados de saúde. Mas para isso não precisa de renegar os compromissos que o País assumiu para receber a assistência financeira que livrou a Grécia da bancarrota e da saída do euro. Pelo contrario, quem tem a perder é a Grécia e a crise social grega...
quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015
Desigualdade
Sempre julguei que um dos valores fundamentais do Estado de direito é a igualdade de direitos e obrigações em situações idênticas e que um dos valores essenciais da justiça no trabalho é o do salário igual para trabalho igual
Durante muito tempo houve a iníqua situação de os funcionários públicos terem um tempo semanal de trabalho de 35 horas, enquanto o do setor privado era de 40 horas. Agora passa a haver distinção dentro do próprio setor público, entre o Estado e os municípios que adotam as 40 horas legais e aqueles municípios que pretendem regressar às 35 horas, sem redução de remuneração; ou seja, salário igual para trabalho (muito) desigual.
quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015
#SwissLeaks - o Governo mente, oculta e protege os evasores fiscais
A hipocrisia do Governo é grotesca: pretende que não sabia de nada e vai agora a diligenciar para obter as listas dos evasores fiscais portugueses na Suíça.
A mentira é tão mais despudorada, quanto nunca me deu respostas às cartas que enviei (já ao anterior Governo e aos dois ministros das Finanças deste Governo) sobre as listas dos evasores fiscais no Liechenstein e na Suiça. Mas facilmente me respondeu o FMI a carta que enviei à Sra. Lagarde (embora em resposta redonda a proteger o Governo)...
Entretanto não sei quantas vezes, por escrito e verbalmente, nas rádios e nas TVs, nos plenários do PE, em perguntas à Comissão, levantei eu este assunto e o escândalo de Governo e Troika assaltarem fiscalmente as classes médias enquanto, via RERTs, amnistiavam ricos evasores e até os ajudavam e protegiam na lavagem do dinheiro, sem os obrigar sequer a repatriá-lo.
Ainda há meses, quando a Ministra das Finanças veio ao PE, abordei-a pessoalmente para lhe dizer que estava à espera de resposta à minha última carta e às anteriores, dirigidas aos seus antecessores, sobre as listas de evasores fiscais na Suíça e no Liechenstein. A Ministra pretendeu que não conhecia, que pelo tema teriam ido directamente para o Secretário de Estado de Assuntos Fiscais, que tomaria nota...
Não tomou e a resposta nunca veio.
Por isso, "modus in rebus"! Mentirem, ocultarem e armarem-se em inocentes e ignorantes, não vai dar. É melhor armarem-se de lupa e aspirador e procurarem as diskettes onde quer que seja, lá para as bandas do Terreiro do Paço.
Aqui deixo lista das cartas que fui escrevendo e da que recebi do FMI:
Carta a Teixeira dos Santos: http://www.anagomes.eu/PublicDocs/5c2d7dc4-0c28-47aa-b7c0-967a30208be6.pdf
Carta a Vitor Gaspar: http://www.anagomes.eu/PublicDocs/8ca362d1-55fb-4ba3-bf9e-fc8a8ec46d27.pdf
Carta a M. Luis Albuquerque: http://www.anagomes.eu/PublicDocs/d7921754-d9d8-4459-86f3-133a196173e4.pdf
Carta a Christine Lagarde 1 (05/11/12): http://www.anagomes.eu/PublicDocs/14feda44-b19d-49ed-b11b-ad504c041f87.pdf
Resposta FMI: http://www.anagomes.eu/PublicDocs/3b46abdb-1474-43aa-8cc5-d6ee3feb8329.pdf
Carta a Christine Lagarde 2: http://www.anagomes.eu/PublicDocs/e50a663c-b8ae-40f3-a7ec-d4dbe7fb2f08.pdf
Pergunta à Comissão: http://www.anagomes.eu/pt-PT/documentos.aspx?newsid=a0eeddda-c4e3-4d11-b866-0456f4b21200
Resposta da Comissão: http://www.anagomes.eu/pt-PT/documentos.aspx?newsid=410228cd-8f7f-4cd9-92cc-d32d449d57a0
Pedido de audição no PE com bancos suíços: http://www.anagomes.eu/PublicDocs/38fcff1b-67f7-4066-bc48-ec9dde6c67bc.pdf
Estado social
Eis o cabeçalho da minha coluna semanal no Diário Económico de hoje.
Adenda
O relatório do INE encontra-se aqui.
A tabela seguinte ilustra o argumento:
A UE está a combater o terror?
terça-feira, 10 de fevereiro de 2015
Luzes amarelas
Quando vejo um possível candidato a Presidente da República defender mais intervenção presidencial faço acender logo as luzes amarelas. Um PR intervencionista é candidato a trouble-maker institucional e politico
A meu ver, o PR tem (e deve ter) um papel limitado no nosso sistema constitucional. Não tem poderes na área governativa e não deve interferir na ação governamental; para isso há um governo eleito. O seu papel é o de supervisor independente do sistema politico, funcionando como polícia, árbitro e bombeiro. Além de representar a República e a unidade do Estado, cabe-lhe velar pelo regular funcionamento das instituições, favorecer a estabilidade politica, respeitar e proporcionar espaço de acção ao governo em funções, assegurar os direitos da oposição e, sendo necessário, agilizar soluções de governo. A sua intervenção na esfera pública deve limitar-se a promover os valores constitucionais, incluindo a coesão nacional e a tolerância democrática.
O PR deve ser um traço de união e não de divisão.
Isabel Moreira mente
Salvar a UE passa pela Grécia
segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015
Vertigem grega (8)
Desde o princípio me pareceu que a estratégia negocial do Governo Syriza se baseava numa chantagem tipo "dêem-me o que quero, se não saio do euro e não vou sozinho". Esta ameaça foi agora explicitamente verbalizada pelo ministro das Finanças Varufakis (especialista em teoria de jogos), citando expressamente Portugal e a Itália.
O problema do Syriza é que cada vez mais pessoas começam a levar a sério a probabilidade de saída da Grécia do euro e ninguém pensa em fazer-lhe companhia forçada. Num clube a chantagem de um membro que depende da confiança e da solidariedade dos outros não é uma boa estratégia negocial. Como escrevi noutro lado, "o poder de chantagem do Syriza caducou".
No seu irresponsável aventureirismo, o governo Syriza prepara-se para imolar a Grécia no fogo que acendeu e está a soprar. E aparentemente já perdeu o autocontrolo.
Um pouco mais de rigor sff
Não faz nenhum sentido comparar o valor do salário mínimo em termos absolutos, sem entrar em linha de conta com a diferença nacional dos níveis dos salários em geral.
O modo normal de comparar o salário mínimo é em termos de proporção do seu valor em relação ao valor da mediana dos salários (ou seja, o ponto intermédio do leque salarial). Ora, segundo este critério o salário mínimo em Portugal estava em 2012 (portanto, antes da recente subida) entre os mais elevados da zona euro (e não entre os cinco mais baixos, como diz a notícia acima).
Adenda
Perguntam-me o que penso do enorme aumento do salário mínimo na Grécia, que vai passar para 750 euros (x 14 meses), o que compara com os nossos 505 euros (depois do recente aumento). Penso que é uma enorme irresponsabilidade económica, que vai estoirar com muitas PMEs, diminuir a competitividade externa do País e lançar no desemprego milhares de trabalhadores, a começar pelos supostamente beneficiados pelo aumento. É um presente envenenado. O aumento é tanto mais injustificado quanto é certo que, devido à recessão, se deu uma queda dos salário médio e do salário mediano.
Estão a mangar connosco
No início, este governo resolveu submeter a concurso o recrutamento de dirigentes na administração pública, como prova da independência e da desgovernamentalização da função pública.
"Bem prega Frei Tomás", porém. Soube-se agora que catorze dirigentes da segurança social recém-nomeados são todos do PSD e do CDS e já tinham sido nomeados a título provisório há quatro anos (!!) por este governo. Concursos a sério, como se imagina!
Como diz Helena Garrido no Jornal de Negócios:
«É com casos destes que os partidos perdem o respeito dos cidadãos, é com casos destes que se vai ameaçando os pilares da democracia moderna. Também o PSD tinha prometido que não haveria mais "jobs for the boys". Vê-se. Vale mais desistir dos concursos. É mais sério, merece mais respeito.»
domingo, 8 de fevereiro de 2015
Aqui ao lado
A sondagem de opinião hoje publicada no El País confirma a fragmentação do leque partidário espanhol e o apoio dos novos partidos antissistema, desde o Podemos, que lidera a sondagem, até ao Ciudadanos, que aparece em quarta posição, isso à custa dos dois partidos governantes tradicionais, o PP e o PSOE, sobretudo este, que fica abaixo dos 20%, não tirando partido da sua oposição ao Governo do PP.
É claro que ainda vai correr muita água debaixo das pontes até às eleições gerais do final do ano, incluindo o destino do governo Syriza na Grécia. As eleições regionais na Andaluzia em março e as eleições autárquicas e regionais de maio podem dar uma imagem mais precisa quanto à consistência deste panorama político. Mas a manter-se este quadro político, a Espanha arriscar-se-ia a ficar ingovernável.
quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015
Vertigem grega (7)
A dura realidade começa a destroçar as ilusões do governo Syriza. Para além de não terem conseguido nenhum apoio para um única das suas propostas sobre a dívida e de continuarem sem apresentar alternativas credíveis, esta decisão do BCE (inevitável face à saída unilateral da Grécia do programa de ajustamento com a Troika) vem tornar ainda mais difícil a vida dos bancos gregos.
No meio do espalhafato mediático e do fracasso negocial, o Governo grego parece cada vez mais um aprendiz de feiticeiro a braços com uma mistura explosiva que ameaça estoirar-lhe nas mãos.
quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015
A UE refém de Atenas
Esta é a introdução da minha coluna semanal de hoje no Diário Económico, acerca do impacto do Governo Syriza sobre a política de comércio externo da União Europeia e, em especial sobre o acordo de comércio e investimento com os Estados Unidos (TTIP).
Adenda
Esta é a posição oficial grega sobre o TTIP que refiro no meu texto: «Syriza-led Greek parliament ‘will never ratify TTIP’».
terça-feira, 3 de fevereiro de 2015
Vertigem grega (6)
"Azar dos Távoras", sucede que ambas as propostas já saíram da agenda negocial do Governo Syriza, em mudança vertiginosa, que já desistiu explicitamente do perdão da dívida e já nem sequer fala da tal conferência.
O mesmo vai suceder com a proposta de fim da austeridade orçamental. Qualquer concessão da UE em matéria de dívida (por exemplo, associar o reembolso ao crescimento da economia, como eu próprio logo defendi) vai exigir da Grécia seguramente dois compromissos: (i) assegurar o serviço de juros da dívida (e para isso manter o necessário saldo orçamental primário positivo); (ii) criar condições para um crescimento sustentado da economia (o que não passa obviamente por aumentos incomportáveis de salários nem pela suspensão das privatizações).
Ou seja, a Grécia não de vai libertar nem da disciplina orçamental nem da monitorização externa.
Incompetência atávica
O que surpreende mais uma vez não é somente a inépcia em si mesma mas também a inaceitável demora em repará-la, que neste último caso já vai em mais de um ano! O que já não surpreende é a tentativa para alijar responsabilidades políticas e para atirar a culpa para os serviços (ou para as máquinas...).
Ligações perigosas
Todavia, pode suceder que, embora mantendo reserva quanto ao que ouviu, o próprio Presidente possa ter interesse em esclarecer o que disse ou não disse em alguma dessas audiências, se tal for importante para "varrer a sua testada" e afastar qualquer dúvida sobre a sua posição ou atuação num assunto de relevante de interesse público.
Tal é o caso das audiências que teve com o ex-presidente do grupo BES, depois de este as ter trazido a público no âmbito do inquérito parlamentar sobre o desmoronamento do grupo.
Adenda
Nada disso se aplica ao Primeiro-Ministro, que tem obrigação de esclarecer inteiramente o teor dos contactos que teve com Ricardo Espírito Santo Silva e do seu seguimento, se algum.
Quem mente e oculta compulsivamente, afinal?
Apodou-me Paulo Portas de mentirosa porque eu reproduzi o que diz o Ministério Público no despacho de arquivamento da investigação sobre os submarinos:
Entretanto o MNE esclareceu, via Lusa, que a 24 de Junho de 2013 comunicou à PGR que tinha entregue uma carta rogatória às autoridades das Bahamas. Já Paulo Portas afirmou na 6a feira que, como MNE, enviou à PGR a 24 de junho de 2013 a resposta das Bahamas. Resposta que o MP escreve nunca ter localizado. A questão mantem-se, pois: o que aconteceu à resposta das Bahamas? Veio ou não, via MNE ou directamente, já que a PGR a não encontra?
A questão importa e muito, porque essa resposta das Bahamas pode esclarecer o circuito que percorreram os 30 milhões de euros pagos pelos alemães fornecedores dos submarinos à empresa ESCOM, do Grupo Espírito Santo. Uma sexta parte, ou seja, 5 milhões sabemos hoje, pelas gravações do Conselho Superior do GES, acabaram em "luvas" nos bolsos de Ricardo Salgado e familiares. E 19 milhões foram transferidos para o Fundo Felltree, constituido nas Bahamas para ludibriar a Autoridade Tributária portuguesa - segundo Luis Horta e Costa, administrador da ESCOM, admitiu há dias na Comissão Parlamentar de Inquérito do BES. Ora se os escroques da ESCOM lavaram através do chamado RERT (Regime Especial de Regularização Tributária) 10 milhões de euros que entretanto repatriaram, resta saber a que bolsos foram parar cerca de 9 milhões de euros nunca declarados ao fisco.
Lembro que na Alemanha foram condenados corruptores em Portugal e na Grécia pela compra dos submarinos; na Grécia está preso o ministro da Defesa envolvido; só em Portugal não se acham os corrompidos .... Ora num negócio corrupto e fraudulento como foi este, seria elementar investigar eventuais acréscimos de património de quem tomou as decisões que se revelaram altamente lesivas dos interesses do Estado.
Sucede que muitas das decisões mais lesivas para o Estado foram tomadas por Paulo Portas enquanto Ministro da Defesa Nacional, como é confirmado pelo MP no despacho de arquivamento e por abundantes elementos no processo.
Essas decisões incluiram impor a presença da ESCOM no negócio, apesar de saber que trabalhava para os fornecedores alemães, e impor o BES no consórcio financiador da aquisição, contra a vontade dos alemães que até preferiam o banco do Estado, a Caixa Geral de Depósitos, associada ao Deustche Bank. Isto é, Paulo Portas garantiu que Ricardo Salgado e os seus outros comparsas do GES ganhavam por vários carrinhos no negócio, via ESCOM e via BES.
O clamoroso conflito de interesses tinha ainda outras vertentes - o BES era o banco financiador do CDS-PP, que nele tinha contraídos 2 vultuosos empréstimos. E fora também numa conta do CDS-PP no BES que entrara, na ultima semana de 2004, mais de um milhão de euros em súbito afã depositante de apoiantes, como o fictício "Jacinto Leite Capelo Rego" - um dos elementos que desencadeou a investigação da PGR, juntamente com intercepções telefónicas no processo Portucale, em que Paulo Portas é escutado a falar sobre compromissos financeiros secretos.
Por isso eu deixo ao Vice Primeiro Ministro Paulo Portas umas singelas perguntas, desafiando-o a esclarecê-las publicamente:
- Que empréstimos, e em que condições, tinha o CDS no BES em 2003, 2004 e 2005?
- Qual era a origem do fundo para seu uso exclusivo que o tesoureiro do CDS/PP Abel Pinheiro designava "ad usum delfini"? E qual foi o destino desse fundo: foi passado ao seu sucessor na direcção do Partido em 2005?
- O que era "aquilo" que aproveitou para ir fazer ao Canals quando se deslocou à Alemanha no início de Março de 2005? Tratava-se de Michel Canals, sócio fundador da Akoya, sociedade especializada na fuga ao fisco e no branqueamento de capitais?
Fico, ficamos, à espera das respostas. Tranquilamente. Veremos quem mente e oculta compulsivamente, afinal.
Ana Gomes, MPE
Vertigem grega (5)
Confrontado com a rejeição geral da sua proposta de renegar metade da dívida, bem como para adiar os juros da restante, o governo grego reformulou apressadamente a sua proposta, como relata o Financial Times, que passa agora por transformar em "growth bonds" (obrigações de crescimento) os títulos da dívida aos Estados-membros e ao fundo de resgate, pelo que o seu reembolso ficaria dependente do crescimento económico da Grécia, e em tornar as obrigações na posse do BCE em dívida perpétua, e logo sem obrigação de reembolso. Manter-se-ia naturalmente o serviço de juros, o que é um enorme recuo.
O primeiro problema desde novo esquema é que a dispensa de reembolso da dívida ao BCE equivaleria a um financiamento direto da Grécia, o que é explicitamente proibido pelos Tratados da UE. O segundo problema é saber com que taxa de crescimento é que a Grécia retomaria o pagamento da restante divida e como é que asseguraria esse crescimento. O terceiro problema consiste em saber como é a Grécia poderia assegurar superavit orçamental suficiente para pagar os juros da divida sem ter de contrair novos empréstimos para esse efeito, depois da medidas que já tomou (readmissão de funcionários, suspensão das privatizações, etc.) e que só podem agravar o desequilíbrio orçamental.
Entretanto, a situação financeira dos bancos gregos vai-se deteriorando e o tempo vai escasseando...
Adenda
A admissão explícita de que o Syriza não vai poder cumprir "todas" as suas promessas eleitorais não vai cair bem em Atenas. À medida que os dias passam, "não todas" as promessas vai transformar-se em "muitas". Bastou uma semana para recuar nas grandiosas propostas relativas à dívida e à austeridade orçamental (afinal, já estão disponíveis para garantir um saldo orçamental primário positivo superior a 1%). É a vida!
[revisto]
segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015
Um pouco mais de rigor, sff
Esta passagem, retirada do Diário Económico de hoje, revela um dos instrumentos usuais da esquerda radical na tentativa de desqualificação política da social-democracia, que é a da alegada "traição" aos interesses dos trabalhadores.
É verdade que as duras e contestadas reformas do chanceler alemão, Schröder, de 2003-05 incluíram, entre outras, uma redução das pensões e do subsídio de desemprego, mas é óbvio que não "destruíram" a segurança social, nem as pensões nem os sindicatos, sendo hoje geralmente consideradas como uma das razões para o elevado nível de emprego, o bom desempenho da economia alemã e a sustentabilidade do sistema de segurança social na Alemanha.
Desalavancar
O FMI tem razão neste ponto, tal como relata o Diário Económico. Um dos grandes travões à retoma do investimento entre nós é o excessivo endividamento das empresas, que restringe a sua capacidade de financiamento.
Na orgia do endividamento durante anos, não foi somente Estado que exagerou. As empresas e as famílias fizeram ainda pior. Com a agravante de também se tratar de endividamento externo.
Por isso, justifica-se que haja limites à distribuição de dividendos e de aumento de remunerações dos gestores no caso das empresas cujo endividamento ultrapassa certo limite.
domingo, 1 de fevereiro de 2015
O império da ANF
Com uma demora de mais de três anos, o conselho consultivo da Procuradoria-Geral da República veio estabelecer que as associações de representação empresarial, como a Associação Nacional de Farmácias, não podem desenvolver atividades empresariais, tal como sempre defendi e como demonstrei num parecer junto ao processo, que me valeu uma selvagem campanha de hostilidade pessoal por parte daquela organização.
Sinto-me naturalmente vindicado como jurisconsulto. Entretanto, porém, a ANF manteve o seu império empresarial...
Antologia do cinismo político
«É a primeira vez que os portugueses têm um Governo que os defende na União Europeia, e esse governo é o de Alexis Tsipras. Portanto, (...) são os únicos ministros que na União Europeia cuidam dos portugueses».Engana-se portanto quem pensa que os nossos representantes políticos em Bruxelas são quem nós elegemos. Afinal, delegámos esse poder aos gregos!
Deve ser por isso que a principal das medidas do novo governo grego em prol dos interesses portugueses é pregar um calote de 500 milhões de euros quanto à divida que a Grécia tem para Portugal, pela nossa participação no primeiro resgate da Grécia em 2010/11. Não se poderia imaginar maior desvelo dos nossos novos defensores sem mandato em Bruxelas...
Edificante! Como é que haja quem leve a sério políticos destes?!
sábado, 31 de janeiro de 2015
Vertigem grega (4)
A ver se percebemos o que vai na cabeça do Syriza:
-- o programa de contra-austeridade. já em execução avançada, vai custar, segundo as próprias estimativas, cerca de 12 mil milhões de euros em despesa adicional e perda de receita; o financiamento deste programa é puramente ficcional (tipo "luta contra a evasão fiscal e o contrabando");
-- que se saiba, os cofres do Estado vão ficar vazios dentro de semanas; a Grécia depende, portanto, de fundos externos para poder manter o Estado em funcionamento;
-- todavia, ao romper com o programa de ajustamento negociado com a troika, a Grécia prescinde ostensivamente da última fatia do empréstimo acordado, no valor de 7 mil milhões de euros, como se vê na notícia do Le Monde acima;
-- ora, a Grécia está excluída dos mercados da dívida pública, dados os juros proibitivos, agravados com a vitória do Syriza (acima dos 10%);
-- acresce que, durante o corrente ano a Grécia vai ter de reembolsar cerca de 22 mil milhões de euros de empréstimos externos, que começam a vencer já em Março; sem fundos próprios, tendo renegado a assistência financeira da troika e sem poder ir ao mercado refinanciar-se, a Grécia só pode entrar em default.
Conclusão: a única explicação para este enigma é que o Governo Syriza se prepara para cessar pagamentos internos e externos, encaminhando-se deliberadamente para a bancarrota e para a saída do euro.
sexta-feira, 30 de janeiro de 2015
Vertigem grega (3)
Neste artigo no Financial Times, G. Rachman explica por que é que "a versão grega de economia voodoo pode desmoronar-se -- e rapidamente". A pergunta óbvia é: "de onde vai vir o dinheiro"?
Adenda
O Governo grego recusa-se desafiadoramente a negociar uma extensão do programa de assistência financeira, sem abdicar do seu próprio programa de reversão da austeridade orçamental, cujo custo, seguramente subavaliado, importa em 12 000 milhões de euros, e não tem nenhum financiamento garantido. O Syriza encaminha a Grécia alegremente para o estampanço financeiro (e depois económico e político).
quinta-feira, 29 de janeiro de 2015
TTIP
Vou estar amanhã neste colóquio em Guimarães (Caldas das Taipas) sobre o acordo de comércio e investimento entre a UE e os Estados Unidos, cujas negociações acompanho desde o início.
Adenda
Eis um pequeno relato jornalístico do colóquio.