terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

Choque da realidade

Os nossos mais-syrisistas-do-que-o-Syriza, que ainda há duas semanas celebravam a rotura anunciada e o início da revolução libertadora em Atenas, viraram syrizistas revisionistas e estão agora afadigados na justificação do abandono de todas as grandes proclamações sobre a recusa da dívida, do resgate, da austeridade orçamental, das privatizações e de todos os males da troika.
Saúda-se o pragmatismo e a flexibilidade, que todavia têm um senão: é que doravante os syrizistas perdem qualquer legitimidade ou autoridade para acusar algum governo, passado ou futuro, de "trair" ou "esquecer" os seus compromisso eleitorais ou de ter enganado os eleitores com promessas fantasiosas que sabiam não poder cumprir. Serão imediata e justamente confrontados com um sonoro: "e o governo Syriza!?"

Vertigem grega (16)

1. A crise grega terminou a sua fase aguda da única forma que poderia terminar se a Grécia queria manter-se no euro, ou seja, com um pedido de prolongamento do resgate em vigor, com as correspondentes obrigações orçamentais (a "primeira lista" hoje aprovada não esgota as obrigações da Grécia) e o necessário controlo do trio de credores.
Em  troca a Grécia "ganhou" o que nunca perdera nem lhe podia ser retirado, ou seja, como aqui se defendeu, a possibilidade de adotar medidas de alívio da crise social que possam ser financiadas sem pôr em causa as metas de consolidação orçamental.
Resta ver se o governo Syriza cumpre, como se espera, os compromisso assumidos, sem o que não pode receber a fatia do financiamento remanescente do bail-out agora retomado e prolongado.

2. O problema é que o prolongamento da assistência externa dura somente mais quatro meses e logo depois a Grécia tem de amortizar dívidas de montante elevado. Considerando que a Grécia não obteve nenhuma concessão quanto à divida e que dificilmente conseguirá voltar logo ao mercado da dívida a juros razoáveis, vai ser provavelmente necessário negociar um novo acordo de assistência financeira, isto é um terceiro resgate, com as necessárias condições e controlo externo em matéria orçamental.
Ou seja, tendo começado por recusar todo e qualquer acordo de resgate, a começar pela desvinvulação unilateral do que estava em vigor, o governo Syriza pode acabar por ter de se submeter a dois...

Adenda
Para quem acha que eu exagero a dimensão do insucesso negocial do governo Syriza, ver esta visão de dentro do próprio.

O Governo fez de "idiota útil" contra a Grécia

Com a ministra das Finanças a pousar ao lado do Sr. Schäuble na semana passada, o Governo português fez de "idiota útil" da Alemanha contra a Grécia. Como todos os idiotas úteis, além de migalhas e louvores paternalistas, nada ganhou ou vai ganhar. Mas fez-nos perder, a todos nós portugueses, mais um pouco do que ainda não foi vendido ou cedido da dignidade nacional.
 
No inicio da semana, os sectores mais empedernidamente austeritários da direita europeia e os mais anti-Euro centros económicos  e geo-políticos mundiais salivavam por que o Eurogrupo produzisse aquilo que a se chama de Grexit: a saída da Grécia do euro. 

Quem chamou à pedra os bombeiros pirómanos do Conselho Europeu e do Eurogrupo foi Mario Draghi, do Banco Central Europeu: um incumprimento grego estava à vista, se não extinguissem imediatamente o fogo Grexit toda a zona Euro se incendiaria: e as consequências não se confinariam a peões de brega como Portugal, ameaçavam a derrocada do Euro, com repercussões geo-estratégicas numa Europa com guerra na Ucrânia e terrorismo por todo o lado, com focos irradiadores da Síria à Libia aqui tão perto...

A czarina reinante nesta Europa alemã ouviu e mandou subitamente travar o seuavançado  Schäuble, deixando pendurados aprendizes salivantes como a ministra Maria Luis, obrigada depois a tentar compor as vestes, declarando não ter exigido mudar nem uma vírgula no texto do acordo da Grécia com o Eurogrupo: não muda os relatos difundidos em Bruxelas e por toda a imprensa europeia e mundial que a retratam a instigar "esfola", onde Schäuble  sugeria "mata". Além de exibir velhaquice de quem não teve, não tem, a ombridade de dizer na cara dos gregos o que antes espicaçou nos alemães.

Enfim, o acordo lá se fez no Eurogrupo: a Grécia, a União Europeia e até os sacrossantos mercados respiraram de alívio. A semântica contou, como conta sempre em negociações europeias e o governo grego levou para casa um compromisso que não corresponde, como não podia corresponder, ás exigências de que partiu, mas obriga os fundamentalistas da austeridade a ter de admitir que, afinal, há alternativa.  

Isso mesmo induziu também a confissão de Jean Claude Juncker sobre os pecados da Troika humilhando povos como o grego e o nosso, o que muito amofinou o Primeiro Ministro Passos Coelho  - como ele dirá, "lixa-lhe as eleições", a narrativa eleitoralista... É como a realidade que os portugueses conhecem: cumprindo o programa austeritário no modo mais troikista do que a Troika, nem assim as reformas e os objectivos previstos foram alcançados: ainda ontem se soube que a famigerada dívida pública continuou a aumentar em 2014 e que aumentou também o crédito mal parado às empresas e famílias.

Mas a direita portuguesa odeia a realidade por preconceito ideológico: entrega-se agora ao afã negacionista de qualquer ganho de causa grego no Eurogrupo, tão absurdo como a arrogância com que desde início maldisse a audácia negocial de Atenas.

Se mais razões não houvesse, devíamos estar gratos à Grécia e aos gregos pelo assomo de dignidade e pela determinação com que estão a obrigar a Europa a mudar, incluindo a Alemanha, onde finalmente se iniciou um debate interno sobre o impacto das suas imposições na União. 

E devemos  pedir desculpa à Grécia e aos gregos pela vergonhosa  posição assumida por um Governo que  não representa o sentir solidário, nem os interesses, do povo português. Porque, em vez de ter direito a exigir "reparações", como inefavelmente  avançou o ministro Machete, este Governo deu uma machetada na legitimidade para reclamar quaisquer ganhos que a Grécia venha a lograr.

(Transcrição da minha crónica hoje no Conselho Superior, ANTENA 1)

Finança internacional


O escândalo da filial suíça do HSBC (aqui um take do Expresso) não confirma somente a total falta de escrúpulos da finança internacional; mostra também que um mercado financeiro globalizado, com operadores que escolhem as jurisdições mais favoráveis (e nem sequer precisam de ser paraísos fiscais), não pode ser efetivamente regulado ao nível nacional mas somente ao nível global.
É necessário um mecanismo de regulação e supervisão internacional que proporcione mais transparência aos movimentos de capitais e defenda os Estados contra a maciça fuga aos impostos.

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

A internacional bolivariana

Em geral assaz nacionalista (como é evidente no caso do Syriza), a nova esquerda radical europeia não se dá a grandes arroubos internacionalistas. Mas é inegável a sua simpatia pelos governos "bolivarianos" da América Latina, em especial com a própria Venezuela, berço do "bolivarismo", com o presidente Hugo Chávez. Esse patrocínio leva-a a coonestar a crescente repressão das liberdades políticas e da oposição na Venezuela de Maduro, que se agravam à medida que a crise económica e social lança o País no descalabro.
A mais conspícua manifestação dessa cumplicidade ocorreu há alguma semanas no Parlamento Europeu, com a rejeição pelos deputados do GUE de uma moção que condenava essas violações, nomeadamente a detenção ilegal do presidente do município de Caracas. Convém lembrar que a "Esquerda Unida Europeia" junta os partidos comunistas e os da esquerda radical, incluindo o Bloco de Esquerda, o Podemos, o Syriza, etc.
Por conseguinte, o programa do Syriza não é somente incompatível com as regras da união monetária europeia e com a política de comércio externo da União mas também com a política externa da União em matéria de democracia e liberdades políticas. E a solidariedade internacional da esquerda radical europeia não tem a ver somente com a luta do Syriza pela "soberania económica" da Grécia.
Há solidariedades que comprometem.

Vertigem grega (15)

1. É evidente que a Grécia sofreu uma austeridade e uma recessão mais longa e mais profunda do que a portuguesa, desde logo porque a sua situação de partida era muito mais grave e depois porque a resistência social à austeridade e a instabilidade política prejudicaram a execução dos programas de resgate.
O que se tende a esquecer, apesar de ser igualmente evidente, é que apesar dessas dificuldades, os resultados já começaram a aparecer. No ano passado o défice orçamental já ficou abaixo dos 3% (melhor do que Portugal); a economia já cresceu e o desemprego começou a ceder, embora marginalmente; e os juros da dívida já tinham baixado o suficiente para que a Grécia pudesse aventura-se no mercado. O único ponto resistente continuava a ser o das exportações, não tendo a Grécia conseguido suprimir o seu défice de competitividade (que não depende somente dos preços internos).

2. Por isso, tendo já passado a fase aguda da austeridade, a questão da Grécia não consistia em adotar mais medidas de austeridade, mas sim em não desfazer o que foi feito (como o Syriza aventureiramente propunha) enquanto a economia e as finanças gregas não estiverem definitivamente a salvo. A Grécia corre o risco de morrer na praia, perdendo ingloriamente todos os sacrifícios destes cinco anos e desaproveitando a retoma económica iniciada.
O que falta na Grécia é concretizar as reformas estruturais que mal foram iniciadas, nomeadamente a racionalização do aparelho administrativo, a criação de uma verdadeira administração fiscal, a conclusão do programa de privatizações e a introdução de mais concorrência na economia.

3. Entretanto, desde a vitória do Syriza a situação orçamental e económica grega deteriorou-se claramente. As previsões de crescimento e de redução do défice orçamental já não devem ser alcançadas. Por isso, enquanto o anterior governo grego estava a negociar a saída do programa de resgate (que seria substituído por uma "linha cautelar"), agora já se fala na eventual necessidade de um terceiro resgate, prolongando a tutela financeira externa.
Desgraçadamente, os gregos podem ter perdido muito com a troca.

Mais "syrizistas" do que o Syriza

Enquanto o governo Syriza teve o pragmatismo suficiente para pôr de lado a ideologia (pelo menos por agora) a fim de evitar o iminente colapso do sistema bancário grego e ganhar tempo para preparar uma eventual saída "ordenada" do euro, muitos dos nossos "syrizistas" domésticos, a julgar pelas suas posições públicas, iriam até ao fim, precipitando à cabeça a crise salvífica que anteveem como inevitável e desejável.

domingo, 22 de fevereiro de 2015

Declaração de princípios

Sempre combati a esquerda radical (vulgo "esquerdismo"); e fui progressivamente abominando o populismo e o nacionalismo político. O Syriza é um casamento tóxico dessas duas perspetivas políticas (mesmo que agora se declare europeísta por conveniência).
Não me peçam, portanto, nem complacência nem silêncio. Penso, aliás, que a esquerda social-democrata vai pagar um custo elevado pelo namoro oportunista (aliás não retribuído...) com o Syriza e os seus avatares noutros países.

Adenda
Discuto e combato ideias e posições políticas, não ataco, nem insulto nem desqualifico pessoas. O contrário não é verdade, mas perdem tempo. Não lhes dou troco. Além de uma posição deontológica é também uma questão de ecologia pessoal...
[revisto]

Vertigem grega (14)

Nos termos do acordo feito com a UE há dois dias, o Governo grego vai ter de retomar e completar, sob supervisão da UE e do FMI, o programa de resgate que tentou renegar (incluindo a suspensão de algumas medidas já anunciadas) como condição de receção da fatia remanescente do empréstimo correspondente. É um profundo golpe no programa eleitoral do Syriza, por mais que a propaganda governamental tente dourar a pílula.
Mas o Governo grego pode aproveitar a oportunidade e o impulso político da UE para realizar as reformas de que o País carece e que continuam em grande parte por realizar: corte nos privilégios da elite política e económica, incluindo os da igreja ortodoxa (cujas salários e pensões são pagos pelo Estado!), reforma e racionalização da administração, criação de uma eficaz máquina fiscal e alargamento da base fiscal, liberalização da economia (ainda há preços tabelados no mercado de bens e serviços).
A realização dessas reformas não trará alívio imediato na austeridade orçamental a que o País está obrigado; mas criará as condições necessárias para um melhor desempenho económico, que só ele permitirá a geração de emprego e a realização sustentada dos excedentes orçamentais de que o País vai precisar para reduzir a dívida e para se manter no euro.
Amanhã veremos se a lista de reformas que Atenas vai transmitir aos demais governos da zona euro corresponde a um propósito de engagement leal e construtivo com a UE ou se se traduz na manutenção do clima de guerrilha e de confrontação que até agora têm pautado a conduta do Governo Syriza.

Adenda
É verdadeiramente patética a tentativa do governo Syriza e seus apoiantes para tresler o acordo com a UE e ver nele "uma batalha ganha" por aquele. Ver esta explicação em português entendível por toda a gente. Parece que outros comentadores leram uma versão diferente, provavelmente em grego...

sábado, 21 de fevereiro de 2015

Incompetência

Precisei de renovar a carta de condução, o que requeri com grande antecedência em relação ao prazo de caducidade. Passados cinco meses, ainda não tenho o novo documento, nem explicação pelo atraso. Tratando-se de renovação de um documento de base eletrónica, esta demora é absolutamente inaceitável. Aliás, encontrei pessoas que estão à espera há um ano!
Há alguns anos houve um Governo que procurou e conseguiu colocar-nos na vanguarda internacional da administração electrónica em muitos aspetos (cartão de cidadão, documento único automóvel, empresa na hora, etc.).
Pelos vistos, foi exemplo sem continuidade...

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Vertigem grega (13)

1. E pronto, bastaram duas semanas para os próprios cidadãos gregos rebentarem o balão das grandes proclamações do Governo Syriza. Na iminência do colapso do sistema bancário, por causa dos maciços levantamentos de depósitos, o novo Governo grego teve de abandonar todos os seus objetivos "antiausteritários": nem corte na dívida, nem fim da austeridade orçamental, nem reversão das medidas tomadas, nem novo empréstimo à margem do programa de resgate em vigor (que o Syriza tinha declarado morto e sepultado), nem fim da supervisão da troika (que só perde o nome).
Em troca, além de salvar os bancos do colapso (que vão retomar o financiamento do BCE) e de receber a fatia que faltava do empréstimo ao abrigo do programa de assistência em vigor (desde que cumpra as obrigações em falta), o Governo grego obtém autorização para tomar medidas de atenuação da crise social (o que é bem-vindo) e uma eventual revisão do excedente orçamental primário previsto para este ano, se uma evolução económica menos positiva do que o previsto o justificar.

2. Tudo bem quando acaba bem? Nem tudo. Por um lado, as eleições e a vitória do Syriza afetaram negativamente a economia e a cobrança de impostos, agravando a situação económica e orçamental; por outro lado, tudo agora depende da capacidade do Governo grego para cumprir e fazer cumprir de boa fé o acordo que a contre-coeur celebrou com a UE (a começar pela lista de compromissos a entregar na próxima segunda-feira).
Acima de tudo, porém, prevaleceram os princípios e as regras da zona euro, bem como o respeito pelos compromissos tomados, sobre o voluntarismo ideológico, a irresponsabilidade política e a má fé negocial da esquerda radical.

Adenda (1)
Um nota humilhante para a Grécia (que traduz a falta de confiança de Bruxelas em Atenas) é o facto de os 11 000 milhões de euros que tinham sido emprestados à Grécia para eventual recapitalização dos bancos gregos, e que o Governo Syriza queria desviar para outros fins, vão voltar à UE, ficando confiados à guarda do ECB, não vá o diabo tecê-las...

Adenda (2)
«Um país não pode pedir apoio e formular as condições» (Dijsselbloem). Nem mais!

Lei de bronze?

Numa artigo hoje publicado no Diário Económico Vítor Bento vem corrigir as interpretações erróneas do seu artigo há dias publicado no Observador, que foi visto como uma crítica do programa de austeridade orçamental.
O que VB continua sem explicar é se considera que a divisão entre "países excedentários" e "países deficitários" é uma condenação inerente à zona euro (união monetária sem união económica, orçamental e fiscal), sendo uma espécie de "lei de bronze", ou se ela poderia ter sido corrigida, ou pelo menos atenuada, por políticas apropriadas nos países deficitários, de contenção na despesa pública, de aposta na educação e na qualificação profissional, de flexibilização das relações laborais e moderação salarial, de investimento na competitividade e na internacionalização, de atração de investimento estrangeiro, etc..
Quando penso que, com a entrada no euro não aproveitámos a bênção da enorme queda dos juros para custear as necessárias reformas mas sim para uma orgia de endividamento das pessoas, das empresas e do Estado (incluindo autoestradas gratuitas, bonificação do crédito à compra de habitação e compra de submarinos dispensáveis), é de perguntar se isso era inevitável ou se não fizemos muito para ficarmos na liga dos países deficitários.

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

Um escândalo


Eu junto-me a este justo protesto contra este escandaloso monopólio partidário do espaço público.

Adenda
Não colhe o argumento de que as televisões privadas são livres na sua programação (o que aliás também se aplica à RTP). Sucede porém que, ao contrário dos jornais, não há liberdade de criação de estações privadas de televisão de sinal aberto, que usam o espaço radioelétrico público e dependem de licença do Estado e que por isso devem estar sujeitas a uma obrigação de pluralismo político-ideológico interno.

Vertigem grega (12)

1. Desde o início considerei como aventureirismo irresponsável, para não dizer uma grosseira provocação política, a posição do Governo Syriza de renegar unilateralmente o acordo de assistência financeira de que o País beneficiava (e de prescindir do financiamento a que ainda tinha direito), em vez de negociar os termos e as condições do seu prolongamento.
Como a sua proposta de obter um empréstimo "intercalar" à margem de qualquer programa não tem nenhum cabimento nas normas da assistência financeira da UE nem é obviamente aceitável para os restantes membros da zona euro, a Grécia arrisca-se a ficar sem rede, à beira do abismo financeiro. Neste momento tem poucas horas para recuar.

2. Ao contrário do que é pressuposto pelo coro internacional de fãs do Syriza, a Grécia não foi objeto de nenhuma ilícita intervenção externa da troika. Foi a Grécia (tal como a Irlanda e Portugal) que pediu a assistência financeira, tendo contratualizado com os credores os respetivos termos e condições.
Em vez de tentar renegociar o acordo, beneficiando da "flexibilidade" oferecida pelo eurogrupo, o novo Governo insistiu em renegá-lo unilateralmente e em revogar internamente os respetivos compromissos. Mas tem de aceitar as consequências da sua irresponsabilidade na quebra contratual e prescindir da assistência externa que o acordo titulava. O que não pode é exigir que continuem a emprestar-lhe dinheiro sem condições e à margem de qualquer acordo e depois acusar de "antidemocrática" a natural recusa (aliás unânime) dos parceiros. Ninguém goza de um poder potestativo de impor unilateralmente obrigações aos outros, sobretudo quando se depende deles.

Adenda
Entretanto, a situação financeira da banca e das finanças gregas agrava-se dia a dia, com a fuga de depósitos dos bancos e a quebra no pagamento de impostos. A Grécia arrisca um colapso financeiro a curto prazo, não por culpa externa mas sim por causa dos próprios cidadãos gregos, que depois de elegerem o Syrisa lhe tiram o tapete debaixo dos pés. O Governo grego tem até amanhã para parar a hemorragia acordando a extensão (e eventual amenização) do programa de resgate.

Adenda 2
Sendo já conhecida a carta enviada pelo Governo Grego ao Eurogrupo, é evidente que a Grécia pede a extensão do acordo de empréstimo mas não do Memorando de entendimento que contém o programa de assistência e as respetivas condições. Parece óbvio que o pedido não pode ser aceito nesses termos.

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

Um pouco mais de rigor sff

No seu artigo de hoje no Público, André Freire refere-se aos membros da corrente mais liberal do PS como "socialistas de direita".
Mesmo usada entre aspas, a expressão -- que é tudo menos politicamente inocente -- encerra uma evidente contradição nos termos. No PS, que é um partido de esquerda, não há "socialistas de direita" e de esquerda; há sim socialistas mais ou menos à esquerda, numa diversidade assumida e respeitada que sempre caraterizou o partido e tem sido fator da sua capacidade de congregar um apoio político e eleitoral sociologicamente transversal e abrangente, como convém a um partido de vocação governante. Só os "partidos de protesto" se podem dar ao luxo de ser monolíticos.

Acordo UE-Canadá de comércio e investimento


Este é o cabeçalho da minha coluna semanal de hoje no Diário Económico.

Ficção política

A ideia de que Portugal estaria no estado atual da Grécia, se entre nós a austeridade não tivesse sido travada pelo Tribunal Constitucional não resiste à mais elementar análise.
Por um lado, como se viu no post anterior, a situação dos dois países não é comparável nem quanto à situação de partida, na altura do resgate, nem quanto aos resultados do programa de ajustamento.
Segundo, não faz sentido dizer que as decisões do TC foram decisivas na limitação do programa de austeridade entre nós, sendo evidente que os cortes que o Tribunal rejeitou nos rendimentos dos funcionários públicos e dos pensionistas (e outros menores) foram compensados pelo Governo com medidas de igual valor ou superior, de tipo fiscal (o "enorme aumento de impostos") ou de corte noutras despesas públicas, incluindo as de investimento. 
Aliás, o fim da recessão económica deu-se ainda em plena fase aguda da austeridade orçamental, no terceiro trimestre de 2013.

Grécia & Portugal

Há quem continue a insistir em aproximar a situação económica e financeira de Portugal e da Grécia. Mas há duas diferenças óbvias, que justificam que Portugal tenha saído com êxito do programa de ajustamento enquanto a Grécia precisou de dois resgates e vai precisar de um terceiro, se quiser permanecer na zona euro..
Primeiro, a situação de partida dos dois países à data do resgate externo era substancialmente diferente, sendo muito pior na Grécia: maior défice orçamental, maior desequilíbrio externo, mais ineficiência da economia, menos sistema e máquina fiscal, menos Estado social.
Segundo, a Grécia foi muito menos capaz de realizar os objetivos e compromissos do programa de ajustamento, quer quanto à consolidação orçamental, quer quanto às reformas da economia. Basta ver, por exemplo, os quadros seguintes sobre a evolução das exportações nos dois países e sobre o incumprimento do programa de privatizações na Grécia.




terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

Más notícias


Esta sondagem do Guardian revela uma inesperada subida do Partido Conservador no Reino Unido, ultrapassando folgadamente o Labour.
A confirmar-se uma vitória conservadora nas próximas eleições parlamentares após quatro anos de disciplina orçamental, ela seria uma má notícia para social-democracia europeia, testemunhando o falhanço da oposição trabalhista, e também para a União Europeia, pois levaria à realização do referendo sobre a permanência do Reino Unido na União, tal como prometido por Cameron, com um sério risco de saída britânica.

Adenda
Dos três países europeus onde vai haver eleições este ano e onde os socialistas se encontram na oposição e deveriam em princípio ganhar, já se pode dar por perdida a aposta do PSOE em Espanha, neste momento com sondagens abaixo dos 20%. Se se verificar também a derrota do Labour, restam Portugal e o PS para salvar a honra da social-democracia governante.

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

Enriquecimento não justificado

Parecem definitivamente abandonadas as propostas de criminalização do "enriquecimento ilícito presumido", em favor da punição da falta de declaração e /ou de justificação de enriquecimento sem fonte conhecida. Os partidários daquela tese, justamente declarada inconstitucional, renderam-se agora à segunda tese.
Como mostrei na altura, o PS sempre teve razão em resistir isoladamente à deriva penal-populista dos demais partidos (incluindo lamentavelmente o PSD) e em defender as regras do Estado de direito em matéria penal. E como se vê, para punir o enriquecimento injustificado não é preciso presumi-lo de ilícito, bastando tornar obrigatória a sua declaração e justificação e punir a violação dessa obrigação.

Vertigem grega (11)

Tenho recebido mensagens a acusar-me de "falta de respeito pela vontade do povo grego". Mas sem razão. Por minha parte, até gostaria que o Governo Syriza pudesse realizar muitas dos seus compromissos políticos, como a separação da Igreja e do Estado, a reforma fiscal e outros que estão ao seu alcance e que só dependem de si. O que porém não faz sentido é que o Governo grego invoque a vontade democrática dos gregos para exigir medidas que dependem da vontade (e do dinheiro) dos cidadãos de outros países. Democracia é autogoverno, ou seja, governo da própria "casa", e não governo da casa dos outros, que também têm direito a autogovernar-se sem imposições alheias.
Não vejo por que é que os demais cidadãos europeus hão de arcar com os custos das irresponsáveis promessas de "fim imediato da austeridade" com que o Syriza ganhou as eleições na Grécia.

Adenda
Um leitor sugere que Portugal organize um referendo para a recuperação de Olivença e depois acuse a Espanha de não respeitar a "vontade democrática dos portugueses" -:) 

domingo, 15 de fevereiro de 2015

Estado de negação

Eu compreendo que os que sempre acharam que a austeridade orçamental só podia gerar uma "espiral recessiva" da economia -- tese que sempre achei infundada -- tentem agora desvalorizar a retoma da economia no ano passado (com início ainda nos trimestres finais de 2013).
É que, embora baixo (0,9%), esse crescimento não pode ser tomado como ocasional ou despiciendo. Primeiro, é a primeira vez que a economia portuguesa cresce numa base anual desde 2010, o que não é pouco. Segundo, esse crescimento está em linha com a média da UE e teve lugar em ambiente de austeridade orçamental, não inflacionista e sem ajuda do investimento público. Terceiro, apesar de baixo, o crescimento económico já está a ter impacto positivo no emprego (por razões que expliquei aqui). Por último, as previsões da UE e das instituições internacionais projetam a aceleração da taxa de crescimento no corrente ano em toda a Europa, incluindo em Portugal.
Há quem não queira ver o que está à vista de toda a gente. Mas os factos continuam a ser factos, por mais que contrariem as nossas expetativas políticas.

Adenda
É natural que o Governo e os seus arautos explorem politicamente o facto. Mas importa anotar que, de acordo com o programa inicial da troika a recessão não deveria ter sido tão profunda nem tão prolongada como foi e o País deveria ter começado a crescer muito antes. A Irlanda demorou menos tempo na retoma económica e já está no topo do crescimento na UE. Não tivessem sido os excessos e erros do Governo, ter-se-ia poupado muito em recessão, desemprego e crise social. Em vez de celebrar a tardia e insuficiente retoma económica, o Governo deveria assumir a responsabilidade pelo custo e pela duração excessiva da recessão.

Adenda 2
Sobre as perspetivas de crescimento para o corrente ano ver aqui, aqui e aqui.

Clareza


Ao menos, ao contrário de outros, o PCP não engana quanto ao seu desejo de pôr o País fora do Euro. Só não diz tudo, que isso seria a primeira etapa para sair da UE.
Infelizmente para o PCP, a crise do euro ficou para trás.

Submarinos: GES/ESCOM "contratou" o Ministério da Defesa...

"Reconheci  (...) na CPI, ter errado quando, na queixa que fiz à Comissão Europeia em 2010, escrevi que o Ministério da Defesa tinha contratado a ESCOM para o assessorar, quando ela já assessorava o consórcio alemão fornecedor. Era a informação que tinha na altura e que, formalmente, não era exacta, como vim depois a apurar. Mas é preciso ver que estamos a falar de um processo de aquisição pelo Estado que foi feito no maior secretismo, os próprios contratos eram secretos e muito porfiei para os obter: o MDN, até Augusto Santos Silva ser ministro da Defesa, fechou-se impenetravelmente.
Agora que consultei o processo judicial, rectifico esta correcção: o próprio MP conclui que representantes do Estado impuseram a ESCOM no processo, embora estivessem fartos de saber que a empresa representava o consórcio alemão fornecedor. Não há contrato entre a ESCOM e o Ministério da Defesa, mas está documentada uma relação de promiscuidade, com intensos contactos, entre ESCOM e o CDS/PP no Governo, via Paulo Portas, via Abel Pinheiro e outras vias. Há no processo testemunhos de assessores de Paulo Portas a dizer ter visto Luis Horta e Costa no MDN, na fase de negociação do contrato dos submarinos, às 10 horas da noite.... Ora a ESCOM era Grupo Espírito Santo (GES). E Paulo Portas impôs que o contrato de financiamento dos submarinos fosse feito pelo consórcio Crédit Suisse/BES, apesar de os alemães preferirem um outro, Deutsche Bank/CGD, ou seja, com o banco do Estado. E o BES era controlado pelo GES, tal como a ESCOM. Ah, e logo por acaso, o BES era (desde 1974) o principal banco financiador do CDS/PP...
Ou seja, face ao que hoje conheço do processo, tenho de voltar a rectificar a minha anterior correção: não foi o MDN  que contratou serviços à ESCOM; de facto, foi o GES/ESCOM que tinha o MDN ao seu serviço!"

Extracto das respostas que dei ao questionário que o jornalista Pedro Rainho me enviou e que foi ontem publicado em notável trabalho jornalistíco sobre o "estado da arte" no processo dos submarinos. Perguntas e respostas podem ser lidas integralmente na ABA DA CAUSA: http://aba-da-causa.blogspot.pt/2015/02/o-processo-dos-submarinos-questionario.html

sábado, 14 de fevereiro de 2015

Antologia do nonsense político


Agora falta um comentador de direita vir propor a Maria de Belém!

Adenda
Verifico, estupefacto, que esta provocação política do comentador socialista foi tomada a sério por outros comentadores como hipótese presidencial a ser considerada pelo PS, o que relevaria do mais desatinado oportunismo politico.

Vertigem grega (10)


Para quem acha que a dívida grega é insustentável e que a União Europeia e a Alemanha estão a esmifrar a Grécia é proveitoso ler este artigo sobre a "grande falácia grega". Para que não possam continuar a vender demagogia com base na ignorância.

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

Que governo?


Nesta sondagem hoje divulgada o PS consolida a sua clara vantagem sobre os partidos da coligação governamental, que não dão mostras de tirar partido dos fatores que em princípio os deveriam favorecer, como a atenuação da austeridade, o crescimento da procura privada, a retoma económica, a diminuição do desemprego.
Porém, com este resultado o PS ficaria longe da maioria absoluta, e nem sequer obteria maioria parlamentar numa coligação com o Livre e com o PRD. A questão da fórmula de governo mantém-se por isso em aberto.

Desigualdade (2)



E por que é que há de haver diferença entre o setor público e o setor privado? O PS também vai defender as 35 horas no setor privado?

Vertigem grega (9)

Só o desconhecimento pode justificar que pessoas normalmente sensatas possam alinhar com a mais grosseira demagogia quanto ao caso grego.
Por exemplo, qualificar a crise social, apesar de muito grave (desemprego, risco de pobreza, que em 2013 era o mais elevado da UE, etc.), como "crise humanitária" ou até  "catástrofe humanitária" (!) é na melhor das hipóteses uma hipérbole, que faz pouco das situações de fome generalizada e de maciça carência social em tantos países por esse mundo fora, a começar pelos vizinhos países do leste europeu e do médio oriente.
Em segundo lugar, e mais importante, é falso imputar as situações de privação social aguda  à troika e ao programa de ajustamento orçamental. Tal como em Portugal, os credores impuseram na Grécia a redução de pensões e de rendimentos. incluindo o salário mínimo (que mesmo assim ficou acima do nosso!) e do subsídio de desemprego. Mas não há nenhuma imposição da troika para privar as pessoas do rendimento mínimo ou do acesso aos cuidados de saúde. Isso resultou de políticas dos governos gregos, que preferiram deixar agravar a situação social, em vez de porem os ricos a pagar impostos (incluindo a Igreja ortodoxa e os armadores) e em vez de cumprirem o programa de privatizações acordado, que retirou ao orçamento centenas de milhões de euros.
Seguramente ninguém deixará de aplaudir as medidas que o novo governo grego venha a tomar para minorar a crise social, acudindo desde logo às situações críticas de pobreza e de privação de alojamento e de cuidados de saúde. Mas para isso não precisa de renegar os compromissos que o País assumiu para receber a assistência financeira que livrou a Grécia da bancarrota e da saída do euro. Pelo contrario, quem tem a perder é a Grécia e a crise social grega...

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

Desigualdade


Sempre julguei que um dos valores fundamentais do Estado de direito é a igualdade de direitos e obrigações em situações idênticas  e que um dos valores essenciais da justiça no trabalho é o do salário igual para trabalho igual
Durante muito tempo houve a iníqua situação de os funcionários públicos terem um tempo semanal de trabalho de 35 horas, enquanto o do setor privado era de 40 horas. Agora passa a haver distinção dentro do próprio setor público, entre o Estado e os municípios que adotam as 40 horas legais e aqueles municípios que pretendem regressar às 35 horas, sem redução de remuneração; ou seja, salário igual para trabalho (muito) desigual.