terça-feira, 3 de março de 2015

Mais obrigações (2)

Ao contrário do que foi dito publicamente por alguns, a prescrição não extingue a obrigação para o devedor, apenas a torna não exigível pelo credor. Como é evidente, um governante não pode invocar a prescrição de obrigações públicas. Seria um escândalo.
O primeiro-ministro cometeu uma falta grave ao não pagar imediatamente a dívida logo que teve conhecimento dela, fazendo-se esquecido e só efetuando o pagamento anos depois, quando foi confrontado por um jornal com a questão. É claro que por si nunca pagaria a dívida! Uma falta dessa gravidade não pode passar politicamente impune.

Adenda
Ao contrário do que se defende aqui, o incumprimento de obrigações públicas não integra a "esfera da vida privada" e a falta de pagamento da dívida das contribuições em atraso por Passos Coelho a partir de 2012, quando teve conhecimento dela, já ocorreu com ele como primeiro-ministro. Por isso, a responsabilidade política é incontornável.

Adenda 2
A defesa de Passos Coelho no encerramento das jornadas parlamentares do PSD, dizendo que ao contrário de outros não utiliza o cargo para enriquecer (insinuando que outros, não nomeados, o terão feito) não foi feito com a cabeça mais sim com as vísceras e o que revela da falta de escrúpulos políticos do primeiro-ministro não é bom de ver.

segunda-feira, 2 de março de 2015

Mais obrigações

1. A falha de Passos Coelho na questão das contribuições para a segurança social é grave não pode ser politicamente desvalorizada, muito menos desculpada.
Primeiro, não é aceitável a desculpa de não se ter dado conta do incumprimento da obrigação. Um político e deputado como ele não pode invocar desconhecimento nem esquecimento de uma obrigação que ninguém ignora.
Segundo, depois de ter sido detetada a falta, entretanto legalmente prescrita, Passos Coelho, já como primeiro-ministro, absteve-se de cumprir o dever moral e republicano de saldar imediatamente a dívida, só o tendo feito quando o assunto estava na iminência de vir ao conhecimento público.

2. Os titulares de cargos políticos têm uma obrigação reforçada de cumprir zelosamente as obrigações tributárias, especialmente no caso das contribuições para a segurança social (que são contrapartida dos correspondentes benefícios), e de se apressarem a corrigir as falhas logo que detetadas. Vários ministros perderam outrora o lugar por falhas fiscais (ou por simples suspeita delas).
Costumo dizer que os membros do Governo deveriam fazer prova antecipada de terem cumprido todas as obrigações tributárias antes de tomarem posse e que o único modo de o fazerem é disponibilizarem o acesso aos seus registos fiscais e da segurança social.
Cada vez mais, a transparência tributária e financeira vai-se tornar um ónus dos titulares de cargos políticos. Um primeiro-ministro não devia poder invocar o sigilo tributário.

domingo, 1 de março de 2015

Assim vai este país


De visita a Santarém, este sábado de manhã, começo por dirigir-me ao posto municipal de turismo: fechado aos sábados e domingos! O mesmo sucede com os principais monumentos da cidade, sucessivamente: Igreja do Seminário, fechada; Convento de São Francisco, fechado, Igreja da Graça, fechada; igreja de S. João de Alporão, fechada. Tenho de contentar-me com o aspeto exterior dos monumentos e com a vista das Portas do Sol sobre o Tejo e os campos ribeirinhos (na imagem).
Fico a pensar que há cidades que não querem ser visitadas.

"Radicalização do centro"

Tenho ouvido recorrentemente a tese de que, com a austeridade e a crise social que ela criou, o centro político se radicalizou à esquerda, pelo que a esquerda governante tradicional, representada pelos partidos socialistas, deve acompanhar essa deslocação, sob pena de perder espaço para os partidos da esquerda radical (os antigos ou os novos).
Parecendo que essa tese é confirmada pelos factos políticos na Grécia e em Espanha (onde os partidos socialistas são considerados corresponsáveis pelas políticas de austeridade), tal parece não ser, porém, o caso entre nós, onde o PS esteve na oposição durante todo o "programa de ajustamento". Apesar do aparecimento de novos partidos à esquerda do PS, aumentando a fragmentação da esquerda política, as sondagens eleitorais não revelam nenhuma subida substancial desses partidos no seu conjunto.
E, sendo assim, uma eventual tentação do PS para seguir a alegada "radicalização política" corre o risco de alienar esse mesmo centro, o qual, dados os custos sociais do "ajustamento" orçamental e económico, pode estar mais recetivo a uma alternativa governativa de esquerda moderada, mas que continua a ser, como sempre foi, hostil ao radicalismo político. O previsível insucesso governativo do Syriza, cuja vitória tanto entusiasmou a esquerda radical europeia, pode ser uma bom teste político.

Dor de cabeça


Se os resultados das eleições legislativas deste ano correspondessem a esta previsão (sondagem publicada pelo Expresso), a próxima equação governativa seria uma dor de cabeça.
Além de revelar que a direita coligada pode ainda disputar o resultado final e que a fragmentação partidária à esquerda do PS só ajuda à direita, a sondagem mostra que continua a não existir uma dinâmica para uma maioria absoluta do PS (muito menos da coligação de direita).
Ora, por um lado, excluindo o PCP e o BE, que se excluem de qualquer solução governativa compatível com a UE, não há margem para uma coligação maioritária do PS com os novos partidos.
Por outro lado, o facto de o PSD e o CDS irem em coligação às eleições dificulta alianças governativas com o PS. Se este ganhar, não quererá entrar num menage à trois com ambos, o que exigiria a dissolução da coligação. Se o PS perder, muito menos estará disponível para ser "pau de cabeleira" de um governo a três, sobretudo se a aritmética eleitoral mostrar que, descontado o efeito da coligação à direita, o PS terá sido o partido mais votado.
O atual Presidente da República, que ainda presidirá à formação do próximo governo, já disse que o este tem de ter apoio parlamentar maioritário, para assegurar a governabilidade e a estabilidade governativa. Porém, se o quadro parlamentar pós-eleitoral fosse este, isso não se afigura fácil.

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

O dinheiro vem do céu

Há umas décadas o PCP animou a campanha do "não pagamos" contra o aumento de propinas no ensino superior (tal como animou mais recentemente a luta contra as portagens nas SCUT). Perdida essa batalha, regressa agora com a proposta de suprimir as propinas.
No entanto, o  PCP continua a não explicar duas coisas; (i) de onde é que viria o dinheiro para manter e desenvolver as universidades e politécnicos, que entretanto aumentaram em número e em custos; (ii) que justiça social é que há em facultar ensino universitário gratuito a quem o pode pagar (e que antes de mais proporciona vantagens a quem obtém um grau académico) e fazê-lo pagar pelos impostos de muitos que não tem nenhuma possibilidade de o terem.

Adenda
Tal como outrora, continuo a defender o aumento da propinas no ensino universitário (embora não no ensino politécnico), por várias razões: (i) porque as atuais propinas não pagam senão uma pequena fração dos custos do ensino superior; (ii) para permitir aliviar a carga fiscal geral; (iii) para permitir dedicar mais recursos ao financiamento de bolsas de estudo para quem não tem meios próprios para custear o ensino superior; (iv) para aumentar os recursos próprios das universidades, que é condição da sua autonomia; (v) por uma questão de justiça social (os que não podem frequentar o ensino superior, por razões económicas ou outras, não devem ser chamados a subsidiar os que o podem fazer e que podem pagar).

Não dá para perceber...

... o aranzel criado dentro e fora do PS pela alegada gaffe de António Costa num discurso à comunidade chinesa residente no país.
Por um lado, seria uma irresponsabilidade política não admitir que "o país está diferente", para melhor, em termos económicos e financeiros, em consequência do programa de assistência externa (incluindo com a contribuição do investimento estrangeiro chinês); por outro lado, reconhecer isso em nada coonesta os enormes custos sociais para o País do programa de ajustamento, tal como executado pelo Governo (mais pobreza, mais desigualdade, mais desemprego. mais emigração).

Adenda
É de lamentar a saída de Alfredo Barroso por causa disto. Mas, na verdade, a decisão não surpreende, pois era notória há muito a sua desafeição em relação ao PS e a sua aproximação ao BE. Por experiência própria (há muitos anos...),  penso que quando saem de um partido onde militaram muitos anos as pessoas não o fazem de ânimo leve, nem "de cabeça quente"; há muito encaravam essa possibilidade, só precisando de uma boa oportunidade para a concretizar...

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

E os mexilhões pagaram mesmo uma pesada fatura

O Relatório da Comissão Europeia sobre Portugal hoje publicado é particularmente crítico sobre o impacto social negativo da recessão e do programa de ajustamento tal como aplicado pelo Governo Português, nomeadamente sobre os cortes nas prestações sociais. Tal como eu próprio referi aqui, o fundamentalismo governamental levou ao enfraquecimento da rede de proteção social dos mais vulneráveis, reduzindo a capacidade de contrariar a crise social.
O Governo insiste em sublinhar o sucesso do programa de resgate quanto aos seus objetivos diretos (regresso aos mercados da dívida pública, redução do défice orçamental e do défice comercial externo, fim da recessão, etc.), aliás com resultados tardios e incompletos em muitos aspetos como a Comissão sublinha neste relatório. Mas o que está em causa é saber se os mesmos resultados não poderiam ter sido alcançados com menores custos, desde logo quanto à profundidade da crise social, se o Governo não tivesse optado à cabeça por ir "além da troika" em matéria de austeridade e por não poupar nos cortes das prestações sociais básicas (rendimento social de inserção, subsídio de desemprego, prestações familiares, etc.).
É essa responsabilidade política que está por apurar. O Governo não pode levar a mérito seu o que correu bem e "chutar" para troika os custos sociais da austeridade orçamental. Esta não justifica tudo, muito menos as opções que cabiam na discricionariedade política do Governo quanto à sua implementação.

Adenda
O Tribunal Constitucional acaba de declarar inconstitucional (e bem) uma norma deste Governo, de 2012, que retirava o rendimento mínimo aos portugueses que morassem em Portugal há menos de um ano. Já em 2003, o então governo Durão Barroso tentara retirar o direito ao RMG aos jovens com menos de 21 anos. Decididamente, a direita não gosta do RMG (contra o qual votou em 1996, quando ele foi criado pelo Governo PS), que é uma espécie de rede de última instância contra a pobreza.

União


Esta sondagem de opinião revela uma clara subida do apoio à permanência do Reino Unido na UE, à medida que a recessão fica para trás e a situação económica britânica e na UE em geral melhora.
É de esperar, aliás, que, pelos mesmos motivos, o sentimento de confiança na União suba na generalidade dos Estados-membros, com perda de apoio político dos partidos e movimentos eurocéticos, à esquerda e à direita, tal como sucede com o UKIP britânico.

A exceção francesa

A França encontra-se entre os países advertidos pela Comissão Europeia por causa do seu défice orçamental excessivo. Mas o caso francês é muito mais grave do que os outros. A França já tinha beneficiado de um adiamento de dois anos para cumprir a limite de 3% no défice orçamental. Ora, a Comissão vai dar-lhe mais dois anos, até 2017, e prescinde de desencadear os mecanismos de sanção da França por incumprimento das regras orçamentais da União!
A "exceção francesa" torna-se mais grave por dois motivos: por o Comissário responsável ser francês e por a UE ter adotado recentemente uma posição firme face à tentativa grega de furar as regras da assistência financeira. Ora, não pode haver filhos e enteados nesta matéria. A imunidade francesa não é aceitável. 
Se se consente um tratamento especial para a França, como é que se pode exigir o cumprimento das regras aos demais países?

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

Agravamento da crise na Venezuela

"O assassinato de mais um jovem manifestante e a detenção violenta, sem mandado judicial e em violação da Constituição, de Antonio Ledezma, duas vezes eleito Presidente da Câmara de Caracas, são preocupantes desenvolvimentos que só vão radicalizar tensões no povo venezuelano, já exasperado pela escassez de bens essenciais, a corrupção, a precariedade e o desrespeito sistemático pela liberdade de expressão e outros direitos humanos básicos.

Não basta ter a maioria em eleições para viver em democracia - é preciso respeitar a oposição e as regras do Estado de direito. 

Por isso exigimos a imediata libertação de António Ledezma e de Leopoldo Lopez, de outros opositores e de estudantes presos e pedimos ao Presidente Maduro que não enterre mais a Venezuela numa espiral conspirativa e repressiva, antes explore a via do diálogo nacional pacífico proposta no "Apelo aos venezuelanos para um acordo de transição nacional" que congrega alargado apoio na sociedade.

Este Parlamento deve quanto antes enviar à Venezuela uma missão para contactar os principais actores políticos,medo governo, oposição e sociedade civil e encorajar uma solução democrática e inclusiva, mantendo o calendário eleitoral."

 

(Minha intervenção no debate esta noite no plenário do Parlamento Europeu sobre a situação na Venezuela)

Mercado único da energia na UE


Eis o cabeçalho da minha coluna semanal de hoje no Diário Económico.
A anunciada Comunicação da Comissão sobre o tema acaba de ser publicada hoje mesmo.

Ficção

1. A ideia que o BE  veiculou em Portugal (com o apoio de alguns inesperados "compagnons de route" ocasionais...), segundo a qual a disputa a propósito da crise grega consistiu numa luta entre a Grécia e a Alemanha e entre a esquerda e a direita é uma óbvia ficção.
Primeiro, o novo governo grego desafiou toda a União e viu-se contrariado por todos os demais Estados-membros, de norte a sul, de leste a oeste, grandes e pequenos, ricos e pobres (incluindo os mais pobres do que a Grécia ). Segundo, tratou-se de um confronto entre, de um lado, a esquerda radical do Syriza e, do outro, os governos de todas as demais orientações políticas, incluindo conservadores, liberais e social-democratas (contando nestes a França, a Itália, a Áustria, etc, sem esquecer o SPD alemão).

2. O que justificou essa unanimidade foi a ideia de que a União não podia consentir que um Estado-membro do euro se permitisse renegar unilateralmente as regras comummente acordadas e aceites e os compromissos livremente assumidos com as instituições.
Por mim, não tive dúvidas em alinhar com a posição comum da União e com a posição dos social-democratas europeus na defesa da "constituição" da zona euro. A incontinente animosidade dos syrizistas domésticos contra mim desvanece-me.
[revisto]

Adenda 1
Não tendo tergiversado sobre a questão de princípio, também defendi desde o início a concessão de alguma margem de manobra para a Grécia, nomeadamente para atenuar a crise social, por exemplo aqui e aqui.

Adenda 2
Quanto ao leitor que afirma que eu fiquei "praticamente isolado à esquerda", devo dizer que, para além de a afirmação me parecer exagerada, me habituei há muito a manter posições firmes contra correntes emocionais. Mas anoto mais uma vez que, se o BE tivesse nos eleitores a influência de que goza na imprensa e nas redes sociais, dava para ganhar eleições...

terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

Robins dos Bosques ao contrário

"O Governo prossegue o assalto fiscal às classes médias, enquanto perdoa grandes evasores fiscais. Agora finge ter ficado surpreendido com os "Swissleaks". Mas nunca agiu contra evasores fiscais no Liechenstein e na Suíça. 
...
Recordo que via  RERT III, de 2012, o Governo arrecadou apenas para os cofres do Estado a pífia quantia de 258 milhões de euros sobre 3.5 mil milhões legalizados! Grande parte parqueados na Suíça e apressadamente declarados, não fossem ser expostos na investigação judicial "Monte Branco"! Quanto mais teria reavido o erário público se, em vez de perdoar e proteger evasores fiscais, o Governo multasse pesadamente ou ordenasse o confisco dos activos não declarados pelos clientes identificados em listas como a do HSBC? Quando teria podido descer em impostos sobre reformados e classes médias? E quanto teria podido canalizar para saúde, educação e contra a pobreza?"

Extracto de artigo meu publicado no EXPRESSO de 21.2.2015, integralmente reproduzido na ABA DA CAUSA aqui: http://aba-da-causa.blogspot.be/2015/02/robins-dos-bosques-ao-contrario.html

Choque da realidade

Os nossos mais-syrisistas-do-que-o-Syriza, que ainda há duas semanas celebravam a rotura anunciada e o início da revolução libertadora em Atenas, viraram syrizistas revisionistas e estão agora afadigados na justificação do abandono de todas as grandes proclamações sobre a recusa da dívida, do resgate, da austeridade orçamental, das privatizações e de todos os males da troika.
Saúda-se o pragmatismo e a flexibilidade, que todavia têm um senão: é que doravante os syrizistas perdem qualquer legitimidade ou autoridade para acusar algum governo, passado ou futuro, de "trair" ou "esquecer" os seus compromisso eleitorais ou de ter enganado os eleitores com promessas fantasiosas que sabiam não poder cumprir. Serão imediata e justamente confrontados com um sonoro: "e o governo Syriza!?"

Vertigem grega (16)

1. A crise grega terminou a sua fase aguda da única forma que poderia terminar se a Grécia queria manter-se no euro, ou seja, com um pedido de prolongamento do resgate em vigor, com as correspondentes obrigações orçamentais (a "primeira lista" hoje aprovada não esgota as obrigações da Grécia) e o necessário controlo do trio de credores.
Em  troca a Grécia "ganhou" o que nunca perdera nem lhe podia ser retirado, ou seja, como aqui se defendeu, a possibilidade de adotar medidas de alívio da crise social que possam ser financiadas sem pôr em causa as metas de consolidação orçamental.
Resta ver se o governo Syriza cumpre, como se espera, os compromisso assumidos, sem o que não pode receber a fatia do financiamento remanescente do bail-out agora retomado e prolongado.

2. O problema é que o prolongamento da assistência externa dura somente mais quatro meses e logo depois a Grécia tem de amortizar dívidas de montante elevado. Considerando que a Grécia não obteve nenhuma concessão quanto à divida e que dificilmente conseguirá voltar logo ao mercado da dívida a juros razoáveis, vai ser provavelmente necessário negociar um novo acordo de assistência financeira, isto é um terceiro resgate, com as necessárias condições e controlo externo em matéria orçamental.
Ou seja, tendo começado por recusar todo e qualquer acordo de resgate, a começar pela desvinvulação unilateral do que estava em vigor, o governo Syriza pode acabar por ter de se submeter a dois...

Adenda
Para quem acha que eu exagero a dimensão do insucesso negocial do governo Syriza, ver esta visão de dentro do próprio.

O Governo fez de "idiota útil" contra a Grécia

Com a ministra das Finanças a pousar ao lado do Sr. Schäuble na semana passada, o Governo português fez de "idiota útil" da Alemanha contra a Grécia. Como todos os idiotas úteis, além de migalhas e louvores paternalistas, nada ganhou ou vai ganhar. Mas fez-nos perder, a todos nós portugueses, mais um pouco do que ainda não foi vendido ou cedido da dignidade nacional.
 
No inicio da semana, os sectores mais empedernidamente austeritários da direita europeia e os mais anti-Euro centros económicos  e geo-políticos mundiais salivavam por que o Eurogrupo produzisse aquilo que a se chama de Grexit: a saída da Grécia do euro. 

Quem chamou à pedra os bombeiros pirómanos do Conselho Europeu e do Eurogrupo foi Mario Draghi, do Banco Central Europeu: um incumprimento grego estava à vista, se não extinguissem imediatamente o fogo Grexit toda a zona Euro se incendiaria: e as consequências não se confinariam a peões de brega como Portugal, ameaçavam a derrocada do Euro, com repercussões geo-estratégicas numa Europa com guerra na Ucrânia e terrorismo por todo o lado, com focos irradiadores da Síria à Libia aqui tão perto...

A czarina reinante nesta Europa alemã ouviu e mandou subitamente travar o seuavançado  Schäuble, deixando pendurados aprendizes salivantes como a ministra Maria Luis, obrigada depois a tentar compor as vestes, declarando não ter exigido mudar nem uma vírgula no texto do acordo da Grécia com o Eurogrupo: não muda os relatos difundidos em Bruxelas e por toda a imprensa europeia e mundial que a retratam a instigar "esfola", onde Schäuble  sugeria "mata". Além de exibir velhaquice de quem não teve, não tem, a ombridade de dizer na cara dos gregos o que antes espicaçou nos alemães.

Enfim, o acordo lá se fez no Eurogrupo: a Grécia, a União Europeia e até os sacrossantos mercados respiraram de alívio. A semântica contou, como conta sempre em negociações europeias e o governo grego levou para casa um compromisso que não corresponde, como não podia corresponder, ás exigências de que partiu, mas obriga os fundamentalistas da austeridade a ter de admitir que, afinal, há alternativa.  

Isso mesmo induziu também a confissão de Jean Claude Juncker sobre os pecados da Troika humilhando povos como o grego e o nosso, o que muito amofinou o Primeiro Ministro Passos Coelho  - como ele dirá, "lixa-lhe as eleições", a narrativa eleitoralista... É como a realidade que os portugueses conhecem: cumprindo o programa austeritário no modo mais troikista do que a Troika, nem assim as reformas e os objectivos previstos foram alcançados: ainda ontem se soube que a famigerada dívida pública continuou a aumentar em 2014 e que aumentou também o crédito mal parado às empresas e famílias.

Mas a direita portuguesa odeia a realidade por preconceito ideológico: entrega-se agora ao afã negacionista de qualquer ganho de causa grego no Eurogrupo, tão absurdo como a arrogância com que desde início maldisse a audácia negocial de Atenas.

Se mais razões não houvesse, devíamos estar gratos à Grécia e aos gregos pelo assomo de dignidade e pela determinação com que estão a obrigar a Europa a mudar, incluindo a Alemanha, onde finalmente se iniciou um debate interno sobre o impacto das suas imposições na União. 

E devemos  pedir desculpa à Grécia e aos gregos pela vergonhosa  posição assumida por um Governo que  não representa o sentir solidário, nem os interesses, do povo português. Porque, em vez de ter direito a exigir "reparações", como inefavelmente  avançou o ministro Machete, este Governo deu uma machetada na legitimidade para reclamar quaisquer ganhos que a Grécia venha a lograr.

(Transcrição da minha crónica hoje no Conselho Superior, ANTENA 1)

Finança internacional


O escândalo da filial suíça do HSBC (aqui um take do Expresso) não confirma somente a total falta de escrúpulos da finança internacional; mostra também que um mercado financeiro globalizado, com operadores que escolhem as jurisdições mais favoráveis (e nem sequer precisam de ser paraísos fiscais), não pode ser efetivamente regulado ao nível nacional mas somente ao nível global.
É necessário um mecanismo de regulação e supervisão internacional que proporcione mais transparência aos movimentos de capitais e defenda os Estados contra a maciça fuga aos impostos.

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

A internacional bolivariana

Em geral assaz nacionalista (como é evidente no caso do Syriza), a nova esquerda radical europeia não se dá a grandes arroubos internacionalistas. Mas é inegável a sua simpatia pelos governos "bolivarianos" da América Latina, em especial com a própria Venezuela, berço do "bolivarismo", com o presidente Hugo Chávez. Esse patrocínio leva-a a coonestar a crescente repressão das liberdades políticas e da oposição na Venezuela de Maduro, que se agravam à medida que a crise económica e social lança o País no descalabro.
A mais conspícua manifestação dessa cumplicidade ocorreu há alguma semanas no Parlamento Europeu, com a rejeição pelos deputados do GUE de uma moção que condenava essas violações, nomeadamente a detenção ilegal do presidente do município de Caracas. Convém lembrar que a "Esquerda Unida Europeia" junta os partidos comunistas e os da esquerda radical, incluindo o Bloco de Esquerda, o Podemos, o Syriza, etc.
Por conseguinte, o programa do Syriza não é somente incompatível com as regras da união monetária europeia e com a política de comércio externo da União mas também com a política externa da União em matéria de democracia e liberdades políticas. E a solidariedade internacional da esquerda radical europeia não tem a ver somente com a luta do Syriza pela "soberania económica" da Grécia.
Há solidariedades que comprometem.

Vertigem grega (15)

1. É evidente que a Grécia sofreu uma austeridade e uma recessão mais longa e mais profunda do que a portuguesa, desde logo porque a sua situação de partida era muito mais grave e depois porque a resistência social à austeridade e a instabilidade política prejudicaram a execução dos programas de resgate.
O que se tende a esquecer, apesar de ser igualmente evidente, é que apesar dessas dificuldades, os resultados já começaram a aparecer. No ano passado o défice orçamental já ficou abaixo dos 3% (melhor do que Portugal); a economia já cresceu e o desemprego começou a ceder, embora marginalmente; e os juros da dívida já tinham baixado o suficiente para que a Grécia pudesse aventura-se no mercado. O único ponto resistente continuava a ser o das exportações, não tendo a Grécia conseguido suprimir o seu défice de competitividade (que não depende somente dos preços internos).

2. Por isso, tendo já passado a fase aguda da austeridade, a questão da Grécia não consistia em adotar mais medidas de austeridade, mas sim em não desfazer o que foi feito (como o Syriza aventureiramente propunha) enquanto a economia e as finanças gregas não estiverem definitivamente a salvo. A Grécia corre o risco de morrer na praia, perdendo ingloriamente todos os sacrifícios destes cinco anos e desaproveitando a retoma económica iniciada.
O que falta na Grécia é concretizar as reformas estruturais que mal foram iniciadas, nomeadamente a racionalização do aparelho administrativo, a criação de uma verdadeira administração fiscal, a conclusão do programa de privatizações e a introdução de mais concorrência na economia.

3. Entretanto, desde a vitória do Syriza a situação orçamental e económica grega deteriorou-se claramente. As previsões de crescimento e de redução do défice orçamental já não devem ser alcançadas. Por isso, enquanto o anterior governo grego estava a negociar a saída do programa de resgate (que seria substituído por uma "linha cautelar"), agora já se fala na eventual necessidade de um terceiro resgate, prolongando a tutela financeira externa.
Desgraçadamente, os gregos podem ter perdido muito com a troca.

Mais "syrizistas" do que o Syriza

Enquanto o governo Syriza teve o pragmatismo suficiente para pôr de lado a ideologia (pelo menos por agora) a fim de evitar o iminente colapso do sistema bancário grego e ganhar tempo para preparar uma eventual saída "ordenada" do euro, muitos dos nossos "syrizistas" domésticos, a julgar pelas suas posições públicas, iriam até ao fim, precipitando à cabeça a crise salvífica que anteveem como inevitável e desejável.

domingo, 22 de fevereiro de 2015

Declaração de princípios

Sempre combati a esquerda radical (vulgo "esquerdismo"); e fui progressivamente abominando o populismo e o nacionalismo político. O Syriza é um casamento tóxico dessas duas perspetivas políticas (mesmo que agora se declare europeísta por conveniência).
Não me peçam, portanto, nem complacência nem silêncio. Penso, aliás, que a esquerda social-democrata vai pagar um custo elevado pelo namoro oportunista (aliás não retribuído...) com o Syriza e os seus avatares noutros países.

Adenda
Discuto e combato ideias e posições políticas, não ataco, nem insulto nem desqualifico pessoas. O contrário não é verdade, mas perdem tempo. Não lhes dou troco. Além de uma posição deontológica é também uma questão de ecologia pessoal...
[revisto]

Vertigem grega (14)

Nos termos do acordo feito com a UE há dois dias, o Governo grego vai ter de retomar e completar, sob supervisão da UE e do FMI, o programa de resgate que tentou renegar (incluindo a suspensão de algumas medidas já anunciadas) como condição de receção da fatia remanescente do empréstimo correspondente. É um profundo golpe no programa eleitoral do Syriza, por mais que a propaganda governamental tente dourar a pílula.
Mas o Governo grego pode aproveitar a oportunidade e o impulso político da UE para realizar as reformas de que o País carece e que continuam em grande parte por realizar: corte nos privilégios da elite política e económica, incluindo os da igreja ortodoxa (cujas salários e pensões são pagos pelo Estado!), reforma e racionalização da administração, criação de uma eficaz máquina fiscal e alargamento da base fiscal, liberalização da economia (ainda há preços tabelados no mercado de bens e serviços).
A realização dessas reformas não trará alívio imediato na austeridade orçamental a que o País está obrigado; mas criará as condições necessárias para um melhor desempenho económico, que só ele permitirá a geração de emprego e a realização sustentada dos excedentes orçamentais de que o País vai precisar para reduzir a dívida e para se manter no euro.
Amanhã veremos se a lista de reformas que Atenas vai transmitir aos demais governos da zona euro corresponde a um propósito de engagement leal e construtivo com a UE ou se se traduz na manutenção do clima de guerrilha e de confrontação que até agora têm pautado a conduta do Governo Syriza.

Adenda
É verdadeiramente patética a tentativa do governo Syriza e seus apoiantes para tresler o acordo com a UE e ver nele "uma batalha ganha" por aquele. Ver esta explicação em português entendível por toda a gente. Parece que outros comentadores leram uma versão diferente, provavelmente em grego...

sábado, 21 de fevereiro de 2015

Incompetência

Precisei de renovar a carta de condução, o que requeri com grande antecedência em relação ao prazo de caducidade. Passados cinco meses, ainda não tenho o novo documento, nem explicação pelo atraso. Tratando-se de renovação de um documento de base eletrónica, esta demora é absolutamente inaceitável. Aliás, encontrei pessoas que estão à espera há um ano!
Há alguns anos houve um Governo que procurou e conseguiu colocar-nos na vanguarda internacional da administração electrónica em muitos aspetos (cartão de cidadão, documento único automóvel, empresa na hora, etc.).
Pelos vistos, foi exemplo sem continuidade...

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Vertigem grega (13)

1. E pronto, bastaram duas semanas para os próprios cidadãos gregos rebentarem o balão das grandes proclamações do Governo Syriza. Na iminência do colapso do sistema bancário, por causa dos maciços levantamentos de depósitos, o novo Governo grego teve de abandonar todos os seus objetivos "antiausteritários": nem corte na dívida, nem fim da austeridade orçamental, nem reversão das medidas tomadas, nem novo empréstimo à margem do programa de resgate em vigor (que o Syriza tinha declarado morto e sepultado), nem fim da supervisão da troika (que só perde o nome).
Em troca, além de salvar os bancos do colapso (que vão retomar o financiamento do BCE) e de receber a fatia que faltava do empréstimo ao abrigo do programa de assistência em vigor (desde que cumpra as obrigações em falta), o Governo grego obtém autorização para tomar medidas de atenuação da crise social (o que é bem-vindo) e uma eventual revisão do excedente orçamental primário previsto para este ano, se uma evolução económica menos positiva do que o previsto o justificar.

2. Tudo bem quando acaba bem? Nem tudo. Por um lado, as eleições e a vitória do Syriza afetaram negativamente a economia e a cobrança de impostos, agravando a situação económica e orçamental; por outro lado, tudo agora depende da capacidade do Governo grego para cumprir e fazer cumprir de boa fé o acordo que a contre-coeur celebrou com a UE (a começar pela lista de compromissos a entregar na próxima segunda-feira).
Acima de tudo, porém, prevaleceram os princípios e as regras da zona euro, bem como o respeito pelos compromissos tomados, sobre o voluntarismo ideológico, a irresponsabilidade política e a má fé negocial da esquerda radical.

Adenda (1)
Um nota humilhante para a Grécia (que traduz a falta de confiança de Bruxelas em Atenas) é o facto de os 11 000 milhões de euros que tinham sido emprestados à Grécia para eventual recapitalização dos bancos gregos, e que o Governo Syriza queria desviar para outros fins, vão voltar à UE, ficando confiados à guarda do ECB, não vá o diabo tecê-las...

Adenda (2)
«Um país não pode pedir apoio e formular as condições» (Dijsselbloem). Nem mais!

Lei de bronze?

Numa artigo hoje publicado no Diário Económico Vítor Bento vem corrigir as interpretações erróneas do seu artigo há dias publicado no Observador, que foi visto como uma crítica do programa de austeridade orçamental.
O que VB continua sem explicar é se considera que a divisão entre "países excedentários" e "países deficitários" é uma condenação inerente à zona euro (união monetária sem união económica, orçamental e fiscal), sendo uma espécie de "lei de bronze", ou se ela poderia ter sido corrigida, ou pelo menos atenuada, por políticas apropriadas nos países deficitários, de contenção na despesa pública, de aposta na educação e na qualificação profissional, de flexibilização das relações laborais e moderação salarial, de investimento na competitividade e na internacionalização, de atração de investimento estrangeiro, etc..
Quando penso que, com a entrada no euro não aproveitámos a bênção da enorme queda dos juros para custear as necessárias reformas mas sim para uma orgia de endividamento das pessoas, das empresas e do Estado (incluindo autoestradas gratuitas, bonificação do crédito à compra de habitação e compra de submarinos dispensáveis), é de perguntar se isso era inevitável ou se não fizemos muito para ficarmos na liga dos países deficitários.

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

Um escândalo


Eu junto-me a este justo protesto contra este escandaloso monopólio partidário do espaço público.

Adenda
Não colhe o argumento de que as televisões privadas são livres na sua programação (o que aliás também se aplica à RTP). Sucede porém que, ao contrário dos jornais, não há liberdade de criação de estações privadas de televisão de sinal aberto, que usam o espaço radioelétrico público e dependem de licença do Estado e que por isso devem estar sujeitas a uma obrigação de pluralismo político-ideológico interno.

Vertigem grega (12)

1. Desde o início considerei como aventureirismo irresponsável, para não dizer uma grosseira provocação política, a posição do Governo Syriza de renegar unilateralmente o acordo de assistência financeira de que o País beneficiava (e de prescindir do financiamento a que ainda tinha direito), em vez de negociar os termos e as condições do seu prolongamento.
Como a sua proposta de obter um empréstimo "intercalar" à margem de qualquer programa não tem nenhum cabimento nas normas da assistência financeira da UE nem é obviamente aceitável para os restantes membros da zona euro, a Grécia arrisca-se a ficar sem rede, à beira do abismo financeiro. Neste momento tem poucas horas para recuar.

2. Ao contrário do que é pressuposto pelo coro internacional de fãs do Syriza, a Grécia não foi objeto de nenhuma ilícita intervenção externa da troika. Foi a Grécia (tal como a Irlanda e Portugal) que pediu a assistência financeira, tendo contratualizado com os credores os respetivos termos e condições.
Em vez de tentar renegociar o acordo, beneficiando da "flexibilidade" oferecida pelo eurogrupo, o novo Governo insistiu em renegá-lo unilateralmente e em revogar internamente os respetivos compromissos. Mas tem de aceitar as consequências da sua irresponsabilidade na quebra contratual e prescindir da assistência externa que o acordo titulava. O que não pode é exigir que continuem a emprestar-lhe dinheiro sem condições e à margem de qualquer acordo e depois acusar de "antidemocrática" a natural recusa (aliás unânime) dos parceiros. Ninguém goza de um poder potestativo de impor unilateralmente obrigações aos outros, sobretudo quando se depende deles.

Adenda
Entretanto, a situação financeira da banca e das finanças gregas agrava-se dia a dia, com a fuga de depósitos dos bancos e a quebra no pagamento de impostos. A Grécia arrisca um colapso financeiro a curto prazo, não por culpa externa mas sim por causa dos próprios cidadãos gregos, que depois de elegerem o Syrisa lhe tiram o tapete debaixo dos pés. O Governo grego tem até amanhã para parar a hemorragia acordando a extensão (e eventual amenização) do programa de resgate.

Adenda 2
Sendo já conhecida a carta enviada pelo Governo Grego ao Eurogrupo, é evidente que a Grécia pede a extensão do acordo de empréstimo mas não do Memorando de entendimento que contém o programa de assistência e as respetivas condições. Parece óbvio que o pedido não pode ser aceito nesses termos.

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

Um pouco mais de rigor sff

No seu artigo de hoje no Público, André Freire refere-se aos membros da corrente mais liberal do PS como "socialistas de direita".
Mesmo usada entre aspas, a expressão -- que é tudo menos politicamente inocente -- encerra uma evidente contradição nos termos. No PS, que é um partido de esquerda, não há "socialistas de direita" e de esquerda; há sim socialistas mais ou menos à esquerda, numa diversidade assumida e respeitada que sempre caraterizou o partido e tem sido fator da sua capacidade de congregar um apoio político e eleitoral sociologicamente transversal e abrangente, como convém a um partido de vocação governante. Só os "partidos de protesto" se podem dar ao luxo de ser monolíticos.

Acordo UE-Canadá de comércio e investimento


Este é o cabeçalho da minha coluna semanal de hoje no Diário Económico.