segunda-feira, 13 de julho de 2015

O preço (2)

Só a irresponsabilidade política e a falta de seriedade negocial do Governo Syriza é que podem justificar que os credores tenham exigido a aprovação prévia de legislação em Atenas para só depois fechar o acordo, bem como a constituição de um fundo independente de ativos de privatizações para, entre outras coisas, recapitalizar os bancos gregos. Nenhum outro dos países sujeitos a assistência financeira, como a Irlanda ou Portugal, teve de se submeter a estas comprometedoras garantias preventivas.
A aventura syrizista vai custar aos gregos muitos milhares de milhões de euros a mais e uma perda adicional de nível de vida. Mas o preço maior é a perda de reputação e de credibilidade externa da Grécia. Vai demorar muito tempo a recuperar.

O preço

Em seis meses apenas o Governo Syriza paralisou as reformas que começavam a dar frutos e reverteu algumas delas, a economia entrou de novo em recessão, o investimento estrangeiro fugiu, as receitas públicas retrocederam e as contas reentraram em défice, milhares de milhões de euros fugiram dos bancos, entrou-se em emergência financeira com controlo de capitais e limitação de levantamentos, e por último a Grécia falhou um pagamento do FMI, o que nunca tinha sucedido com um país europeu.
Com isto tudo as necessidades de financiamento e de assistência financeira externa aumentaram exponencialmente. Ha seis meses, o Syriza prometia o fim da austeridade e a interrupção do programa de resgate então por concluir. Agora é obrigado a pedir um terceiro resgate, ficando intervencionado por mais três anos e sujeito a mais austeridade do que anteriormente.
Os gregos pagam muito caro a aventura do Syriza!

quinta-feira, 9 de julho de 2015

"Saída ordenada"


Eis o meu artigo de ontem no Diário Económico, sobre a provável saída da Grécia do euro.
Gostaria de sistematizar a questão:
1º - o referendo mostrou claramente a rejeição popular de mais austeridade orçamental, que obviamente vincula o Governo (que, aliás, assim o quis) - e isso muda tudo;
2º - mas um terceiro programa de assistência financeira da UE não pode prescindir de mais reformas e de mais medidas orçamentais, tanto mais que a situação económica e financeira da Grécia se agravou sob o governo do Syriza;
3º - portanto, um novo resgate só poderia ser feito ou desrespeitando o referendo, o que lhe retiraria qualquer legitimidade, ou dando um excecional tratamento de favor à Grécia, o que não se pode exigir à União, desde logo pelo "risco moral" envolvido;
4º - parece ser hoje incontornável que, tendo entrado no euro com as contas "marteladas", a Grécia nunca conviveu bem com as exigências da moeda única e que não há nenhuma certeza de que mais um resgate possa resolver esse défice de cumprimento;
5º- o que põe em causa a autoridade e a estabilidade da zona euro não é a saída de um país que não consegue cumprir as suas exigências mas sim a manutenção "forçada" de um elo fraco, à custa de esforços desproporcionados e sempre à espera da próxima crise;
6º - a própria União ganha em se libertar do espetro grego, que consome enorme capital político e financeiro e que gera demasiados conflitos e tensões, como têm mostrado os últimos meses;
7º - a União não pode forçar a Grécia a manter-se na moeda única nem a Grécia pode exigir permanecer sem cumprir as respetivas regras;
8º- em vez de insistir num casamento falhado, o melhor é mesmo encarar um divórcio por mútuo consentimento, mesmo devendo os gregos saber os pesados custos da sua saída do euro.

quarta-feira, 8 de julho de 2015

Maria Barroso (1925-2015)


A estatura moral, cívica e cultural, humanista e humanitária de Maria Barroso fica como marco na vida pública portuguesa ao longo de décadas, desde a sua intervenção na luta antifascista e na construção do Portugal democrático. A minha admiração pela sua personalidade forte e simultaneamente discreta nunca esmoreceu. Aqui fica a minha sentida homenagem.

terça-feira, 7 de julho de 2015

Um pouco mais de decência política sff

A referência de um dirigente do PSD à prisão de Sócrates como meio de ataque ao PS não augura nada de bom sobre a decência da próxima campanha eleitoral.
Por enquanto, mais de seis meses depois de ter sido preso, Sócrates continua acusado de nada, ao contrário de vários antigos ministros e dirigentes do PSD, uns acusados e outros condenados por tropelias várias. Sob pena de se poder suspeitar que o PSD torce para que Sócrates continue preso até à campanha eleitoral, um partido com as responsabilidades do PSD não pode cruzar essa linha vermelha da decência política que separa a justiça do combate político.
Pessoalmente, e face à falta de justificação credível para continuar preso sem culpa formada, Sócrates pode defender que só pode continuar preso por motivos políticos. Mas o PSD não pode deixar entender que ele tem razão, ao explorar politicamente a sua prisão...

segunda-feira, 6 de julho de 2015

Cacos

Depois de ter contribuído decisivamente para o fracasso das negociações para um acordo de assistência financeira, de ter deixado o país em estado de emergência financeira (bancos fechados, economia paralisada) e de ter provocado um referendo que formaliza a agonia económica e financeira do país e a provável saída do euro, Varufakis resolve sair.
Invoca que é persona non grata em Bruxelas e em Washington e que a sua saída pode facilitar as negociações. Mas, na verdade, o que ele faz é lavar as mãos do desastre anunciado que ajudou a provocar e da herança explosiva que deixou aos seus compatriotas. Quem vier que conserte os cacos!...

"Risco moral"

Há duas razões pelas quais o Governo grego não vai poder conseguir assistência financeira externa em condições mais favoráveis que as que estavam na mesa antes do referendo: (i) porque além da vontade dos eleitores gregos há a vontade dos eleitores de todos os outros membros da moeda comum, que não contam menos do que aqueles; (ii) porque, se a técnica do referendo nacional servisse para vergar a União, não tardaria que outros Governos (ou a própria Grécia outra vez) se sentissem tentados a utilizar a mesma chantagem plebiscitária para obter concessões especiais dos demais membros.
Nessa altura começariam a soar os sinos pela morte da União Europeia.

domingo, 5 de julho de 2015

O espetro grego (3)

Para a UE este abalo político é porventura mais profundo e mais difícil de superar do que o risco iminente de desmoronamento da moeda única há cinco anos, já então desencadeado pela Grécia. Desta vez, para além da falta de soluções à vista, há também o perigoso efeito deletério da confrontação e da desconfiança criada entre as instituições e o Governo grego, que a contundente vitória plebiscitária do Syriza só vai agravar.
Quando a crise do euro parecia solidamente ultrapassada e a moeda comum está a ser reforçada pela "união bancária" e pelos novos instrumentos de estabilização postos em prática pelo BCE, a UE vê-se de novo confrontada pelo espetro grego, A União vai ter de resolver rapidamente o dilema entre a tentação fácil de deixar cair a Grécia para fora da zona euro e o risco de abrir caminho a uma dinâmica que pode terminar com a saída grega da União e com uma imprevisível evolução política na Grécia e no mediterrâneo oriental.

O espetro grego (2)

A crise grega, que há cinco anos desencadeou a "crise da dívida soberana" na Europa e que desde então, passados dois resgates e um generoso perdão de dívida, continua a devastar a economia, a sociedade e a política grega e a atormentar a União Europeia, dá mostras de não estar satisfeita com os estragos causados e parece agora, depois do referendo, ainda mais longe de uma solução viável.
O resultado deste referendo pode bem ser um perigoso passo em frente no aprofundamento do sentimento de "cansaço grego" e de vertigem interna e externa para a saída da Grécia da moeda comum. Entre as agruras do presente sem fim à vista e o risco de um desastre mais à frente, uma grande maioria dos gregos preferiu o segundo.
Há momentos em que, tal como os marinheiros antigos, os povos só podem fugir de Sila naufragando em Caribdis.

O espetro grego (1)

Não há como negar: o referendo grego é uma enorme vitória do Syriza (e dos seu aliados da direita nacionalista e da extrema direita grega) e um enorme abalo para a UE.
Ao rejeitarem desta forma expressiva o acordo de assistência financeira que o Governo se tinha recusado a aceitar, os gregos também negam ao Governo qualquer flexibilidade para aceitar algo que se assemelhe ao que estava na mesa. Ora, sabendo-se que os referendo não vincula obviamente nem as instituições da União nem os demais Estados-membros e não sendo provável que a oferta de assistência financeira à Grécia possa ser significativamente modificada (até porque a tentação de referendos sobre a matéria pode surgir noutros países para bloquear qualquer solução julgada inaceitável), só pode esperar-se o pior, ou seja, a impossibilidade de um acordo de assistência financeira a curto prazo e a rápida degradação financeira, económica, social e política na Grécia.
Abyssus abyssum...

sábado, 4 de julho de 2015

O mal e a caramunha

Ontem o chefe do Governo grego foi citado como tendo dito o seguinte sobre o relatório do FMI:

Ora, o que o relatório diz é exatamente o contrário.
Primeiro, diz que se o programa de resgate de 2012 tivesse sido implementado, a Grécia não precisaria de nenhum "alívio" (reestruturação) na sua dívida:
If the program had been implemented as assumed, no further debt relief would have been needed under the agreed November 2012 framework.

Segundo, o relatório culpa diretamente o Governo Syriza da atual crise financeira no País e da necessidade de um terceiro resgate substancial:
However, very significant changes in policies and in the outlook since early this year have resulted in a substantial increase in financing needs. Altogether, under the package proposed by the institutions to the Greek authorities, these needs are projected to reach about €50 billion from October 2015 to end 2018, requiring new European money of at least €36 billion over the three-year period

Terceiro, o FMI acrescenta que se fossem tomadas as medidas recomendadas na última revisão do programa agora terminado, a dívida grega não se tornaria insustentável:
If the program were implemented as specified at the last review, debt servicing would have been within the recommended threshold of 15 percent of GDP on average during 2016–45 . This would require primary surpluses of 4+ percent of GDP per year and decisive and full implementation of structural reforms that delivers steady state growth of 2 percent per year (with the best productivity growth in the euro area) and privatization.

Já sabíamos da difícil relação de Tsipras com os factos. Mas a rotunda falsificação do relatório do FMI em proveito da sua agenda politica interna, mentindo descaradamente aos eleitores, ultrapassa todas as medidas. O Governo Syriza fez tudo para tornar a divida insustentável e agora invoca a insustentabilidade autoprovocada para reclamar a reestruturação da dúvida. Os contribuintes dos demais países da União que paguem os irresponsáveis desmandos do Syriza.

quarta-feira, 1 de julho de 2015

Opção grega


Texto da minha coluna semanal de hoje no Diário Económico.

Asfixia antidemocrática

O arbitrário afastamento de Augusto Santos Silva do comentário político da TVI24, uma das poucas vozes da área do PS com presença regular (aliás de grande qualidade) no comentário politico nas televisões, vem acentuar o monopólio da direita na comunicação social. Já era assim nos canais de sinal aberto. É cada vez mais assim nos canais de assinatura.
A poucos meses das eleições, o principal meio de difusão de ideias e argumentos políticos faz ostensiva campanha pela direita. Quando está em causa uma óbvia violação do mais elementar equilíbrio político e dos direitos da oposição, nem a autoridade reguladora nem o Presidente da República cuidam de emitir uma palavra em favor do pluralismo político nos media e do respeito pelas regras do debate democrático.

Lóbis

Texto da minha coluna hebdomadária da semana passada no Diário Económico.

terça-feira, 30 de junho de 2015

A crise na Grécia pode destruir a UE

"...Portugal e Grécia estão ligados por um cordão umbilical chamado União Económica e Monetária. Que, tal como está, não funciona. A emergência de dois controlos de capitais, dentro da zona €, em apenas dois anos, mostra-o. Em 2013 com Chipre, agora com a Grécia, fica demonstrado que a União Econónica e Monetária está incompleta e precisa de obras urgentes.
O relatório dos 5 presidentes - Presidente do Conselho Europeu, da Comissão Europeia,  do BCE, do Eurogrupo e do PE,  há dias publicado, aponta já nesse sentido. Estas obras implicam mudar os Tratados, se o euro sobreviver. E pode não sobreviver à crise da Grécia.
Esta não é só a mais grave crise de uma União Económica e Monetária disfuncional, onde se agravaram divergências macroeconómicas entre membros da moeda única, atolada em políticas erradas e arrasadoras dos seus valores, objectivos e do próprio potencial europeu. A Europa à beira de perder a Grécia é a mesma incapaz de se organizar para combater o terrorismo, guerras e outras ameaças à sua volta, de dar acolhimento a refugiados desesperados e a migrantes de que precisa e de proporcionar segurança, emprego, justiça, confiança e esperança aos seus cidadãos. 
Se a UE perder a Grécia, destrói o euro e a própria União. Realmente, destrói-se!"

(Extracto da minha crónica de hoje no Conselho Superior, ANTENA 1, que pode ser lida na íntegra aqui http://aba-da-causa.blogspot.be/2015/06/a-crise-da-grecia-pode-destruir-ue.html)

segunda-feira, 29 de junho de 2015

Suprema burla (3)

Tendo à vista uma pequena amostra das consequências da irresponsabilidade do Governo (bancos fechados, levantamentos limitados a 60 euros por dia, economia paralisada, etc.) seria muito estúpido da parte dos gregos seguirem a proposta do Governo no referendo e rejeitarem a assistência financeira externa, precipitando o País na senda da saída do euro. Os gregos têm nas mãos uma oportunidade de ouro de afirmarem que não querem o País fora do euro, cumprindo as respetivas regras, e de se livrarem do Governo do Syriza, que em má hora elegeram.
Só é pena que a ilusória aventura lhes tenha saído tão cara!

domingo, 28 de junho de 2015

Suprema burla (2)

Tal como foi desonesto politicamente desde o início, prometendo o que era obviamente impossível -- ou seja, pôr fim da austeridade orçamental sem perder a ajuda financeira externa e sem pôr em causa a permanência do euro --, o Syriza continua a ser desonesto com o plebiscito agora proposto, quer porque ele vai ter lugar já depois do fim do programa de ajustamento, quando já não já nenhuma proposta em cima da mesa, quer porque o Governo continua sem tornar claro aos cidadãos gregos que a rejeição da assistência externa torna impossível a permanência da Grécia no Euro, sendo isso que o Governo lhes propõe.

Adenda
O ordália financeira grega já começou. Só no sábado foram retirados mil milhões de euros dos bancos e no domingo deve ter sido ainda mais. O Governo acaba de decidir o encerramentos dos bancos por uma semana e a um limite de 60 euros por dia nos levantamentos das caixas automáticas. A bolsa também vai fechar pelo menos uma semana. O pior está para vir....

sábado, 27 de junho de 2015

Suprema burla

O governo do Syriza é uma burla política desde o início, ao propor o que sabia ser absolutamente impossível, ou seja, abandonar a disciplina orçamental e permanecer no euro. Mas a suprema burla estava guardada para o final, com a vigarice da convocação do referendo para depois de o programa de assistência ter acabado.
O governo Syriza proclama que quer dar ao povo grego a decisão, mas ela já foi tomada pelo Governo. Na próxima terça-feira a Grécia entra em default, os bancos deixam de ter liquidez e a catástrofe começa na Grécia.
Como adverti repetidamente desde o início, o Syriza ia ser o escorpião da incauta rã grega.

terça-feira, 23 de junho de 2015

Falemos de Direitos Humanos em Angola


"Eu preocupo-me com os portugueses em Angola: não quero mais ver, como vi em 74/75, compatriotas voltar em aflição, só com a roupa que tinham no corpo. Ora, quando chegar a hora da sucessão do actual Presidente, pode haver "maka" da grossa, vindo a sobrar para portugueses a jeito, com destaque para os vistos como coniventes. Por isso, convinha que Portugal atentasse e falasse. 
Não conto com este Governo ... Conto, sobretudo, com os portugueses com memória, com vergonha e com sentido de solidariedade para com o povo angolano.(...)
O aumento da repressão política e policial e do assédio judicial contra os angolanos em nada pode  servir os interesses de Portugal, das empresas portuguesas e dos milhares de portugueses a viver e trabalhar em Angola".

(Extracto da minha crónica de hoje no Conselho Superior, ANTENA 1, que pode ser lida integralmente aqui  http://aba-da-causa.blogspot.be/2015/06/angola-direitos-humanos-e-democracia.html )

terça-feira, 16 de junho de 2015

ENVC/Martifer - os ajustes directos do MDN...

"A Resolução do Conselho de Ministros publicada a 8 de Junho de 2015, adjudicando, sem procedimento concursal, a construção de dois NPO à West Sea/Martifer, surge no seguimento de um conjunto de decisões tomadas pelo actual Ministro da Defesa de claro favorecimento do Grupo privado Martifer. O Ministro da Defesa Nacional que cancelou os contratos de construção dos NPO para a Marinha portuguesa, celebrados com os ENVC em 2004, vem, agora, fazê-los renascer com benefício direto e incontestado, sem concurso público, para a WestSea/Martifer. Já não tem sequer a preocupação de salvaguardar a “propriedade do Estado” dos projectos e documentos de suporte da construção de navios de guerra - que a anterior Resolução do Conselho de Ministros 79/2012 sublinhava dever ser salvaguardada, pois a construção destes navios “exige um acompanhamento especial por razões essenciais de segurança”.
Esta é a razão  por que hoje mesmo voltei a escrever á Senhora Procuradora Geral da República e escrevi ao Presidente do  Tribunal de Contas e às Comissárias europeias da competitividade e da indústria e mercado interno, pedindo resposta a diversas perguntas".

(Se quiser saber quais e mais, leia o texto que reproduzi na íntegra das notas para a minha crónica no Conselho Superior, ANTENA 1 desta manhã. Na ABA DA CAUSA, aqui  http://aba-da-causa.blogspot.be/2015/06/martiferenvc-directos-do-mdn.html)

Boas noticias

Como se esperava, o Tribunal de Justiça da UE, decidindo uma "questão prejudicial" introduzida pelo Tribunal Constitucional Alemão, considerou que o programa anunciado em 2012 pelo Banco Central Europeu, de compra de obrigações de dívida pública dos Estados-membros no "mercado secundário", não é incompatível com o direito constitucional da União, visto que ele cabe dentro do mandato da Banco Central de definir a política monetária e de manter a estabilidade dos preços, não equivalendo a uma medida de política económica nem a um modo de financiamento direto dos Estados-membros.
Este acórdão vem validar a ousada iniciativa do BCE -- que foi decisiva para estabilizar a zona euro no auge da "crise das dívidas soberanas" -- e contribuir para a flexibilização dos seus poderes na condução da política monetária -- contra os "falcões"  alemães da ortodoxia monetarista --, o que é bem-vindo.

sexta-feira, 12 de junho de 2015

Um pouco mais de responsabilidade política sff

Como já disse noutra altura, também eu gostaria que a TAP se mantivesse sob controlo público. Mas quem tal defende deve estar preparado para duas coisas: (i) pagar com mais impostos (ou mais divida pública...) as muitas centenas de milhões de euros necessários para recapitalizar e viabilizar a empresa; (ii) aceitar o redimensionamento da TAP e o inerente despedimento coletivo que a UE inevitavelmente imporia como condição para aceitar a ajuda de Estado à empresa. Ou seja, gastar muito dinheiro público para manter uma TAP (muito) mais pequena e menos ambiciosa.

Adenda
É claro que é sempre possível reverter a privatização da TAP (ou renacionalizá-la) no futuro. Mas convém lembrar os custos da competente indemnização por responsabilidade contratual do Estado, que não seria de valor propriamente negligenciável.

Um pouco mais de rigor sff

«E por dez milhões vendeu-se a TAP» -- assim titula o Público o seu editorial sobre a privatização da TAP. Trata-se, porém, de uma óbvia caricatura, imprópria de jornalismo sério.
Primeiro, como a TAP tem um capital negativo de várias centenas de milhões de euros, os tais dez milhões ficam muito acima do seu valor líquido, pelo que ainda seria um bom negócio. Segundo, os compradores vão ter de injetar mais 354 milhões de euros no capital da TAP, que o Estado teria de fazer (à custa dos contribuintes) se quisesse viabilizar a empresa (e se a UE autorizasse).

quarta-feira, 10 de junho de 2015

Desporto e direitos humanos - Jogos Europeus em Baku

"Falávamos há pouco de corrupção e violações de direitos humanos na FIFA. Mas que sinal dão outros líderes desportivos europeus ao selecionar o Azerbaijão para receber os Jogos Europeus? fechando olhos à censura e à repressão e facultando ao Presidente Aliyev o que ele almeja: publicidade favorável e "respeitabilidade" - a que o dinheiro do petróleo pode comprar.

Enquanto se ultimam preparativos para os Jogos em Baku, as autoridades do Azerbaijão esfalfam-se a perseguir e deter jornalistas e defensores dos direitos humanos, proibindo-os igualmente de viajar e congelando os seus bens. Destaco os casos de Intigam Aliyev e Khadija Ismail por documentarem casos de presos políticos e corrupção no poder; Anar Mammadli, Bashir Suleymanli e Elnur Mammadov por monitorarem as eleições presidenciais em outubro de 2013; Leyla Yunus e seu marido, Arif, por criticarem o governo; e Rasul Jafarov por ter criado a organização "Desporto para Direitos". 

Ainda ontem, ominosamente, foi ordenado o encerramento do escritório da OSCE em Baku. E hoje a Amnistia Internacional foi impedida de entrar no país.

UE é parceiro fundamental para o Azerbaijão na energia, comércio e diálogo político. Mas é precisamente junto dos nossos parceiros que mais devemos promover os nossos valores. Os líderes da UE não devem participar na cerimónias de abertura dos Jogos Europeus de Baku".


(Minha intervenção no debate do PE hoje sobre os Jogos Europeus em Baku)

 

FIFA - Alta corrupção, branqueamento de capitais e violações dos direitos humanos


 

"Corrupção e lavagem de dinheiro no futebol e outros desportos não se limitam às linhas do campo e à prestação de jogadores e árbitros. Envolvem milhões associados a patrocínios, transferências de jogadores, direitos de transmissão, candidaturas a eventos desportivos, grandes construtoras e todas as federações desportivas do mundo. 

Clubes e eventos desportivos europeus vêm-se associando a governos corruptos e autocráticos, que assim lavam dinheiro e compram a sua promoção na esfera internacional, ignorando direitos humanos dos trabalhadores que constroem as infra-estruturas e os direitos inerentes a expropriações massivas para as construir. Tudo isto com a cumplicidade, por acção e omissão, do sistema financeiro e de governos europeus...

Valham-nos, por isso, o FBI e do Departamento de Justiça americano, que desmontaram algumas das teias de corrupção reinantes na FIFA - uma organização suíça há muito criticada pela falta de transparência e prestação de contas, isenta de supervisão  governamental, de escrutínio e de regras de diligência exígíveis nas grandes empresas.

 A UE tem de agir e exigir a reforma na FIFA, com a criação de um comité independente de reforma composto por personalidades não pagas pela FIFA ou associadas a ela, para que possam investigar e publicar recomendações concretas, incluindo a rigorosa aplicação da nova directiva contra o branqueamento de capitais. A reforma não pode vir da FIFA, que está descredibilizada. Parte da reforma tem de incluir transparência sobre gastos e despesas, incluindo códigos de conduta e mecanismos de escrutínio e sancionamento.

 Se se confirmarem as suspeitas de corrupção na selecção da Rússia e do Qatar para os Mundiais de 2018 e 2022, exigimos que os concursos sejam reabertos. A FIFA tem também de ser chamada a assumir responsabilidade por travar as violações dos direitos dos trabalhadores envolvidos na construção das infra-estruturas para aquelas competições."

 

(Intervenção que fiz esta tarde no debate do PE sobre o escândalo de corrupção na FIFA)

terça-feira, 9 de junho de 2015

O drama grego pode dar tragédia na Europa

(...)
Passos Coelho e Paulo Portas não perdem uma ocasião para mostrar a Grécia como ovelha ronhosa da Europa e para arrasar os gregos. Ainda neste fim de semana, a ministra das Finanças, a propósito (ou despropósito...) de um pagamento que Portugal irá antecipar ao FMI, voltou a atacar a Grécia, disparando : "enquanto nós antecipamos pagamentos,  outros adiam...". 
Para além da desumanidade de atacar um povo em dificuldades e da grosseria de atacar um parceiro de Portugal - na União Europeia e na NATO - o Governo português parece não entender que, caso os mercados financeiros voltem a entrar em ebulição na Europa, o próximo alvo será  Portugal. 
(..)
A falta de rigor em relação à Grécia - e às finanças gregas - não é só do governo português, está espalhada na Europa. Estamos num braço de ferro com a Grécia e num  braço de ferro entre a Sra. Merkel e o seu quadrado ministro das Finanças Schäuble, ambos já a competirem pela liderança da direita alemã.  Agrava-se com a falta de visão estratégica  e a falta de consciência - pois, como explica o Ministro Varoufakis, continuando a exigir o esmagamento dos salários dos gregos, é a própria capacidade de reembolso da Grécia que a Europa compromete. A Alemanha, a Comissão Europeia, o BCE e o FMI têm a maior parte da responsabilidade.
Estamos à beira do abismo, aviso! Como avisou o Presidente Barack Obama na recente reunião do G7 na Baviera, tudo pode colapsar. A economia mundial entrará em nova crise, se a UE deixar a Grécia sair do Euro. E é a própria  UE, e não apenas o euro, que pode desmoronar-se, avisam muitos! O drama grego não leva apenas ao dracma: pode ser a tragédia da Europa!"

(Extractos da minha crónica desta manhã no Conselho Superior, ANTENA 1, que pode ser lida na íntegra aqui http://aba-da-causa.blogspot.com/2015/06/o-drama-grego-pode-dar-tragedia-na.html)

A UE e a Rússia

"A Rússia iniciou a agressão, com a ocupação ilegal da Crimeia, em violação do Protocolo de Budapeste de 1994. Prossegue-a no Donbass, não só contra a independência da Ucrânia: contra o direito internacional e a paz e a segurança globais.

Não queremos a guerra, estamos e sempre estivemos abertos a dialogar com Moscovo, apesar da lista negra bloqueando políticos europeus. Por isso temos de aplicar sanções económicas, financeiras e outras, por muitos interesses económicos e outros que sejam afectados.

Putin conta com desunião europeia. Troquemos-lhe as voltas: as sanções terão de ser reforçadas, se a Russia continua a violar os Acordos de Minsk. Mas importa direccioná-las: o povo russo já tem de aguentar a mordaça e o aventureirismo impostos pelo regime autoritário de Putin! É fundamental que a UE apoie politica e financeiramente defensores de direitos humanos, bloguistas, meios de comunicação social independentes, académicos e ONGs, enfim a sociedade civil independente na Rússia".

(Minha intervenção de 1 minuto no debate em plenário do PE, esta manhã, sobre o estado das relações UE-Rússia).

quinta-feira, 4 de junho de 2015

Portucaliptal

«Portugal tornou-se a pátria mundial do eucalipto, mais do que a própria Austrália. O eucaliptal não cessa de se expandir, dos vales às montanhas, dos terrenos esqueléticos aos de vocação agrícola, à beira de rios e de albufeiras. Se não o é já, o eucalipto está em vias de se tornar a principal espécie arbórea do país, antes do pinheiro e do sobreiro.»
Eis a introdução da minha coluna semanal de ontem no Diário Económico.

quarta-feira, 3 de junho de 2015

Um pouco mais de decência política, sff

Aumentar agora a remuneração dos juízes quando todas as outras remunerações no setor público vão continuar congeladas é uma exceção inadmissível (tanto mais que elas não são propriamente baixas) . Seria ainda mais injustificável se se mantivesse o regime excecional de pensões dos juízes, que não obedece às regras normais do sistema de pensões (no caso dos juízes o aumento das remunerações arrasta a subida automática das respetivas pensões).
O que é de estranhar desde logo é que a proposta tenha sido feita pela Ministra da Justiça. Imagine-se que todos os demais ministros apareciam na véspera de eleições com propostas de elevação dos remunerações dos funcionários do seu setor específico (o ministro da Defesa em relação aos militares, o Ministro da Administração Interna em relação aos polícias, o ministro da Educação em relação aos professores, etc.). Há propostas que ficam a dever pouco à decência política.