quinta-feira, 8 de outubro de 2015

Duplicidade


Como se adivinhava, o Presidente da República está pronto a empossar o governo minoritário da direita e a deixar cair aquilo que ainda em julho considerava essencial e indispensável: um governo com apoio parlamentar maioritário.
Mas, pelos vistos, isso não se aplica aos governos de direita. Só valia se fosse o PS a ganhar as eleições sem maioria absoluta, que seria forçado a aliar-se à direita para ser empossado.
Decididamente, de Cavaco Silva nunca sabemos até onde pode ir a sua dualidade de critérios em função da sua simpatia ou antipatia política.

quarta-feira, 7 de outubro de 2015

Ficção

A situação pós-eleitoral está a tornar-se surrealista.
O PCP e o BE fingem que querem governar com o PS e propõem negociações. O PR e a coligação PSD-CDS fingem que é possível atrelar o PS ao governo de direita e propõem negociações. E, para não parecer ser o mau da fita, o PS resolve entrar na dança ficcional e finge-se disposto a negociar com todos.
No fim, os factos são factos. Incontornáveis. O PS não pode casar-se com a extrema esquerda parlamentar nem amantizar-se com o governo de direita. Será que é preciso um desenho para explicar?!

"King maker"

Ilude-se quem pensa que no novo quadro parlamentar o PS se encontra enfraquecido e "encurralado" entre o Governo e a esquerda radical. Pelo contrário. Na sua posição de charneira, fazendo maioria com o Governo, por um lado, e com o PCP e o BE, por outro, o PS acaba por ser o king maker desta AR!
O PS fica com um poder que poucas vezes teve no Parlamento, na medida em que, como se viu no post anterior, dele depende a viabilização (ou não) da generalidade das propostas governamentais bem como a viabilização (ou não) das propostas da extrema-esquerda parlamentar.
E além de poder manter o Governo sob rédea curta, cabe-lhe também em última instância o poder extremo de fazer cair o Governo, se tal lhe convier, mediante moção de censura. Só tem de ser prudente e responsável para não dar ao Governo um pretexto para este pedir, ele mesmo, eleições antecipadas quando lhe convier, dramatizando uma alegada "falta de condições para governar".

A diferença

1. Erra quem julga que o novo Governo PSD-CDS é apenas mais um governo minoritário que vai ter de negociar com as oposições todas as medidas políticas e legislativas, tal como outros governos minoritários antes dele.
Na verdade, formado por uma coligação de toda a direita, sem nenhum partido à sua direita, o Governo só pode negociar à sua esquerda, ao contrário dos governos minoritários do PS, que podiam procurar apoios alternadamente à esquerda ou à direita, conforme os casos. Agora não somente é mais fácil haver convergência de toda a oposição (que têm a maioria dos deputados) contra medidas do Governo (por exemplo, a "plafonização" das pensões) mas também para aprovar medidas contra o Governo (por exemplo, revogar as taxas moderadoras na IVG ou reduzir o IVA na restauração).

2. Nesta perspetiva, a questão do orçamento torna-se assaz vulnerável para o Governo.
Ao contrário do que tem sido dito por comentadores apressados, não se trata de saber se a oposição vai chumbar o orçamento. Não precisa. Sendo a proposta de orçamento livremente modificável na AR, o que está em causa é saber como é que o Governo pode impedir a oposição de fazer outro orçamento. Este vai ser indubitavelmente o primeiro grande teste do Governo.

Siria - o vácuo deixado pela UE

"A intervenção da Rússia na Síria, em socorro de Assad - que é origem do conflito e nunca será parte da solução - é pérfida por, a pretexto de atacar terroristas, bombardear patriotas sírios.
Mas é também reflexo do falhanço da UE em se concertar e empenhar para pôr fim à guerra, envolvendo minorias sírias e potências regionais na busca de uma solução política, e para  combater o terrorismo do Estado Islâmico. 
No Curdistão iraquiano, onde voltei no mês passado, os Estados Membros não se coordenam, nem para articular ajuda humanitária e de desenvolvimento garantindo escolas nos campos de refugiados e deslocados, nem para treinar, equipar e apoiar diplomaticamente os Peshmerga, que são as únicas tropas no terreno contendo o Daesh no Iraque, apesar do governo de Bagdad continuar a pagar salários em Mossul para render taxas ao Daesh, e na Síria - onde os curdos são traiçoeiramente bombardeados pela Turquia de Erdogan.
No momento em que o acordo nuclear com o Irão abre caminhos para negociar uma solução de paz para a Síria e para o Yemen, que implica por a Arábia Saudita perante as consequências da sua duplicidade, os governos europeus continuam a boicotar Política Externa e de Segurança Comum e Política Comum de Segurança e Defesa, alimentando assim as causas do êxodo de refugiados e a expansão do Estado Islâmico, agora já também na Líbia. Na prática, comprometem a segurança dos seus cidadãos e da própria Europa"

Minha intervenção hoje, no plenário do PE, em debate sobre a situação na Síria

Má-fé

Não deixa de ser patético ver a extrema-esquerda parlamentar, que há quatro anos se aliou vergonhosamente à direita para derrubar o Governo do PS e que nestas eleições tratou o PS como se fora o inimigo principal, vir agora desafiar o PS para formar governo com eles!
É óbvio que se trata somente de mais uma "jogada para a bancada" sem um mínimo de seriedade, sabendo que nenhum Governo responsável pode fugir às obrigações de rigor orçamental e de redução da dívida pública que assumiu no quadro da UE e da zona euro, incluindo as decorrentes do Tratado Orçamental, que eles abominam. A formar-se um tal Governo, ele só duraria até ao primeiro orçamento, quando os infiéis parceiros se apressariam a tirar o tapete ao PS.
É esta indecorosa encenação política do PCP e do BE que o PS tem de desmascarar.

terça-feira, 6 de outubro de 2015

Sem sentido

Ou Belém desatinou, ou esta proposta presidencial de associar o PS à sustentação do Governo PSD-CDS não passa de mais um frete à direita, permitindo a Passos Coelho fazer uma flor com uma proposta de negociação ao PS e depois poder queixar-se de que o PS recusou apoiar o Governo.
É evidente que não faz sentido absolutamente nenhum uma solução governativa a três.  Rejeitando, e bem, uma solução de governo à esquerda, porque não tem viabilidade política, o PS não pode agora entrar num ménage à trois com a direita. Pior a emenda do que o soneto. Seria suicidário.
Mais, mesmo que, mantendo-se à margem, venha a exigir compromissos elevantes ao Governo para o deixar passar na AR, o PS deve salvaguardar no fundamental a sua liberdade de ação (e de negociação) na oposição (obviamente oposição responsável).
Tudo o mais é hipocrisia política e perda de tempo.
[revisto]

Adenda
Na sua precipitação, Cavaco Silva colocou-se à margem da Constituição em dois aspetos: (i) procedeu à indigitação pública do primeiro-ministro sem ouvir previamente os demais partidos parlamentares, como a Lei Fundamental manda; e (ii) permitiu-se desenhar as linhas orientadoras do novo Governo, o que não cabe nas suas competências e incumbe ao primeiro-ministro.
Poderia porventura o Presidente da República produzir um discurso destes se houvesse condições para o Governo de coligação à esquerda, que ele teria de nomear, por dispor de maior parlamentar?

Líbia - o caos também resultou da falta de Europa...

"Que mais dizer sobre o caos e o desastre humanitário que ajudamos a criar na Líbia, por falta de acção europeia convergente e coordenada depois da queda de Kadaffi? Pela estupida negligência  em ajudar as autoridades transitórias na SSR/DDR (reforma do sector de segurança), assim deixando as milícias se tornarem em gangs criminosos e terroristas.
Senhor Comissário, não se iluda: a 7a. versão do acordo negociado pela ONU para um Governo de Unidade Nacional não deve vir a ser assinada em breve, segundo notícias de Tobruk e Tripoli de hoje.
Uma grande operação militar, segundo o modelo desastroso do Yemen, parece estar em preparação pelo General Heftar, aspirante a novo Khadaffi, contando com combatentes salafistas. Trágicas consequências cairão sobre o povo líbio, migrantes e outros estrangeiros dali a fugir. E inevitavelmente sobre a Europa também.
O falhanço europeu resulta da falta de União e, de facto, da rivalidade entre os nossos Estados Membros, por petróleo e outros interesses. Isto está a levar algumas capitais mais expostas à Líbia a contemplar uma intervenção militar, que vai exigir milhares de botas no terreno, para além da justificação legal.
Outro erro cometido por UE, EUA e ONU é pretender que tudo resulta apenas de faccionalismo interno e não denunciar e deter as potências que estão a alimentar uma "guerra por procuração" na Libia, nomeadamente a Arábia Saudita, o Egipto e os Emiratos apoiando o Governo em Tobruk; e a Turquia e o Qatar que apoiam a Irmandade Muçulmana no eixo Tripoli/Misrata. Ao nada fazer para travar esta "guerra por procuração", a UE está a permitir a expansão dos terroristas do Estado Islâmico e dos salafistas na Líbia. Isto é criminoso e não só contra o povo líbio, mas contra, também, os povos da Europa".

Minha intervenção hoje, em plenário do PE, sobre a situação na Líbia

Não à "fortaleza Europa"!

"Não, Presidente Tusk, a "fortaleza Europa" que parece querer não vai proteger os europeus.

Os governos no Conselho estão há muito tempo em negação e por isso hoje falham no acolhimento solidário aos refugiados, adiam a abertura de vias legais e seguras para não continuarmos a alimentar o negócio dos traficantes e falham no combate político, ideológico, diplomático e militar a causas da crise: guerra na Síria, caos na Líbia e Estado Islâmico em expansão. 

Estão a enganar os europeus com reacções nacionalistas que fragmentam a União, impedem acção coordenada, violando valores e princípios da UE, além de fazerem o jogo de terroristas que querem arrasar democracia e direitos humanos.

Os desafios com que estamos confrontados só se vencem com convergência estratégica, partilha e sinergia de recursos e de capacidades, com Política Externa e de Segurança e Defesa Comuns. Parem de as boicotar no Conselho! 

Precisamos de mais União e não de mais muros."

Minha intervenção hoje, em debate no PE sobre as "Conclusões do Conselho Informal de 23 de Setembro 2015"  com os Presidentes Tusk e Juncker

segunda-feira, 5 de outubro de 2015

Depois das eleições (3)

As eleições legislativas vão ter inevitavelmente consequências sobre as eleições presidenciais, que vão entrar imediatamente na agenda política, depois da suspensão destes meses.
À esquerda, com a derrota do PS nas legislativas, que é também uma derrota de António Costa, a candidatura de Sampaio da Nóvoa pode perder fôlego dentro do Partido (que aliás nunca foi muito...), tanto mais que Maria de Belém deve anunciar a sua candidatura sem demora e tomar a dianteira no centro-esquerda. Neste quadro o mais provável é que o PS não tenha condições para apoiar oficialmente qualquer candidato na primeira volta, o que condena a candidatura de Nóvoa ao insucesso (tanto mais que o seu único apoio partidário oficial, o Livre, falhou rotundamente a sua aposta política nas eleições parlamentares).
À direita mantém-se também em aberto a possibilidade de dois candidatos, com igual abstenção de posição oficial dos partidos governamentais. Neste contexto, aumentam as chances eleitorais de Marcelo Rebelo de Sousa, não só por causa da sua maior visibilidade e notoriedade mas também pelos recursos e meios políticos, financeiros e mediáticos (mais importantes do que os outros) de que vai dispor.

Adenda
Como aqui se previa, o PS decidiu dar liberdade de voto aos militantes nas eleições presidenciais. Neste quadro torna-se problemática a manutenção da candidatura de Sampaio da Nóvoa, que dependia do apoio socialista.

Depois das eleições (2)

António Costa rejeitou liminarmente a hipótese de uma "maioria do contra" (com o PCP e o Bloco) para derrubar o futuro Governo minoritário da coligação PSD-CDS, sem porém excluir de todo em todo uma futura alternativa de governo maioritário à esquerda que viabilize uma "moção de censura construtiva".
Não vejo a vantagem de ter deixado essa questão em aberto, sabendo que uma tal "coligação positiva" necessitaria do BE e do PCP e que infelizmente não existe nenhuma diferença entre eles quando à impossibilidade de constituir um governo com o PS no quadro das nossas obrigações na UE (incluindo o euro e o Tratado Orçamental).

Depois das eleições (1)

António Costa fez bem em não se demitir, quebrando assim a fatal conexão entre derrota eleitoral e demissão do líder partidário em funções.
Entendo, todavia, que ele deveria ter anunciado a convocação de um congresso para depois das eleições presidenciais, a fim de refrescar a sua legitimidade política, assim travando a tentação para um desafio imediato à sua liderança. Não o tendo feito, não é de excluir que esse desafio venha a surgir e que tenhamos novamente eleições antecipadas internas, com os inerentes custos financeiros e políticos para o PS.

Adenda
Já existe um challenger...

Adenda 2
E também vai haver Congresso...

Eleições (7)

Ao contrário quase tudo correu mal no PS.
E não foi somente a retoma económica e do consumo privado, que ajudou a direita, e a radicalização à esquerda, que ajudou o PCP e o BE. Também não foram somente o "fator Sócrates" e o "fator Seguro", mais a cena do cartazes que perturbaram a campanha.
A meu ver, a principal falha do PS nestas eleições foi não ter aprendido a lição da derrota do Labour há uns meses no Reino Unido. Também aí a oposição de esquerda centrou a sua campanha na crítica radical da austeridade orçamental, negando a retoma em curso, e num programa alternativo despesista e confuso, facilitando ao Governo erigir como fator decisivo o risco político de uma vitória do Labour.
Como aqui fui assinalando (por exemplo, aqui e aqui), o PS deveria ter combatido decididamente o suposto "risco da vitória do PS", tranquilizando convincentemente o eleitorado flutuante do centro sobre a estabilidade financeira e a estabilidade política. O PS não só não o fez como agravou a situação, insinuando a possibilidade de uma aliança de governo com a extrema-esquerda, só tendo corrigido o tiro tardiamente. Aliás, isso não atenuou, antes pelo contrario, a extraordinária agressividade do BE e do PCP contra o PS, como se este fosse o Governo e fosse o inimigo principal a abater.
Ao tentar competir com a extrema-esquerda pelo voto radical, o que se revelou infrutífero (os radicais preferem o original...), o PS enfraqueceu a sua capacidade de disputar o voto do centro, que é onde se ganham as eleições. Perdeu a batalha em ambos os tabuleiros.
Neste contexto, de pouco valeu a convicção, seriedade, determinação e combatividade de António Costa e a o empenho de quase todo o Partido. Há lutas inglórias, assim.
[revisto]

Eleições (6)

É preciso tentar compreender os resultados eleitorais.
Quanto à coligação de direita, tudo lhe correu bem. Teve ajuda decisiva de fatores externos, como a retoma da economia da zona euro, a baixa de juros provocada pelo BCE, a enorme descida do preço do petróleo, etc. Utilizou sem escrúpulos a máquina do Estado e o dinheiro público na campanha eleitoral, com centenas de milhões despejados sobre alguns setores-chave (colégios privados, produtores de leite, pessoal do SNS, etc.). Teve a seu favor a generalidade da comunicação social e um exército de editorialistas e de comentadores combativos. Não escassearam recursos nem meios durante a campanha.
Mas não podemos desvalorizar-se os méritos políticos da própria campanha da direita, bem organizada, bem focada e bem sintonizada. E acima de tudo, estrategicamente centrada sobre um argumento que provou ser decisivo, que foi o da segurança e estabilidade na saída da crise oferecida pela coligação contra o risco e o perigo de regresso atrás imputados ao PS.

Eleições (5)

Esta manhã procuro nos sites dos órgãos de informação a nova composição da AR discriminada por partidos, que são quem propõe candidatos e elege deputados. Em vão. Continuam a apresentar os "deputados da PaF", sem discriminação entre os deputados do PSD e os do CDS. Ora, as coligações eleitorais extinguem-se com as eleições e a AR é composta por partidos.
É isto o jornalismo que temos!

Eleições (4)

1. Tendo a coligação PSD+CDS ganho as eleições, embora sem maioria absoluta, e sendo o PSD o maior partido parlamentar, vamos ter mais um governo minoritário da direita (o que já não sucedia há trinta anos), dado estar fora de causa um acordo de governo com o PS assim como uma coligação de governo alternativa do PS com os partidos à sua esquerda, como o líder do PS bem expôs.
O que há de original é o facto de ser o primeiro governo minoritário de coligação.
O Presidente da República vai ter de esquecer a sua ideia de um governo com apoio parlamentar maioritário, que aliás já tinha convenientemente omitido na sua mensagem pública nas vésperas das eleições.

2. Esta situação governativa vai ser especialmente exigente para o PS, que vai ter de conjugar uma oposição forte mas responsável com a resistência às pressões do PCP e do BE para um derrube conjunto do Governo. Como mostrei aqui, sendo impossível um governo da pretensa "maioria de esquerda",  o PS sabe que só pode permitir-se derrubar o governo quando esteja em condições de ganhar as eleições que inevitavelmente se seguiriam.

Eleições (3)

Os resultados demonstraram as virtudes das coligações eleitorais, como aqui se assinalou, permitindo transformar derrotas previsíveis em vitórias,
Por um lado, tendo em conta que a coligação de direita só teve uma vantagem de 6 pp sobre o PS e que o CDS vale mais do que isso, parece seguro concluir que, se ambos tivessem concorrido separados, o PSD teria ficado atrás do PS, que teria ganho as eleições. Por outro lado, a junção dos votos permitiu uma majoração do número de deputados eleitos, que podemos cifrar sem nenhum exagero num boa meia dúzia de deputados a mais do que teriam os dois partidos somados se tivessem concorrido separados, permitindo ao PSD surgir com a maior representação parlamentar.
Chapeau!

Eleições (2)

A multiplicação de partidos candidatos às eleições não trouxe uma correspondente fragmentação da representação parlamentar.
Sem grande surpresa, como aqui se foi antecipando, tanto o Livre/TdA como o PDR ficaram pelo caminho, verificada a sua inanidade política e a falta de espaço político próprio.
Surpresa é a eleição de um deputado do PAN (Pessoas, Animais, Natureza), o que vai permitir colocar na agenda política questões como a eucaliptização galopante do país e as touradas. Bem-vindos!

Eleições (1)

1. Como a generalidade das sondagens indicavam, a Coligação PSD/CDS ganhou folgadamente as eleições, com cerca de 38% dos votos e cerca de 6 pp de vantagem sobre o PS, mas longe da maioria absoluta com que chegou a sonhar, com base em sondagens ou previsões pouco sérias. Mercê dessa vantagem o PSD é também o partido com maior representação parlamentar, o que afasta a questão por mim suscitada caso a Coligação ganhasse as eleições sem que o PSD tivesse mais deputados do que o PS.

2. Com menos de 33% dos votos o PS fica muito aquém dos seus objetivos eleitorais, ficando mesmo abaixo da média do partido nas eleições parlamentares realizadas atá agora (33,32%). Claramente, parafraseando um dito camoniano, o PS não ganhou o centro por amor à esquerda e não ganhou a esquerda por amor ao centro.

3. Em relação às eleições de 2011, os partidos de direita perdem 13 pp e o PS ganha 4,5 pp. Quem beneficia da diferença é sobretudo a esquerda à esquerda do PS (com relevo para o BE), que em conjunto alcança cerca de 18,5% e que sobe uns 6 pp em relação a 2011, ultrapassando o seu melhor resultado histórico.
Um feito que traduz a acrescida radicalização política trazida pela recessão e pela crise social dos últimos quatro anos.
[revisto]

sexta-feira, 2 de outubro de 2015

As aparências iludem

1. Os círculos políticos e mediáticos afetos à direita conseguiram apresentar as sondagens eleitorais como uma surpreendente "vitória da coligação" e uma inesperada "derrota do PS". Mas as coisas podem não ser bem assim. Um pouco de história eleitoral dá outra perspetiva.

2. De facto, quanto ao primeiro aspeto, mesmo que a coligação tivesse os 37,7% que as últimas sondagem lhe dão em média, esse seria de longe o segundo pior resultado dos dois partidos somados desde sempre (só fizeram pior em 2005), além de perderem de mais de 13 pp desde 2011!
Quanto à surpresa da "derrota"  do  PS, também é de assinalar que em todas as 13 eleições até agora realizadas o PS só teve mais votos e deputados do que os dois partidos da direita em três delas (1995, 1999 e 2005), tendo ganho outras três com menos votos e deputados do que a soma dos dois (1976, 1983, 2009). Importa também referir que três das seis vitorias do PS foram obtidas com menos de 37% dos votos, sendo uma delas com 34,87% (1976), não muito acima do que as sondagens agora lhe dão e com os dois partidos da direita a somar mais de 40% (muito acima do que se prevê que tenham agora).

3. Mais importante do que isso é saber que a eventual vitória eleitoral da coligação não dá ao PSD automaticamente uma maioria de deputados, havendo que descontar os do CDS. Se o PS, mesmo com menos votos do que o PSD e o CDS juntos, tiver mais deputados do que o PSD, o partido vencedor das eleições é afinal o PS, como maior partido parlamentar, como sucedeu no passado nas três referidas situações.

"Asfixia democrática"

Ao longo desta campanha eleitoral foi-se tornando claro que a Coligação de direita não era composta só pelos dois partidos que a formaram mas também por um outro poderoso parceiro, a comunicação social, sobretudo através dos seus editorialistas e comentadores, esmagadoramente alinhados com as suas posições.
Com exceção da televisão e da rádio públicas e pouco mais, a generalidade dos media mandou a imparcialidade e a isenção política às urtigas e tomou partido contra o PS, embora sem ter a coragem de o assumir explicitamente, como é norma em alguns países. Na televisão de sinal aberto em especial, a confusão entre "comentador político" e "comentador de direita" tornou-se uma tautologia, como alguém disse certeiramente. Os dois comentadores mais mediáticos, por coincidência ex-presidentes e ex-ministros do PSD, não tiveram escrúpulos políticos em manter o seu programa durante a campanha eleitoral e em saltar do estúdio para o comício e vice-versa. Duvido que isso ocorra em algum outro país democrático.
A democracia liberal supõe um "mercado livre de ideais e de opiniões". Mas como sucede com o mercado de bens e serviços, é precisa uma concorrência efetiva que impeça monopólios no acesso e abusos de posição dominante no debate político nos meios de comunicação, sob pena de se cair na "asfixia democrática" que há anos um dirigente político da direita denunciou com muito menos fundamentos do que hoje.


Voto radical

Um dos pontos interessantes a observar é a votação nos partidos à esquerda do PS, nomeadamente PCP e BE.
As sondagens revelam um crescimento dos dois partidos em relação a 2011, o que traduz o aumento do voto radical resistente à lógica do voto útil no PS. Resta saber se o PCP e o BE vão superar em conjunto o score de 2009 (17% e 31 deputados), mesmo assim longe dos resultados das primeiras eleições do regime democrático, em que esse setor, nessa altura hegemonizado pelo PCP, ultrapassou os 18% e chegou aos 44 deputados (1983).
Incerta também é a possibilidade de o Livre / TPA eleger deputados, havendo indicações de que ele pode estar a ser esvaziado pela pressão do voto útil no PS e pela dinâmica revelada pelo BE.

Manigâncias


1. A ideia de criar um grupo parlamentar conjunto do PSD e do CDS, caso a coligação eleitoral entre ambos tinha mais votos mas o PSD tenha menos deputados do que o PS  constitui uma canhestra manobra política em que só os seus autores podem acreditar. Além de não resolver nada, a ideia é estúpida.
Primeiro, não resolve nada, porque o PSD continuaria a não ser o primeiro partido na AR. O grupo parlamentar conjunto não daria ao PSD os deputados que lhe faltem. Os deputados do CDS não se podem transferir para o PSD, pois perderiam o mandato.
Segundo, seria um solução estúpida, pois os dois partidos deixariam de ser considerados separadamente para efeitos de composição da mesa da AR, de composição e repartição das presidências das comissões parlamentares, de tempos de intervenção, de número de interpelações, etc. Não é por acaso que nunca houve nenhum grupo parlamentar conjunto até agora em quatro décadas de regime constitucional entre nós.

2. Mas esta manobra mostra até que ponto a direita pode ir no desrespeito pela democracia parlamentar na sua ânsia de manter o poder a todo o custo.
Numa democracia representativa de base partidária, as eleições servem para medir a representatividade dos partidos, que são os únicos dramatis personae de uma demoracia parlamentar. O facto de alegadamente os dois partidos terem feito um acordo para governarem em comum só os vincula a eles e só tem efeitos se o PSD for chamado a formar governo, para o que só é elegível à partida se for o maior partido parlamentar.
Não há golpe de secretaria que supere o eventual défice de representatividade parlamentar do PSD.

Adenda
Afinal, a peregrina ideia do grupo parlamentar conjunto viola explicitamente o próprio acordo de coligação eleitoral entre o PSD e o CDS. Lá se vai a precipitada manigância!

Manipulação (quase) absoluta


A campanha militante e descarada dos média a favor da coligação de direita - que é um dos traços marcantes destas eleições - atinge em alguns casos foros da mais ostensiva manipulação informativa, como nesta manchete do Sol de hoje.
Primeiro, o semanário atribui uma média de 41% à coligação nas sondagens; ora, as sondagens referidas pelo próprio semanário não dão essa média e as três sondagens ontem publicadas (muito próximas entre si) dão uma média inferior a 38%. Mesmo com esse bónus superior a 3%, a coligação de direita não atinge a maioria absoluta (a não ser que agregasse os três deputados imaginados para o PDR!...), pelo que a manchete a subentender o contrário é pura manipulação.
Segundo, no diagrama do hipotético parlamento resultante dessa previsão, é apresentada a soma dos deputados do PSD e do CDS, sem discriminação do número de cada um, como se a coligação se mantivesse depois das eleições, o que, como se sabe, não é verdade. Ora, mesmo com o generoso bónus que o semanário dá aos dois partidos em conjunto, o PSD tem somente mais seis deputados do que o PS, o que deixa entender que com os resultados bem inferiores das sondagens de ontem para a coligação de direita os socialistas poderiam ter o maior grupo parlamentar, o que poria em causa a legitimidade do PSD para formar governo.

É viável uma coligação de governo à esquerda?


Eis a introdução da minha coluna semanal de ontem no Diário Económico, ou por que é que não é viável uma coligação do PS com o PCP nem com o BE.

Adenda
António Costa já veio dizer que não está a pensar num governo de coligação mas sim num governo do PS com entendimentos de geometria variável com outros partidos. Parece-me, porém, que esse esclarecimento, que a meu ver é crucial, precisa de maior difusão.

O que está em causa

As três sondagens eleitorais ontem divulgadas -- com resultados muito próximos entre si -- permitem duas conclusões. Por um lado, embora continuem a colocar a coligação PSD+CDS à frente, com uma média de 37,7% , ela está em perda, longe dos 40% que chegou a atingir há dias (e com menos 13 pp do que em 2011!). Por outro lado, o PS, com uma média de 32,5%, fica acima de anteriores sondagens e encurta a distância para a coligação, agora de cerca de 5 pp.
A serem estes os resultados finais - o que pode não ser o caso se se confirmar a perda de força da Coligação -, a conclusão mais óbvia é que se esfumou definitivamente a miragem da maioria absoluta que perpassou pelas hostes da direita. Além disso, se se verificar uma redução da margem sobre o PS para baixo dos 5%, então é provável que o PSD nem sequer seja o partido com mais deputados, perdendo então qualquer legitimidade para formar governo.
E é isso que está em causa!

quinta-feira, 1 de outubro de 2015

Aventureirismo político

O Livre /TPA veio propor um pacto pré-eleitoral entre todas as forças de esquerda comprometendo-se antecipadamente a negociar entre eles uma solução governativa pós-eleitoral e a "chumbar" um eventual governo minoritário da direita.
Assim se revela a compulsiva tendência de algumas esquerdas para o aventureirismo suicidário. Um pacto desses seria uma benção para a coligação PSD-CDS, não somente porque traduziria uma confissão de derrota antecipada do PS mas principalmente porque arruinaria as suas hipóteses de disputar o eleitorado indeciso do centro, que não anseia propriamente por um governo de todas as esquerdas. Em segundo lugar - sob pena de repetir o disparate de 1997, em que o PS alinhou irresponsavelmente no derrube do Governo minoritário de Cavaco Silva sem ter uma alternativa, assim abrindo caminho à primeira maioria absoluta cavaquista -, o PS não pode nunca comprometer-se antecipadamente no derrube de um eventual governo minoritário da direita sem dispor concretamente de uma alternativa de governo maioritário credível e sólida.
O PS é um partido de esquerda mas é um partido responsável e de governo. O PS não pode portanto alinhar em aventuras destas. A prioridade do PS deve continuar a de lutar por eleger mais deputados e ter direito a formar governo e não a de especular sobre o que fazer se for a direita a ganhar as eleições.
Decididamente, com potenciais aliados como este, o PS não precisa de adversários!

"Plano B"

Portas desafia Costa a esclarecer como vai governar se o PS ganhar sem maioria absoluta. Mas é evidente que ele deveria começar por responder ele mesmo justamente a esse mesmo desafio: como vão o PSD e o CDS governar se forem eles a ganhar sem maioria absoluta?
Ora, como tem argumentado, com razão, António Costa, será mais fácil ao PS encontrar apoios à sua esquerda e à sua direita (conforme os temas), visto que se encontra no centro do espetro político e parlamentar, do que a uma eventual coligação PSD-CDS, que está acantonada à direita do leque político-parlamentar, não tendo ninguém com quem negociar desse lado.
Além disso, enquanto o PS tem uma larga experiência de governar sem maioria parlamentar (e até conseguiu cumprir uma legislatura inteira nessas condições -- o I Governo Guterres, 1995-1999), a direita só tem a longínqua experiência do efémero Governo Cavaco Silva I (1985-1987).
Portanto, no campeonato dos governos sem maioria absoluta, o PS ganha claramente, não é?

Formação do Governo

1. Um leitor pergunta-me se o Presidente da República pode estabelecer condições prévias à escolha do primeiro-ministro depois das eleições e se isso pode levar à nomeação de um primeiro-ministro que não seja o líder do partido com maior representação parlamentar (seja o PSD ou o PS).

2. No nosso sistema político-constitucional, a formação de um novo Governo depois das eleições parlamentares ocorre em duas fases.
Primeiro, há a indigitação do primeiro-ministro e a sua nomeação, que naturalmente deve recair no líder do partido com maior representação parlamentar, mesmo sem maioria absoluta; trata-se do único critério objetivo compatível com a Constituição (e assim sucedeu sempre). Depois, há a sujeição do Governo à apreciação parlamentar, só podendo ser rejeitado por uma maioria absoluta dos deputados. Este sistema permite a "investidura por inércia" de governos minoritários, que "passam" sem ser explicitamente  rejeitados, ou porque nem sequer houve proposta de rejeição ou porque ela não obteve a referida maioria.
Ao longo destas quatro décadas, nenhum dos vários governos minoritários saídos de eleições foi rejeitado na sua passagem pelo Parlamento. Mas nada garante que assim continue a ser.

3. Respondendo agora à questão concreta: pode o PR estabelecer condições prévias à nomeação do Primeiro-Ministro? A reposta é: pode, desde que sejam condições objetivas e não discriminatórias. Assim, se o maior partido não dispuser de maioria parlamentar absoluta, o PR pode exigir a garantia de apoio parlamentar maioritário, mediante coligação governativa ou acordo formal de sustentação parlamentar (tal como anunciado várias vezes por Cavaco Silva).
Desse modo, se o primeiro indigitado primeiro-ministro não conseguir satisfazer essa condição, poderá ser nomeado primeiro-ministro outro candidato que o consiga.

4. Note-se, no entanto, que entre nós o PR não tem meios de forçar os indigitados primeiros-ministros a formar governos com apoio parlamentar maioritário, pois não dispõe do poder de ameaçar com a convocação imediata de novas eleições (inconsequentemente a Constituição proíbe a dissolução da AR nos primeiros seis meses depois de uma eleição).
Ora, como o PR tem de nomear efetivamente um novo Governo (pois o Governo cessante perdeu legitimidade política e está em simples funções de gestão), o PR pode ter de abandonar a sua condição de governo maioritário numa segunda ronda e conformar-se com um governo minoritário do partido com maior representação parlamentar (eventualmente tornado menos minoritário mediante aliança com outro).
E se este for rejeitado na AR, o PR tem de voltar ao princípio, até haver um Governo em plenitude de funções.

quarta-feira, 30 de setembro de 2015

Vodka com laranja


Esta revelação do Expresso explica a extraordinária agressividade da campanha eleitoral comunista contra o PS, muito mais virulenta do que contra a própria coligação de direita, como se fosse aquele e não esta que esteve no governo estes quatro anos.
É evidente o interesse objetivo da direita em que o PCP não perca votos para o PS. O que já surpreende é que essa aliança objetiva se transforme numa cumplicidade subjetiva...