"O partido que ganha as eleições, e que tem prioridade na formação do governo (o que ninguém contesta), só tem, porém, assegurada a passagem do seu governo se tiver ou conseguir reunir maioria parlamentar. Caso o não consiga e outros partidos o consigam, então cabe a estes governar. É assim a democracia parlamentar".Como é sabido, não me conto entre os apoiantes dessa eventual solução governativa, em cuja viabilidade política não acredito, e compartilho os argumentos políticos contra ela. Mas a alegação da direita de que se trata de uma solução "ilegítima" e "antidemocrática" não tem nenhum fundamento e só pode compreender-se à luz de uma "lógica da batata" sectária.
Blogue fundado em 22 de Novembro de 2003 por Ana Gomes, Jorge Wemans, Luís Filipe Borges, Luís Nazaré, Luís Osório, Maria Manuel Leitão Marques, Vicente Jorge Silva e Vital Moreira
sexta-feira, 9 de outubro de 2015
Sim, a "lógica da batata"
Não é preciso ir à Dinamarca
2. Numa democracia parlamentar, em que o Governo depende da confiança parlamentar, um executivo que não detenha maioria parlamentar absoluta corre o risco de não passar no Parlamento ou de vir a ser derrubado por uma maioria contrária. Por exemplo, onde os governos precisam de investidura parlamentar expressa, como na Espanha, quem tiver ganho as eleições sem maioria absoluta tem de negociar à partida o apoio parlamentar em falta ou nem sequer chega a formar governo. Por isso, os chefes de governo podem não ser do partido vencedor das eleições. Não é preciso ir à Dinamarca.
3. Em Portugal, os governos são primeiro nomeados e empossados pelo Presidente da República e só depois é que vão ao parlamento. Sempre tem sido nomeado primeiro-ministro o líder do partido vencedor das eleições (que é o que tem mais deputados), mesmo sem maioria absoluta, e assim deve continuar a ser. É uma regra que não decorre obrigatoriamente da Constituição, mas é uma "convenção constitucional" que assegura certeza e previsibilidade e previne "golpadas" presidenciais. Admira-me, porém, vê-la agora defendida como dogma religioso por quem antes das eleições, quando se previa que o PS poderia ser o partido vencedor, a descartava em nome de uma alegada discricionariedade presidencial para nomear o primeiro-ministro. Assim se apanham os hipócritas!
4. Obviamente, se se constituir um governo sem maioria absoluta, ele corre o risco de soçobrar na sua apresentação na AR, sendo portanto demitido sem chegar a governar. Isso é legítimo, constitucional e conforme às regras da democracia parlamentar.
Se a maioria que derruba o Governo se entender para formar um novo executivo, o Presidente da República não é constitucionalmente obrigado a nomeá-lo, podendo tentar outra alternativa de governo eventualmente disponível ou preferir convocar novas eleições, se o puder fazer (o que no caso português só poder ser feito passados seis meses sobre as anteriores eleições parlamentares). O que não pode é manter indefinidamente em funções o governo demitido.
quinta-feira, 8 de outubro de 2015
Um pouco menos de hipocrisia, sff (2)
Independentemente do meu juízo sobre uma tal hipótese, não haveria porém nada de ilegítimo, muito menos de "golpista" nessa eventualidade. Governos minoritários correm sempre esse risco, se houver uma maioria contra. E, de resto, não foi isso justamente o que o PSD e o CDS fizeram em 2011, ao associarem-se ao PCP e ao BE para derrubar o Governo do PS?! Ou será que esses partidos são bons quando se aliam à direita contra o PS e já são maus quando convergem com o PS contra a direita?
Há alguma moralidade nisso?
Um pouco menos de hipocrisia, sff (1)
Mas não foi isso o que os próprios PSD e CDS fizeram, em aliança com a mesma extrema-esquerda parlamentar, contra governos minoritários do PS, por exemplo em 2009, depois de o primeiro Governo Sócrates ter perdido a maioria parlamentar? O PCP e o BE são bons quando se aliam ao PSD para flagelar os governos PS e passam a ser maus quando se aliam ao PS para "chatear" governos do próprio PSD?!
Há alguma moralidade nisso?
Adenda
Sobre as leis que podem vir a ser revogadas e aprovadas pela oposição conjunta, ver esta investigação do Observador.
Receita para o desastre
Não basta haver uma maioria numérica de deputados (que já houve muitas vezes) e, desta vez, uma oportunista disponibilidade do PCP e do BE para apoiarem uma solução de governo com o PS fingindo abandonar as suas "linhas vermelhas". Primeiro, a visceral hostilidade antissocialista de ambos, como se o PS fosse o seu inimigo principal (vide a recente campanha eleitoral) não facilita nenhuma coabitação leal. Segundo, há uma manifesta incompatibilidade entre as suas propostas e as exigências de rigor orçamental a que Portugal se encontra vinculado, o que os levaria a tirar o tapete ao Governo ao primeiro orçamento. Terceiro, e sobretudo, entre o PS e a esquerda radical não há só uma diferença de grau (mais ou menos à esquerda) mas uma diferença de natureza e de filosofia política. A chamada esquerda declina-se no plural.
Trazer o PCP e o BE para a esfera do governo e apagar a fronteira entre a "esquerda de governo" e a "esquerda de protesto" pode ser uma receita para o desastre. Do PS.
Adenda
Pode haver uma razão tática para o PS não excluir à partida a hipótese de um governo alternativo à esquerda, que é a de manter pressão alta sobre as conversações que vão seguir-se com o PSD, no sentido de obter compromissos relevantes como contrapartida da abstenção socialista na passagem parlamentar do Governo.
"Kingmaker" (2)
Passagem da minha coluna semanal de hoje no Diário Económico. Ou como o PS pode ser o polo decisivo na atual quadro político.
Duplicidade
Como se adivinhava, o Presidente da República está pronto a empossar o governo minoritário da direita e a deixar cair aquilo que ainda em julho considerava essencial e indispensável: um governo com apoio parlamentar maioritário.
Mas, pelos vistos, isso não se aplica aos governos de direita. Só valia se fosse o PS a ganhar as eleições sem maioria absoluta, que seria forçado a aliar-se à direita para ser empossado.
Decididamente, de Cavaco Silva nunca sabemos até onde pode ir a sua dualidade de critérios em função da sua simpatia ou antipatia política.
quarta-feira, 7 de outubro de 2015
Ficção
O PCP e o BE fingem que querem governar com o PS e propõem negociações. O PR e a coligação PSD-CDS fingem que é possível atrelar o PS ao governo de direita e propõem negociações. E, para não parecer ser o mau da fita, o PS resolve entrar na dança ficcional e finge-se disposto a negociar com todos.
No fim, os factos são factos. Incontornáveis. O PS não pode casar-se com a extrema esquerda parlamentar nem amantizar-se com o governo de direita. Será que é preciso um desenho para explicar?!
"King maker"
O PS fica com um poder que poucas vezes teve no Parlamento, na medida em que, como se viu no post anterior, dele depende a viabilização (ou não) da generalidade das propostas governamentais bem como a viabilização (ou não) das propostas da extrema-esquerda parlamentar.
E além de poder manter o Governo sob rédea curta, cabe-lhe também em última instância o poder extremo de fazer cair o Governo, se tal lhe convier, mediante moção de censura. Só tem de ser prudente e responsável para não dar ao Governo um pretexto para este pedir, ele mesmo, eleições antecipadas quando lhe convier, dramatizando uma alegada "falta de condições para governar".
A diferença
Na verdade, formado por uma coligação de toda a direita, sem nenhum partido à sua direita, o Governo só pode negociar à sua esquerda, ao contrário dos governos minoritários do PS, que podiam procurar apoios alternadamente à esquerda ou à direita, conforme os casos. Agora não somente é mais fácil haver convergência de toda a oposição (que têm a maioria dos deputados) contra medidas do Governo (por exemplo, a "plafonização" das pensões) mas também para aprovar medidas contra o Governo (por exemplo, revogar as taxas moderadoras na IVG ou reduzir o IVA na restauração).
2. Nesta perspetiva, a questão do orçamento torna-se assaz vulnerável para o Governo.
Ao contrário do que tem sido dito por comentadores apressados, não se trata de saber se a oposição vai chumbar o orçamento. Não precisa. Sendo a proposta de orçamento livremente modificável na AR, o que está em causa é saber como é que o Governo pode impedir a oposição de fazer outro orçamento. Este vai ser indubitavelmente o primeiro grande teste do Governo.
Siria - o vácuo deixado pela UE
Má-fé
É óbvio que se trata somente de mais uma "jogada para a bancada" sem um mínimo de seriedade, sabendo que nenhum Governo responsável pode fugir às obrigações de rigor orçamental e de redução da dívida pública que assumiu no quadro da UE e da zona euro, incluindo as decorrentes do Tratado Orçamental, que eles abominam. A formar-se um tal Governo, ele só duraria até ao primeiro orçamento, quando os infiéis parceiros se apressariam a tirar o tapete ao PS.
É esta indecorosa encenação política do PCP e do BE que o PS tem de desmascarar.
terça-feira, 6 de outubro de 2015
Sem sentido
É evidente que não faz sentido absolutamente nenhum uma solução governativa a três. Rejeitando, e bem, uma solução de governo à esquerda, porque não tem viabilidade política, o PS não pode agora entrar num ménage à trois com a direita. Pior a emenda do que o soneto. Seria suicidário.
Mais, mesmo que, mantendo-se à margem, venha a exigir compromissos elevantes ao Governo para o deixar passar na AR, o PS deve salvaguardar no fundamental a sua liberdade de ação (e de negociação) na oposição (obviamente oposição responsável).
Tudo o mais é hipocrisia política e perda de tempo.
[revisto]
Adenda
Na sua precipitação, Cavaco Silva colocou-se à margem da Constituição em dois aspetos: (i) procedeu à indigitação pública do primeiro-ministro sem ouvir previamente os demais partidos parlamentares, como a Lei Fundamental manda; e (ii) permitiu-se desenhar as linhas orientadoras do novo Governo, o que não cabe nas suas competências e incumbe ao primeiro-ministro.
Poderia porventura o Presidente da República produzir um discurso destes se houvesse condições para o Governo de coligação à esquerda, que ele teria de nomear, por dispor de maior parlamentar?
Líbia - o caos também resultou da falta de Europa...
Não à "fortaleza Europa"!
"Não, Presidente Tusk, a "fortaleza Europa" que parece querer não vai proteger os europeus.
Os governos no Conselho estão há muito tempo em negação e por isso hoje falham no acolhimento solidário aos refugiados, adiam a abertura de vias legais e seguras para não continuarmos a alimentar o negócio dos traficantes e falham no combate político, ideológico, diplomático e militar a causas da crise: guerra na Síria, caos na Líbia e Estado Islâmico em expansão.
Estão a enganar os europeus com reacções nacionalistas que fragmentam a União, impedem acção coordenada, violando valores e princípios da UE, além de fazerem o jogo de terroristas que querem arrasar democracia e direitos humanos.
Os desafios com que estamos confrontados só se vencem com convergência estratégica, partilha e sinergia de recursos e de capacidades, com Política Externa e de Segurança e Defesa Comuns. Parem de as boicotar no Conselho!
Precisamos de mais União e não de mais muros."
Minha intervenção hoje, em debate no PE sobre as "Conclusões do Conselho Informal de 23 de Setembro 2015" com os Presidentes Tusk e Juncker
segunda-feira, 5 de outubro de 2015
Depois das eleições (3)
À esquerda, com a derrota do PS nas legislativas, que é também uma derrota de António Costa, a candidatura de Sampaio da Nóvoa pode perder fôlego dentro do Partido (que aliás nunca foi muito...), tanto mais que Maria de Belém deve anunciar a sua candidatura sem demora e tomar a dianteira no centro-esquerda. Neste quadro o mais provável é que o PS não tenha condições para apoiar oficialmente qualquer candidato na primeira volta, o que condena a candidatura de Nóvoa ao insucesso (tanto mais que o seu único apoio partidário oficial, o Livre, falhou rotundamente a sua aposta política nas eleições parlamentares).
À direita mantém-se também em aberto a possibilidade de dois candidatos, com igual abstenção de posição oficial dos partidos governamentais. Neste contexto, aumentam as chances eleitorais de Marcelo Rebelo de Sousa, não só por causa da sua maior visibilidade e notoriedade mas também pelos recursos e meios políticos, financeiros e mediáticos (mais importantes do que os outros) de que vai dispor.
Adenda
Como aqui se previa, o PS decidiu dar liberdade de voto aos militantes nas eleições presidenciais. Neste quadro torna-se problemática a manutenção da candidatura de Sampaio da Nóvoa, que dependia do apoio socialista.
Depois das eleições (2)
Não vejo a vantagem de ter deixado essa questão em aberto, sabendo que uma tal "coligação positiva" necessitaria do BE e do PCP e que infelizmente não existe nenhuma diferença entre eles quando à impossibilidade de constituir um governo com o PS no quadro das nossas obrigações na UE (incluindo o euro e o Tratado Orçamental).
Depois das eleições (1)
Entendo, todavia, que ele deveria ter anunciado a convocação de um congresso para depois das eleições presidenciais, a fim de refrescar a sua legitimidade política, assim travando a tentação para um desafio imediato à sua liderança. Não o tendo feito, não é de excluir que esse desafio venha a surgir e que tenhamos novamente eleições antecipadas internas, com os inerentes custos financeiros e políticos para o PS.
Adenda
Já existe um challenger...
Adenda 2
E também vai haver Congresso...
Eleições (7)
E não foi somente a retoma económica e do consumo privado, que ajudou a direita, e a radicalização à esquerda, que ajudou o PCP e o BE. Também não foram somente o "fator Sócrates" e o "fator Seguro", mais a cena do cartazes que perturbaram a campanha.
A meu ver, a principal falha do PS nestas eleições foi não ter aprendido a lição da derrota do Labour há uns meses no Reino Unido. Também aí a oposição de esquerda centrou a sua campanha na crítica radical da austeridade orçamental, negando a retoma em curso, e num programa alternativo despesista e confuso, facilitando ao Governo erigir como fator decisivo o risco político de uma vitória do Labour.
Como aqui fui assinalando (por exemplo, aqui e aqui), o PS deveria ter combatido decididamente o suposto "risco da vitória do PS", tranquilizando convincentemente o eleitorado flutuante do centro sobre a estabilidade financeira e a estabilidade política. O PS não só não o fez como agravou a situação, insinuando a possibilidade de uma aliança de governo com a extrema-esquerda, só tendo corrigido o tiro tardiamente. Aliás, isso não atenuou, antes pelo contrario, a extraordinária agressividade do BE e do PCP contra o PS, como se este fosse o Governo e fosse o inimigo principal a abater.
Ao tentar competir com a extrema-esquerda pelo voto radical, o que se revelou infrutífero (os radicais preferem o original...), o PS enfraqueceu a sua capacidade de disputar o voto do centro, que é onde se ganham as eleições. Perdeu a batalha em ambos os tabuleiros.
Neste contexto, de pouco valeu a convicção, seriedade, determinação e combatividade de António Costa e a o empenho de quase todo o Partido. Há lutas inglórias, assim.
[revisto]
Eleições (6)
Quanto à coligação de direita, tudo lhe correu bem. Teve ajuda decisiva de fatores externos, como a retoma da economia da zona euro, a baixa de juros provocada pelo BCE, a enorme descida do preço do petróleo, etc. Utilizou sem escrúpulos a máquina do Estado e o dinheiro público na campanha eleitoral, com centenas de milhões despejados sobre alguns setores-chave (colégios privados, produtores de leite, pessoal do SNS, etc.). Teve a seu favor a generalidade da comunicação social e um exército de editorialistas e de comentadores combativos. Não escassearam recursos nem meios durante a campanha.
Mas não podemos desvalorizar-se os méritos políticos da própria campanha da direita, bem organizada, bem focada e bem sintonizada. E acima de tudo, estrategicamente centrada sobre um argumento que provou ser decisivo, que foi o da segurança e estabilidade na saída da crise oferecida pela coligação contra o risco e o perigo de regresso atrás imputados ao PS.
Eleições (5)
É isto o jornalismo que temos!
Eleições (4)
O que há de original é o facto de ser o primeiro governo minoritário de coligação.
O Presidente da República vai ter de esquecer a sua ideia de um governo com apoio parlamentar maioritário, que aliás já tinha convenientemente omitido na sua mensagem pública nas vésperas das eleições.
2. Esta situação governativa vai ser especialmente exigente para o PS, que vai ter de conjugar uma oposição forte mas responsável com a resistência às pressões do PCP e do BE para um derrube conjunto do Governo. Como mostrei aqui, sendo impossível um governo da pretensa "maioria de esquerda", o PS sabe que só pode permitir-se derrubar o governo quando esteja em condições de ganhar as eleições que inevitavelmente se seguiriam.
Eleições (3)
Por um lado, tendo em conta que a coligação de direita só teve uma vantagem de 6 pp sobre o PS e que o CDS vale mais do que isso, parece seguro concluir que, se ambos tivessem concorrido separados, o PSD teria ficado atrás do PS, que teria ganho as eleições. Por outro lado, a junção dos votos permitiu uma majoração do número de deputados eleitos, que podemos cifrar sem nenhum exagero num boa meia dúzia de deputados a mais do que teriam os dois partidos somados se tivessem concorrido separados, permitindo ao PSD surgir com a maior representação parlamentar.
Chapeau!
Eleições (2)
Sem grande surpresa, como aqui se foi antecipando, tanto o Livre/TdA como o PDR ficaram pelo caminho, verificada a sua inanidade política e a falta de espaço político próprio.
Surpresa é a eleição de um deputado do PAN (Pessoas, Animais, Natureza), o que vai permitir colocar na agenda política questões como a eucaliptização galopante do país e as touradas. Bem-vindos!
Eleições (1)
2. Com menos de 33% dos votos o PS fica muito aquém dos seus objetivos eleitorais, ficando mesmo abaixo da média do partido nas eleições parlamentares realizadas atá agora (33,32%). Claramente, parafraseando um dito camoniano, o PS não ganhou o centro por amor à esquerda e não ganhou a esquerda por amor ao centro.
3. Em relação às eleições de 2011, os partidos de direita perdem 13 pp e o PS ganha 4,5 pp. Quem beneficia da diferença é sobretudo a esquerda à esquerda do PS (com relevo para o BE), que em conjunto alcança cerca de 18,5% e que sobe uns 6 pp em relação a 2011, ultrapassando o seu melhor resultado histórico.
Um feito que traduz a acrescida radicalização política trazida pela recessão e pela crise social dos últimos quatro anos.
[revisto]
sexta-feira, 2 de outubro de 2015
As aparências iludem
2. De facto, quanto ao primeiro aspeto, mesmo que a coligação tivesse os 37,7% que as últimas sondagem lhe dão em média, esse seria de longe o segundo pior resultado dos dois partidos somados desde sempre (só fizeram pior em 2005), além de perderem de mais de 13 pp desde 2011!
Quanto à surpresa da "derrota" do PS, também é de assinalar que em todas as 13 eleições até agora realizadas o PS só teve mais votos e deputados do que os dois partidos da direita em três delas (1995, 1999 e 2005), tendo ganho outras três com menos votos e deputados do que a soma dos dois (1976, 1983, 2009). Importa também referir que três das seis vitorias do PS foram obtidas com menos de 37% dos votos, sendo uma delas com 34,87% (1976), não muito acima do que as sondagens agora lhe dão e com os dois partidos da direita a somar mais de 40% (muito acima do que se prevê que tenham agora).
3. Mais importante do que isso é saber que a eventual vitória eleitoral da coligação não dá ao PSD automaticamente uma maioria de deputados, havendo que descontar os do CDS. Se o PS, mesmo com menos votos do que o PSD e o CDS juntos, tiver mais deputados do que o PSD, o partido vencedor das eleições é afinal o PS, como maior partido parlamentar, como sucedeu no passado nas três referidas situações.
"Asfixia democrática"
Com exceção da televisão e da rádio públicas e pouco mais, a generalidade dos media mandou a imparcialidade e a isenção política às urtigas e tomou partido contra o PS, embora sem ter a coragem de o assumir explicitamente, como é norma em alguns países. Na televisão de sinal aberto em especial, a confusão entre "comentador político" e "comentador de direita" tornou-se uma tautologia, como alguém disse certeiramente. Os dois comentadores mais mediáticos, por coincidência ex-presidentes e ex-ministros do PSD, não tiveram escrúpulos políticos em manter o seu programa durante a campanha eleitoral e em saltar do estúdio para o comício e vice-versa. Duvido que isso ocorra em algum outro país democrático.
A democracia liberal supõe um "mercado livre de ideais e de opiniões". Mas como sucede com o mercado de bens e serviços, é precisa uma concorrência efetiva que impeça monopólios no acesso e abusos de posição dominante no debate político nos meios de comunicação, sob pena de se cair na "asfixia democrática" que há anos um dirigente político da direita denunciou com muito menos fundamentos do que hoje.
Voto radical
As sondagens revelam um crescimento dos dois partidos em relação a 2011, o que traduz o aumento do voto radical resistente à lógica do voto útil no PS. Resta saber se o PCP e o BE vão superar em conjunto o score de 2009 (17% e 31 deputados), mesmo assim longe dos resultados das primeiras eleições do regime democrático, em que esse setor, nessa altura hegemonizado pelo PCP, ultrapassou os 18% e chegou aos 44 deputados (1983).
Incerta também é a possibilidade de o Livre / TPA eleger deputados, havendo indicações de que ele pode estar a ser esvaziado pela pressão do voto útil no PS e pela dinâmica revelada pelo BE.
Manigâncias
1. A ideia de criar um grupo parlamentar conjunto do PSD e do CDS, caso a coligação eleitoral entre ambos tinha mais votos mas o PSD tenha menos deputados do que o PS constitui uma canhestra manobra política em que só os seus autores podem acreditar. Além de não resolver nada, a ideia é estúpida.
Primeiro, não resolve nada, porque o PSD continuaria a não ser o primeiro partido na AR. O grupo parlamentar conjunto não daria ao PSD os deputados que lhe faltem. Os deputados do CDS não se podem transferir para o PSD, pois perderiam o mandato.
Segundo, seria um solução estúpida, pois os dois partidos deixariam de ser considerados separadamente para efeitos de composição da mesa da AR, de composição e repartição das presidências das comissões parlamentares, de tempos de intervenção, de número de interpelações, etc. Não é por acaso que nunca houve nenhum grupo parlamentar conjunto até agora em quatro décadas de regime constitucional entre nós.
2. Mas esta manobra mostra até que ponto a direita pode ir no desrespeito pela democracia parlamentar na sua ânsia de manter o poder a todo o custo.
Numa democracia representativa de base partidária, as eleições servem para medir a representatividade dos partidos, que são os únicos dramatis personae de uma demoracia parlamentar. O facto de alegadamente os dois partidos terem feito um acordo para governarem em comum só os vincula a eles e só tem efeitos se o PSD for chamado a formar governo, para o que só é elegível à partida se for o maior partido parlamentar.
Não há golpe de secretaria que supere o eventual défice de representatividade parlamentar do PSD.
Adenda
Afinal, a peregrina ideia do grupo parlamentar conjunto viola explicitamente o próprio acordo de coligação eleitoral entre o PSD e o CDS. Lá se vai a precipitada manigância!
Manipulação (quase) absoluta
A campanha militante e descarada dos média a favor da coligação de direita - que é um dos traços marcantes destas eleições - atinge em alguns casos foros da mais ostensiva manipulação informativa, como nesta manchete do Sol de hoje.
Primeiro, o semanário atribui uma média de 41% à coligação nas sondagens; ora, as sondagens referidas pelo próprio semanário não dão essa média e as três sondagens ontem publicadas (muito próximas entre si) dão uma média inferior a 38%. Mesmo com esse bónus superior a 3%, a coligação de direita não atinge a maioria absoluta (a não ser que agregasse os três deputados imaginados para o PDR!...), pelo que a manchete a subentender o contrário é pura manipulação.
Segundo, no diagrama do hipotético parlamento resultante dessa previsão, é apresentada a soma dos deputados do PSD e do CDS, sem discriminação do número de cada um, como se a coligação se mantivesse depois das eleições, o que, como se sabe, não é verdade. Ora, mesmo com o generoso bónus que o semanário dá aos dois partidos em conjunto, o PSD tem somente mais seis deputados do que o PS, o que deixa entender que com os resultados bem inferiores das sondagens de ontem para a coligação de direita os socialistas poderiam ter o maior grupo parlamentar, o que poria em causa a legitimidade do PSD para formar governo.