sábado, 14 de novembro de 2015

UE a falhar na crise dos refugiados, como na luta contra terrorismo

"A UE está a falhar na crise dos refugiados, tal como está a falhar no combate contra uma das causas fundamentais dessa crise: o terrorismo do Daesh. Os Governos da UE estão a enganar os cidadãos quanto à sua defesa e segurança, com derivas nacionalistas que fragmentam a União e impedem acção coordenada. A resistência a acolher e proteger os refugiados que chegam da Síria, Iraque e vizinhança constituem ameaça existencial aos valores e princípios da UE, além de fazer o jogo dos terroristas, que visam precisamente destruir a democracia, no mundo árabe e na Europa. Os desafios de segurança com que estamos confrontados só se vencem com convergência estratégica, partilha e sinergia de recursos e de capacidades. Precisamos desesperadamente de mais União, não de menos."

Era parágrafo final de um artigo que escrevi em Outubro, depois de uma visita ao Curdistão iraquiano, e que propus ao EXPRESSO, PUBLICO e DN. Nenhum teve interesse em publicar. Pode ler-se agora na ABA DA CAUSA: http://aba-da-causa.blogspot.ae/2015/11/este-foi-um-texto-que-escrevi-em.html

sexta-feira, 13 de novembro de 2015

Suma hipocrisia política

1. Rendidos ao mais pedestre radicalismo no combate político, o PSD e o CDS prosseguem na sua cruzada para contestar a (incontestável) legitimidade democrática da rejeição parlamentar do seu governo de coligação (minoritário) às mãos de uma maioria parlamentar de esquerda.

2. Para além do excesso trauliteiro, impróprio de partidos de governo, o que espanta é a suprema hipocrisia disto tudo.
Ninguém deve ter dúvidas de que, numa situação inversa - ou seja, em que o PS tivesse ganho umas eleições com maioria relativa e o PSD e o CDS, tendo concorrido separados, somassem uma maioria parlamentar na AR -, esses partidos fariam precisamente o que agora tão veementemente condenam, ou seja, chumbariam na AR o governo minoritário do PS e fariam um acordo de governo entre si para o substituir.

3. Convém acrescentar que a referida situação nunca se verificou até agora. Apesar de ter havido vários governos minoritários do PS, a direita unida nunca teve maioria absoluta para os derrubar; mesmo assim, o PSD chegou a apresentar uma moção de rejeição contra o Governo Guterres II em 1999. Em todo o caso, não está excluído que aquela hipótese se possa verificar no futuro.

Adenda
É evidente que, se perguntados sobre o que fariam nessa hipótese, eles negarão a pés juntos. Mas, para além de ninguém acreditar neles, sempre ficaria a declaração registada para memória futura.

Divergências


1. A não ser que o caso fosse de "sangria desatada", o Governo demitido deveria ter deixado  o caso TAP para o seu sucessor. Todavia, consumada a privatização, parece-me evidente que o PS não vai poder votar a favor desta iniciativa do PCP, que teria enormes custos para a empresa e para o País. Por mais que o PS discorde da privatização da maioria do capital, só pode aspirar a negociar o papel do Estado na empresa com os seus novos donos.

2. Esta primeira divergência entre o PS e o PCP, que não vai ficar solteira, mostra por que é que não podia haver um governo de coligação à esquerda. Resta saber se a repetição de divergências como esta não vai perturbar o clima das relações dentro da "maioria de esquerda", com os danos colaterais que se podem imaginar...

quinta-feira, 12 de novembro de 2015

Passou-se mesmo!


É oficial: a direita "passou-se mesmo dos carretos". Depois de ter mostrado ao longo destas semanas que se está marimbando para as regras mais elementares da democracia parlamentar, vem agora mostrar que se está marimbando também para a própria estabilidade constitucional, propondo a abolição ad hoc de uma dos peças essenciais do nosso sistema de governo, só para satisfazer o seu ressentimento e revanchismo político, como se não pudesse esperar seis meses pelas eleições que exige. O País que se lixe!
O PS não deveria sequer responder a esta tonteria irresponsável, mais própria dos pequenos grupos radicais do que de um partido com as responsabilidades do PSD. Alguém devia aconselhar uns comprimidos para a azia política...

Podem esperar sentados!


1. Esta notícia esquece que as eleições de 4 de outubro retiraram maioria parlamentar à direita, que também perdeu condições de governar.
Penso que a nova maioria parlamentar deve cessar imediatamente o financiamento público do ensino privado, salvo nos estritos casos (se é que há algum hoje em dia) de falta comprovada de escola pública nas proximidades e a título transitório, enquanto faltar oferta de ensino público (que é obrigação do Estado assegurar). Fora dessas condições o financiamento público do ensino privado é constitucionalmente descabido e politicamente insustentável nas atuais condições de frugalidade orçamental.
O Estado tem uma estrita obrigação constitucional de manter a escola pública, não o ensino privado, não podendo desviar verbas que faltam àquele para subvencionar este. Era o que faltava!

2. A liberdade de ensino, no estreito sentido de liberdade de criação e de frequência de escolas privadas em vez da escola pública está tão garantida em Portugal como a liberdade de optar por serviços de saúde privados em vez do SNS, por arbitragem privada em vez dos tribunais oficiais, por serviços de segurança privados em vez da PSP, etc. Em nenhum desses casos existe algum dever de financiamento público desses serviços privados.
A liberdade de frequentar escolas privadas não implica nenhum direito de o fazer à custa do orçamento do Estado, muito menos à custa da escola pública. Para favor já bastam as deduções de despesas de ensino em sede de IRS.

"Parlamentarismo racionalizado"


Eis abertura da minha coluna de hoje no Diário Económico, sobre a demissão parlamentar do Governo minoritário de Passos Coelho numa lógica de "moção de censura construtiva", que é uma peça essencial do chamado "parlamentarismo racionalizado".
Será que esse precedente vai vingar doravante como nova "praxis" das moções de rejeição parlamentar dos governos, evitando as "moções de censura negativas"?

Espetacular!


Esta notícia tem um duplo "picante". Primeiro, dá gozo ver o outrora campeão da anti-austeridade, o governo do Syriza, a ser vítima de uma greve geral por causa da austeridade agora aplicada por ele-mesmo. Segundo, verifica-se que o próprio Syriza apoia a greve contra o seu próprio Governo, seguramente com o virtuoso propósito de dar-lhe força para não cumprir as obrigações que assumiu no III plano de resgate que teve de pedir.
Espetacular, o contorcionismo, a duplicidade e o cinismo politico da esquerda radical quando chega ao governo!...

Adenda
Um leitor matreiro diz que ainda há de ver algo de semelhante em Portugal, ou seja, uma "greve geral" da CGTP apoiada pelo PCP (como sempre), mas desta vez com o benévolo objetivo de incentivar o Governo do PS (que por uma vez o PCP diz apoiar) a travar o "necessário combate" contra a "austeridade imposta por Bruxelas". Bem imaginado!

Sem alternativa (2)

1. Depois de rejeitado o seu Governo pela AR, a direita decidiu pressionar o Presidente da República para abrir uma guerra com o parlamento sobre a nomeação do inevitável governo do PS, nomeadamente submetendo-o a condições políticas e programáticas discricionárias. Uma comentadora da direita mais afoita veio defender mesmo que o PR deveria exigir a entrada do BE e do PCP no Governo, de modo a torná-lo um "governo de coligação" (forçada)!

2. Independentemente da questão de saber se o PR tem poderes constitucionais para ditar condições sobre a composição ou sobre o programa dos governos antes de os nomear (e não se vê onde eles estejam previstos na Lei Fundamental), a verdade é que isso só faria sentido se o PR pudesse ameaçar com a dissolução parlamentar ou tivesse outra alternativa de Governo.
Ora, como vimos no post antecedente, nas circunstâncias existentes Belém não tem outra opção senão nomear o Governo resultante do acordo que levou à rejeição parlamentar do novo executivo de Passos Coelho (numa lógica de "moção de censura construtiva"), Não tendo alternativa, o PR também não tem poder para condicionar nem a composição nem o programa do novo Governo.

Adenda
Aliás, se o PR imprudentemente decidisse interferir na composição ou no programa do Governo PS, e se António Costa aceitasse essa ingerência, sacrificando a autonomia do executivo perante o Presidente, então Cavaco Silva tornar-se-ia automaticamente corresponsável pelo eventual inêxito do Governo, pondo em causa a estrita irresponsabilidade constitucional do segundo perante o primeiro.

Sem alternativa (1)

1. Ao contrário do que pretendem alguns observadores de direita, o Presidente da República não tem alternativa à indigitação de António Costa como chefe do próximo Governo.
Um governo demitido pela AR só pode manter-se em funções pelo tempo necessário para o PR nomear outro (salvo se puder optar pela dissolução da AR, o que não é o caso). Demitido o Governo pela AR, o PR tem obrigação constitucional de nomear outro, por duas razões: (i) porque seria um verdadeiro desafio à autoridade do parlamento (contempt of parliament) manter em funções deliberadamente um governo rejeitado pela AR e que, portanto, perdeu toda a legitimidade para continuar em funções ; (ii) porque o "regular funcionamento das instituições" - que compete ao Presidente assegurar - supõe naturalmente um governo em plenitude de funções.

2. Nas circunstâncias, o Presidente só poderia evitar a nomeação de António Costa, se tivesse outra alternativa de governo no atual quadro parlamentar. Ora, essa alternativa não existe, tanto mais que ao demitir o novo Governo de Passos Coelho, os partidos da oposição fizeram-no justamente na base de um governo alternativo que tem o seu apoio maioritário.

Direita birrenta

Depois da derrota parlamentar, a direita entrou em modo birrento e confrontacional.
Só assim se compreende que tenha insistido no debate de propostas feitas pelo Governo antes da sua rejeição parlamentar, quando a Constituição é explícita quanto à sua caducidade com a demissão do Governo (CRP, art. 167º-6).
Depois de ter contestado as regras mais elementares da democracia parlamentar, a direita contesta agora diretamente as mais inequívocas normas constitucionais. Um despautério!

quarta-feira, 11 de novembro de 2015

O Semestre Europeu e a injustiça fiscal...

"O Deputado Paulo Rangel tentou por em causa a legitimidade democrática de um governo à esquerda em Portugal, que, cumprindo os compromissos europeus, tente corrigir a devastadora deriva austeritária que empobreceu drasticamente o País, obrigou mais de 500.000 portugueses a emigrar nos ultimos 4 anos e não reduziu, só aumentou, o endividamento público e privado.
Mas, Sr. Comissário Dombrovkis, é a si que eu pergunto se a Comissão Europeia não tem vergonha da desigualdade activamente fomentada pelas políticas que a Troika abençoou em Portugal, incluindo a amnistia fiscal de 2012, que  serviu para lavar, legalizar e manter milhares de milhões em paraisos fiscais, sem sequer os obrigar a repatriar, apesar de serem produto de fraude e evasão fiscais e de corrupção. Ou continua a não ver o esquema de beneficios e isenções fiscais que, em total opacidade, o Governo Português prosseguiu nestes 4 anos, favorecendo grandes empresas e o grande capital, enquanto sobrecarregava de impostos quem trabalha?
Será que a Comissão vai usar o Semestre Europeu para corrigir as políticas fiscais regressivas e obscenas em Portugal e noutros Estados Membros, por políticas pró-europeias, pró-crescimento e pró-justiça social e fiscal?"

Esta foi a Intervenção que fiz  esta tarde no debate em plenário do PE sobre o Semestre Europeu, em que Portugal veio muito à baila. O Comissário respondeu que a CE usaria o próximo Semestre Europeu para incentivar os EMs a corrigirem as políticas fiscais, em particular com a redução de impostos sobre trabalhadores com baixos salários. A ver vamos! 


terça-feira, 10 de novembro de 2015

Um pouco mais de chá democrático, sff (2)

1. O mantra da direita, mil vezes repetido, é o de que "quem ganha as eleições tem direito a formar governo".
De acordo com as regras da democracia parlamentar não é assim necessariamente, quando quem ganha não tem maioria absoluta. Mas é assim que as coisas se passam entre nós. E foi isso o que sucedeu mais uma vez; o PSD foi chamado a formar governo, fez uma coligação com o CDS, o Governo foi nomeado e empossado e encontra-se agora a prestar provas na AR, como a Constituição manda. Portanto, o seu "direito a formar governo" foi integralmente respeitado. Não foi nem "usurpado" nem "expropriado".

2. O que o Governo minoritário de direita não tem (nem nenhum outro o tem) é um alegado direito de não ser rejeitado pela AR, se não tiver uma maioria absoluta de apoio, como é o caso.  Trata-se de uma regra mínima da democracia parlamentar, onde os governos dependem da confiança parlamentar. Se a direita não obteve maioria absoluta nas eleições nem conseguiu um acordo pós-eleitoral para suprir esse défice de representatividade parlamentar, não pode impedir o funcionamento das regras constitucionais. Esse poder da AR é que eles não podem cancelar, como pretendem. É a vida, numa democracia constitucional!

3. A bancada governamental e a sua bancada parlamentar bem podem carpir-se, berrar, protestar, insultar os adversários, achincalhar as instituições, como têm feito neste debate lamentável.
Só revelam mau perder e défice de formação democrática (bem maior do que o seu défice de representação parlamentar).

segunda-feira, 9 de novembro de 2015

Um pouco mais de chá democrático sff.


Esta acusação é um dislate político, que mostra o desespero e a falta de chá democrático da direita quando as coisas não lhe correm bem. Quando perde o poder até as boas maneiras políticas perde.
Como tenho dito várias vezes, o acordo de governo feito à esquerda pode ser o pior do mundo, politicamente falando, mas é inatacável sob o ponto de vista da legitimidade constitucional e da moral política. Decididamente, a direita deveria aproveitar o próximo afastamento do Governo para fazer reciclagem democrática num curso elementar de democracia parlamentar.

Adenda
Não sou fã da solução de governo que aí vem, longe disso. Mas só para ver o destrambelhamento da direita na iminência da perda do poder e a perda do verniz democrático, vale a pena.

Nem mais um euro (2)

Pior do que a reversão da concessão dos transportes urbanos de Lisboa e do Porto, só a proposta de o Estado retomar o controlo do capital da TAP, que os novos donos da empresa obviamente rejeitarão, obrigando o Estado a retomar todo o capital.
Mesmo que o contrato de privatização não chegue a ser assinado, a proposta de reversão custará desde logo muitos milhões de euros de indemnização de custos e dinheiro adiantado pelos compradores. Depois, como a companhia necessita urgentemente de capital, terá de ser o Estado a proporcioná-lo; e como a Comissão Europeia só autorizará essa ajuda de Estado (se autorizar...) com significativas contrapartidas, o preço vai ser a diminuição substancial da dimensão e das operações da TAP. No final, uma TAP mais cara e de escala mais reduzida.
Não consigo ver as vantagens deste negócio. Como referi aqui, a má gestão pública e o controlo sindical da TAP já custaram ao País muito dinheiro ao longo das últimas décadas. Por minha parte, não estou disponível para contribuir com mais um euro para voltar ao mesmo. Para esse peditório já dei.

Adenda
Para uma visão preocupante da reestruturação das empresas aéreas europeias ver esta elucidativa notícia.

Benefício da dúvida

Não participo na celebração da epifania das esquerdas e duvido que a parceria tenha vida longa.
Penso que não existe a "química" necessária à solidez das alianças duradouras e à simples lealdade e confiança imprescindível em toda a cooperação política não ocasional. É menos aquilo que as une (o Estado social e os direitos dos trabalhadores, mesmo aí com diferenças assinaláveis) do que aquilo que as separa (democracia liberal, economia de mercado, papel do Estado na economia, disciplina orçamental, União Europeia, euro, alianças internacionais). Há décadas de hostilidade recíproca acumulada e, muitas vezes, de inimizade e de ressentimento antissocialista militante por parte da extrema-esquerda.
Não ignoro os milagres que a necessidade e o voluntarismo político podem gerar. Mas a necessidade é má conselheira e o voluntarismo é muitas vezes vizinho do oportunismo e da reserva mental. Poderá haver alguma sinceridade no apoio da esquerda radical a um governo social-democrata, ainda por cima numa situação em que o Estado não pode abrir os cordões à bolsa para financiar dispendiosas políticas sociais?
Nestas situações, no entanto, é de bom tom deixar em aberto o benefício da dúvida. Também gostaria de estar enganado!

Eleições em Myanmar - a Lady, os Generais, e os mais...

"Eleições em Myanmar: a Lady e os Generais

A Birmânia, "tigela de arroz da Ásia" na independência em 1948, transformou-se - em 60 anos de conflito inter-étnico armado e 50 anos de ditadura militar - em Myanmar, um dos mais pobres e atrasados países do Sudeste Asiático. A ponto de levar os próprios militares a considerar a soberania nacional ameaçada quando a dependência económica da vizinha China se tornou asfixiante: a necessidade de reequilibrar relações (com o Ocidente) explica a transição ensaiada através do assento parlamentar de Aung San Suu Kyi, a líder da oposição ostensivamente roubada em 1990 (a NLD obteve 81%), via "eleições" intercalares em 2012.
Seguem-se as eleições de 8 de Novembro, que poderão vir a ser as mais abertas e competitivas que o povo de Myanmar já conheceu, mas se desenrolam num contexto legal, institucional e político que não corresponde aos padrões internacionais exigidos para eleições democráticas: a Constituição, imposta pela Junta Militar em 2008, reserva a militares 25% dos assentos nas Câmaras Alta e Baixa da Assembleia Nacional e das Assembleias Regionais e sectores da governação; a Comissão Nacional de Eleições não é independente; credenciação de candidatos e registo de eleitores prestaram-se a manipulações antes, durante e depois da votação - não se sabe quantos eleitores estão inscritos, quantas as mesas de voto, como vai ser controlado o "voto antecipado". Para não falar nos milhares (milhões ?), designadamente das minorias étnicas, não registados e, portanto, impedidos de votar.
Mas estas são contingências aceites pela histórica NLD (Liga Nacional para a Democracia), que acredita chegar ao poder finalmente. E pela comunidade internacional, que não desperdiçou a oportunidade de, pela primeira vez, observar o processo, ajudar na capacitação da máquina eleitoral e na educação  cívica, sempre democraticamente muito compensadora.
É longa a lista de insuficiências, irregularidades e violações da lei e do "fair play" eleitoral relatadas aos observadores internacionais, como os do Parlamento Europeu que eu chefio e se articulam com a Missão de Observação Eleitoral da UE, no terreno desde Setembro. Uma lista indissociável da polarização e das contradições entre forças nacionalistas (NLD e USDP, dos militares no poder) e as representativas das minorias étnicas. E também por via do extremismo religioso do budismo dominante, contra a minoria muçulmana, em particular os Rohingya, no Arakan.
Mas nada impedirá o povo de ir votar no domingo. A promessa eleitoral da NLD é só uma: mudar para haver governação democrática, diálogo, reconciliação nacional, paz. Nas reportagens da BBC antecipa-se uma "landslide" que torne a Lady, impossibilitada constitucionalmente pelos generais de ser Presidente, em determinante "Kingmaker" (capacitação política da veterana liderança da NLD é investimento esperado de UE e EUA). Defensores de direitos humanos e outros actores e activistas birmaneses preferem a NLD a ganhar moderadamente, de forma a não assustar os generais, que podem usar o extremismo budista e muitos outros recursos para inviabilizar a governação NLD. Diálogo e compromisso também são fundamentais com a que seguirá sendo a mais poderosa instituição do país, a militar - que organizou e quer controlar a transição para o poder civil."


Esta é a versão integral do artigo que escrevi para o "Diário Económico" na noite antes do acto eleitoral que se realizou no Myanmar (Birmânia). Versão que teve de ser cortada para caber no limite de 2000 caracteres.
Depois do que observei ontem em Rangum e arredores - esmagador afluxo de eleitores, extraordinária participação cívica e primeiros resultados da contagem a indicar que a NLD vai conseguir uma significativa vitória - mantenho tudo o que escrevi. 
E mantenho, reforçada, a apreensão que deixei implícita no artigo - a NLD vive muito da figura da Lady - Aung San Suu Kyi -  embora tenha uma vibrante base de activistas capazes e organizados. Mas há também uma preocupante desconexão funcional entre essa base e a gerontológica liderança no topo. 
Capacitação para o funcionamento democrático da NLD e para a governação democrática se afirmar face ao poder que vão manter os Generais -  é aquilo em que a UE mais tem de investir. Urgentemente.

Sent from my iPad

sábado, 7 de novembro de 2015

Nem mais um euro

Um das piores medidas do anunciado programa de governo do PS é a reversão da concessão dos transportes coletivos de Lisboa e do Porto, não somente porque isso vai custar ao Estado (ou seja, aos contribuintes) muitos milhões de euros de indemnização por responsabilidade contratual, mas também porque os défices de exploração e os encargos da dívida das empresas vão voltar a ser suportados pelo orçamento do Estado, ou seja, pelos contribuintes de todo o País, que já pagam os seus próprios transportes públicos locais e que não têm nenhuma obrigação de subsidiar os de Lisboa e do Porto, como tem sucedido ao longo de muitos anos.
Nem mais um euro do orçamento para os transportes de Lisboa e do Porto! Os transportes públicos urbanos devem ser uma  responsabilidade municipal ou intermunicipal, não do Estado.

Adenda
Além disso, com a regresso às mãos do Estado, os transportes de Lisboa e do Porto, pela importância eleitoral dessas cidades vão voltar a ser carne para canhão das famosas "greves gerais" da CGTP (que na verdade não passam de greves do setor público), como é tradicional. Só esta medida vale o acordo para o PCP!

Portucaliptal

Uma das boas medidas do anunciado programa do próximo governo PS é a revogação do decreto-lei do Governo PSD-CDS que liberalizou a plantação do eucalipto - um miserável frete à fileira agroindustrial da celulose.
Mas é pouco. Como propus antes, urge parar o financiamento público do eucalipto (o que é um escândalo) e, em vez disso, passar a taxar a sua plantação. Em vez de gastar dinheiro a ajudar a dar cabo dos solos e da paisagem do país, o Governo passaria a receber algum dinheiro com a praga.

Um governo, vários acordos

1. Então, a ver se compreendo o que ainda se não conhece inteiramente sobre o "acordo de governo à esquerda".
Pontos firmes são os seguintes:
- não vai haver um governo de coligação à esquerda liderado pelo PS, mas sim um governo do PS apoiado externamente em "acordos de sustentação parlamentar" com o PCP e com o BE;
- também não vai haver um programa comum de governo, mas sim um programa de governo do PS que incorpora os compromissos pontuais por ele assumidos com os de mais partidos;
- tampouco há um acordo de sustentação parlamentar a três, mas sim acordos bilaterais separados, parcelares e distintos do PS com o PCP e com o BE (deixo de fora o PEV que é uma simples sucursal do PCP), porque estes não se entendem entre si.

2. Pontos que se podem inferir são os seguintes:
- tudo indica que não vai haver à partida uma manifestação formal de apoio parlamentar ao Governo do PS por parte do PCP e do BE expresso numa moção de confiança;
- aparentemente, nem sequer existe um compromisso firme antecipado do PCP e do BE de não porem em causa a trajetória prometida pelo PS quanto ao saldo orçamental (défice nominal, défice estrutural, saldo primário) e da dívida pública ao longo da legislatura, pelo que cada orçamento vai ter que ser negociado entre as partes, mantendo o PCP e o BE a chave do poder negocial.

3. Se entendo bem, portanto - e sob reserva de desconhecimento do teor dos acordos firmados -, o PCP e o BE obtiveram alguns ganhos significativos quanto ao termo da austeridade orçamental, comprometendo-se para já somente a deixar passar o Governo, sem porém se vincularem antecipadamente a apoiar outras medidas governamentais com que não concordem, incluindo os orçamentos.

Adenda
Prescindi de utilizar a exotérica expressão "acordo de incidência parlamentar", que - vá-se la saber porquê - se tornou usual no nosso jargão político.

quinta-feira, 5 de novembro de 2015

"Semipresidencialimo" ou "poder moderador"?


Este é o lead da minha coluna de hoje no Diário Económico. Haverá alguma vantagem em qualificar de "semipresidencialista" um sistema de governo que apresenta os principais traços do sistema parlamentar sem possuir nenhum dos traços essenciais do sistema presidencialista?

Ser de esquerda

Comentando o meu post abaixo contra o aumento geral das pensões, um leitor diz que devo ser "o único pensionista contra".
Imagino que não deve haver muitos, mas estou habituado a defender aquilo que me parece justo mesmo que vá contra os meus interesses pessoais. Aliás, não vejo como é que alguém da classe média pode ser genuinamente de esquerda se não estiver disponível para defender posições contrárias aos seus próprios interesses, como, por exemplo, IRS progressivo, imposto sobre sucessões de valor elevado, prestações sociais familiares apenas para quem não tem recursos, preços das utilities (água, transportes públicos, etc.) que cubram pelo menos os custos (com tarifas sociais para quem tem menos rendimentos), etc. Mas, pela mesma razão, e ao contrário da esquerda irresponsável, sou a favor do pagamento de portagens nas autoestradas, de taxas moderadoras no SNS (com as devidas isenções) e de propinas no ensino superior (com bolsas de estudo para quem não pode pagá-las), etc.

Adenda
Ser a favor de um generoso Estado social é fácil. O problema é que são cada vez menos os que estão dispostos a pagá-lo...

Contraproducente

Um leitor reagiu indignado à minha afirmação sobre o salário mínimo no post precedente e afirma que estou de certeza enganado.
Não tem razão. Como referi há uns meses, usando o conhecido critério da relação entre o salário mínimo e o salário mediano, a verdade é que o nosso SMN está muito bem colocado no ranking europeu. Num país onde os salários são em geral muito baixos não se pode esperar que o salário mínimo seja alto.
Considero o salário mínimo uma garantia necessária de um mínimo de dignidade na remuneração do trabalho e sou a favor da sua atualização periódica; mas o seu valor não pode afastar-se tanto da produtividade do trabalho não qualificado que acabe por vitimar aqueles mesmos que pretende proteger. Apesar de tudo, é preferível ter um emprego menos bem remunerado do que não ter emprego nenhum porque as empresas menos competitivas deixam de poder pagar.

Adenda
Conhecido o aumento do salário mínimo no anunciado programa de governo do PS - quase 20% nos próximos quatro anos (de 505 para 600 euros) -, é fácil verificar que ele fica muito acima da projeção de crescimento económico acumulado (cerca de 7 %) e da inflação acumulada (cerca de 5%) no mesmo período de tempo  (extrapolando as previsões da Comissão Europeia até 2017).

quarta-feira, 4 de novembro de 2015

O PCP não quer acordo nenhum?


Neste comunicado hoje tornado público, na fase crítica das negociações com o PS, o PCP insiste em objetivos imediatos que ele sabe serem obviamente inaceitáveis, como, entre outros, o aumento de salário mínimo nacional para 600 euros já em 2016.
Com uma baixa produtividade e com um desemprego elevado, uma subida excessiva do SMN (que já é relativamente elevado em termos comparados) seria irresponsável, pois não só não passaria na concertação social como iria causar mais desemprego e mais falsos recibos verdes.
Ou se trata de uma chantagem política de última instância sobre o PS, que parece disposto a pagar um preço alto pelo acordo, ou o PCP vem declarar urbi et orbi que não está a fim de entrar no jogo...

Adenda
De um leitor: «Apenas para lhe dar outra perspetiva sobre essa situação: eu não excluiria a possibilidade de se tratar de retórica para militante/eleitor CDU ver, num momento em que as coisas podem estar quase fechadas com um resultado final bem diferente do ora reivindicado».
Minha resposta: «Sim, provavelmente é isso. E depois dizer: "Lutámos até à última por isto mas os malandros dos socialistas recusaram".»

Pântano político

Causou alguma excitação política esta notícia no Público de hoje.
No entanto, lidas as declarações atribuídas ao PM, ele limita-se a dizer o óbvio, ou seja, que se o seu Governo não passar na AR ele se mantém em funções de gestão até ser substituído, o que aliás não é um direito, mas sim uma obrigação constitucional. O resto da peça, ou seja, que ele aceitaria ficar indefinidamente em gestão caso o PR não nomeasse um novo governo, é especulação jornalística.
Como expliquei aqui e aqui, uma tal situação seria constitucional e politicamente insustentável. Aliás, mesmo que o PR caísse nesse abuso de poder qualificado, no que não acredito, duvido que o PM aceitasse de bom grado permanecer em funções indefinidamente depois de rejeitado pela AR, privado de poderes efetivos e sujeito à humilhação política quotidiana de ter de executar as decisões de uma maioria parlamentar hostil, essa em plena efetividade de funções.
Pela lógica das coisas, Passos Coelho deve ser o primeiro a não aceitar um pântano político desses.

terça-feira, 3 de novembro de 2015

Não é bem assim

Carlos César não acredita «que um socialista prefira um Governo PSD/CDS-PP com o apoio do partido a um Governo socialista com o apoio do PCP e do Bloco de Esquerda».
Só que a dicotomia que está em cima da mesa não é essa, mas sim entre um Governo do PSD/CDS com a oposição do PS e o tal governo socialista com apoio do PCP e do BE, ou seja (como expliquei aqui, aqui e aqui), entre um PS a liderar uma oposição forte ao governo minoritário da direita ou a liderar um governo problemático (para dizer o menos) com a extrema-esquerda parlamentar.

Adenda
Parece-me óbvio que se não chegar a haver um acordo à esquerda a alternativa que resta ao PS não é propriamente "servir de mulata" ao governo de direita!

segunda-feira, 2 de novembro de 2015

Risco


São notícias como esta (apropriadamente ilustrada com o rosto da líder do Bloco...)
que fazem descrer na sustentabilidade orçamental de um acordo de governo do PS com a extrema-esquerda parlamentar.
As pensões constituem o principal fator de pressão sobre as finanças públicas. Manter os atuais montantes já requer uma exigente ginástica orçamental. Descongelá-las é um obvio risco para as necessárias metas de redução do défice orçamental e de aumento do saldo primário das contas públicas. Não se vislumbra onde está a margem orçamental para isso...

sábado, 31 de outubro de 2015

Reciclagem democrática

Pode obviamente defender-se (tal é o meu caso) que um acordo de governo do PS com a extrema-esquerda parlamentar não faz sentido, politicamente falando. Todavia, acusar um tal governo de "politicamente e moralmente ilegítimo", como insiste a nossa direita em dizer, faz ainda menos sentido, visto tratar-se de uma solução perfeitamente conforme à Constituição e às regras básicas da democracia parlamentar, sendo por isso inatacável sob o ponto de vista da legitimidade política e moral.
Decididamente, a nossa direita precisa de uma pequena reciclagem em matéria de convicção e formação democrática. E se só tem esse argumento para combater o governo de esquerda que aí vem, é melhor procurar outros.

quinta-feira, 29 de outubro de 2015

Jornalismo de sarjeta

1. Sem me querer pronunciar sobre o caso concreto Sócrates v Correio da Manhã, cujos contornos exatos desconheço, não me parecem porém fundadas as acusações absolutas de "atentado à liberdade de imprensa" e de "inconstitucionalidade" contra a aplicação das normas legais (nomeadamente o art. 70º do Código Civil e os arts. 878º e segts do CPC) que permitem aos tribunais, a título cautelar e a pedido dos interessados, impedir a publicação de escritos (em jornais ou livros) gravemente atentatórios da honra ou do bom nome e reputação ou da privacidade de alguém, nomeadamente de escutas telefónicas sob segredo de justiça.

2. É fácil mostrar porquê:
Primeiro, tal como todas as demais liberdades, a liberdade de imprensa não é absoluta, podendo ter de ceder em caso de colisão com outros direitos fundamentais ou outros valores constitucionalmente protegidos, como são os direitos de personalidade e o segredo de justiça (e outros, como o direito de resposta).
Segundo, os direitos e liberdades pessoais impõem-se diretamente tanto ao Estado como aos particulares, incluindo portanto os jornais;
Terceiro, a própria Constituição (art. 20º-5) obriga ao estabelecimento de instrumentos judiciais especiais, "céleres e prioritários", para a proteção dos direitos, liberdades e garantias pessoais, o que testemunha a primazia da defesa destes quando em colisão com os demais (incluindo a liberdade de imprensa); de resto, outros direitos, como o direito de propriedade, podem ser defendidos por medidas cautelares judiciais.
Por último, a liberdade de imprensa mede-se mais pela liberdade de informação e de opinião política e ideológica do que pela liberdade do "jornalismo de sarjeta" de lesar arbitrariamente os direitos de personalidade alheios.

Adenda
A expressão que serve de título a este post deve-se ao antigo presidente da comissão deontológica do Sindicato dos Jornalistas, Óscar Mascarenhas. O seu a seu dono.

Um novo tipo de coligações eleitorais?


Eis um excerto da minha coluna semanal de hoje no Diário Económico, onde proponho um novo tipo de coligação eleitoral que preserva a identidade politica e eleitoral de cada partido coligado.

Adenda
Um leitor objeta que a coligação eleitoral light que eu proponho (coligação de listas) é inconstitucional porque a Constituição só refere a "coligação de partidos" e que ela não vai avançar porque precisa de maioria de 2/3 na AR.
Mas não tem razão. Primeiro, a Constituição não proíbe tal mecanismo e só se refere às coligações de partidos para prever a apresentação de deputados em lista conjunta, não excluindo portanto coligações que não impliquem lista conjunta. Segundo, esta matéria não precisa de maioria de 2/3 e, de qualquer modo, não percebo por que é que algum partido se oporá a esta solução, que em abstrato é tão útil à esquerda como à direita.

segunda-feira, 26 de outubro de 2015

O Secretário de Estado não tem nenhuma razão, mais uma vez

1. O ainda secretário de Estado do Governo cessante, Pedro Lomba, veio defender que existe uma "convenção" entre nós segundo a qual quem ganha as eleições tem direito não somente a formar governo mas também a governar, não podendo portanto ser rejeitado na AR pela oposição, quando maioritária (como é o caso). Mas, mais uma vez, não tem nenhuma razão. Trata-se de uma descarada invenção de conveniência, uma verdadeira treta, como mostrei aqui.
A única "convenção" que existia era a de que quem ganha eleições, mesmo sem maioria, tem direito a formar governo e a defendê-lo perante a AR (só podendo ser rejeitado por uma maioria absoluta). E essa prática foi inteiramente respeitada com a indigitação de Passos Coelho, como sempre defendi.

2. Tal como quando defendeu, antes das eleições, que afinal não tinha de ser o partido mais representado na AR a formar governo (quando temia que fosse o PS), PL vem agora defender que não pode haver rejeição parlamentar do novo Governo PSD-CDS  (como a Constituição expressamente prevê), devendo os demais partidos respeitar um suposto "direito a governar" de quem ganhou as eleições, mesmo sem maioria absoluta. Era o que faltava!
Não, a "hora negra do regime" não está em um governo minoritário ser rejeitado na AR, mas sim no facto de a direita querer irresponsavelmente subverter o sistema constitucional de governo, contestando esse básico poder em qualquer regime de base parlamentar, como o nosso.
Será preciso recordar as regras mais elementares de democracia parlamentar (a que me referi aqui e aqui)?

Adenda
Um leitor acusa-me de, sendo afeto ao PS, estar a "puxar a brasa à minha sardinha". Sem fundamento, porém. Primeiro, nunca defendi posição diferente. Segundo, como é sabido, até sou de opinião de que o PS não deveria viabilizar a rejeição do Governo. Terceiro, ao contrário de PL, não tenho nenhum interesse pessoal nesta questão, pois não sou deputado nem putativo membro do governo.