sexta-feira, 1 de abril de 2016

Mais difícil

Tal como o Banco de Portugal, o FMI também não prevê que Portugal possa atingir as metas orçamentais para este ano, nomeadamente quanto ao défice e à divida, sem medidas orçamentais adicionais.
O Ministro das Finanças não se deixa impressionar, mas o aviso fica registado e o ónus de prova passou para o Governo. Só a efetiva execução do orçamento pode dizer quem tem razão. Antes do verão se verá...

O que fazer?


Vista de Portugal, onde o PS é governo, esta análise do declínio político da social-democracia na Europa pode parecer indevidamente pessimista. Mas não se pode enterrar a cabeça na areia em relação a um processo que não é de agora (já em 2010 o abordei neste artigo). Existe obviamente um problema com o desempenho eleitoral dos partidos socialistas e social-democratas, a perder votos para a direita e para a esquerda radical.
Mais grave ainda é a divergência quanto à via para enfrentar e reverter o declínio, entre a visão reformista inovadora de Renzi (Itália) ou de Muscat (Malta) e a visão conservadora dominante no PS francês ou recém-instalada no Labour de Corbyn.
É melhor começarmos a falar a sério sobre o assunto...

Amanhã estou aqui

«Marcelo e Ferro almoçam com antigos constituintes em Belém no sábado».

Maturidade constitucional


Entrada da minha coluna semanal de ontem no Diário Económico. Sobre os quarenta anos da CRP de 1976.
Há uma coisa que nenhuma Constituição consegue fazer, que é realizar-se a si mesma: são precisas políticas determinadas a isso. E há outra coisa que nenhuma Constituição pode impedir: que os governos aproveitem a liberdade política deixada pela Constituição para prosseguir más políticas.

quinta-feira, 31 de março de 2016

Miséria moral da política

No Brasil, o PMDB, que era o principal partido da coligação governamental da Presidente Dilma Roussef, decidiu romper a coligação e sair do Governo (onde tem vários ministros), preparando-se obviamente para apoiar a destituição (impeachment) da Presidente.
O que é escandaloso é que o líder do Partido, Michel Temer, que é vice-presidente da República (pela segunda vez desde 2011) com base nessa mesma aliança política que o PMDB agora rompe, e que "articulou" pessoalmente o rompimento, não vai abandonar o cargo, preparando-se para substituir a Presidente depois de lhe "tirar o tapete"!
Dizem eles que Temer é vice-presidente por força da eleição popular, o que é verdade. Mas só foi eleito por causa da aliança do PMDB com o PT nas eleições presidenciais e por ter sido incluído na  "chapa" da Presidente. Sendo a eleição conjunta, os votos que o elegeram foram os da Presidente, a quem deve obviamente a sua eleição e que ele se prepara para trair politicamente. Sucedendo nestas condições à Presidente destituída, qual poderá ser a sua autoridade e legitimitidade política como Presidente?
Para quem julgava que a vida política brasileira é uma selva sem lei nem ética, este exemplo de miséria moral é uma patente confirmação.

quarta-feira, 30 de março de 2016

Sim, mas

1. Só podem merecer aplauso as medidas constantes da proposta governamental relativa ao Programa Nacional de Reformas, a entregar pelo Governo em Bruxelas até ao fim de Abril, que tem um horizonte temporal de quatro anos e visa resolver alguns dos principais estrangulamentos da economia (défice de qualificação do trabalho, custos administrativos e judiciais, descapitalização das empresas, etc.) e reduzir o notório défice de equidade social em relação aos mais carenciados).

2. Todavia, o PNR não contempla caminhos para enfrentar outros fatores estruturais inibidores do investimento, do crescimento económico e da competitividade da economia, como são a enorme dependência económica e financeira externa (que drena para o exterior enormes recursos em juros e dividendos), o elevadíssimo nível de endividamento público e privado (famílias e empresas) e a preocupante falta de poupança e de capital interno.
Não há nenhuma vantagem em desvalorizá-los, muito menos em ignorá-los, à espera de soluções salvíficas. E parece evidente que nenhum deles se resolve com mais despesa pública à custa de mais dívida nem com mais consumo privado financiado a crédito.

Contra o mathusianismo profissional


Depois dos médicos, são agora os enfermeiros a solicitarem a contingentação administrativa do acesso à respetiva profissão. A justificação de fundo do malthusianismo profissional, normalmente travestida de nobres propósitos (como a qualidade da formação e da profissão), é sempre a mesma: reduzir a oferta de profissionais para diminuir a concorrência e aumentar o preço.
Sem prejuízo das limitações de capacidade das escolas públicas, a resposta do Governo a essa pretensão só pode ser negativa, desde logo por respeito da liberdade individual de escolha profissional, constitucionalmente garantida, e da contenção dos custos dos serviços de saúde.

Mais difícil

Com a revisão em baixa das previsões do Banco de Portugal este ano para todos os indicadores económicos relevantes (crescimento do PIB, do consumo e investimento privado e das exportações), que desatualiza as que serviram de base à elaboração do Orçamento de 2016 (que ainda nem sequer entrou em vigor), torna-se menos provável alcançar as metas orçamentais relativas ao défice (nominal e estrutural) e ao endividamento público sem medidas orçamentais adicionais.
É o que saberá antes do verão, quando se conhecerem os dados sobre o primeiro trimestre de execução (abril-junho).

sábado, 26 de março de 2016

Patriotismo bancário

Creio ser assaz ocioso o debate sobre os perigos da "espanholização" da banca nacional, por mais reais que eles sejam. A verdade é que os bancos nacionais precisam de capital e que:  (i) não há capital privado nacional disponível para o efeito (nem para esse nem para outros...) e o Estado já tem de cuidar da CGD; e (ii) não há muitos candidatos estrangeiros a investir na banca nacional, pelo que a alternativa à Espanha parece limitar-se ao capital angolano ou chinês, origens que não são necessariamente mais recomendáveis.
Ora, se os bancos ainda podem ter nacionalidade (?), já o capital, como se sabe há muito, "não tem pátria" (e o dinheiro, como já opinava o imperador Vespasiano, também não tem cheiro...).
A verdade é que em Portugal todos - indivíduos, empresas e Estado - somos bons a gastar e a endividarmo-nos perante o estrangeiro em vez de aforrar e de investir. Sendo assim, por que nos admiramos de dependermos do capital estrangeiro?!

Cidadania

1. Segundo noticia o Público, «na reunião desta quinta-feira [do Conselho de Ministros] foi também discutida uma "estratégia de educação para a cidadania", a ser concretizada nas escolas públicas, “com o objectivo de incluir nas saídas curriculares, em todos os graus de ensino, um conjunto de competências e conhecimentos” nesta matéria».
A iniciativa é boa e necessária. O problema é que um programa decente de educação para a cidadania precisa de tempos letivos adequados e de pessoal docente qualificado. A noticia é omissa sobre esse ponto crucial.

2. Nunca entendi como é que o ensino básico pode deixar de cultivar nos alunos os conhecimentos e as competências necessárias em matéria de organização do poder público, símbolos nacionais, direitos e deveres políticos e cívicos, democracia participativa, deveres sobre saúde pública e ambiente, responsabilidade social e financeira, além de sensibilizar os jovens para temas sociais transversais tão importantes como o bullying e o assédio, as drogas, o racismo e imigração, etc. etc.
Ontem como hoje, a escola republicana não pode limitar-se a ensinar Português e Matemática, no que aliás tem de primar pela excelência, devendo contribuir igualmente para a formação de cidadãos informados, atentos e responsáveis.
A apatia cívica e política começa do défice de educação cívica nas escolas.

sexta-feira, 25 de março de 2016

Autonomia

Compreende-se que um governo minoritário, que dispõe de um apoio problemático e imprevisível no parlamento, aproveite o esteio amistoso agora disponível no Palácio de Belém. Mas convém não exagerar. Por um lado, os apoios criam dependências e o vento em Belém pode mudar de direção; por outro lado, importa preservar a autonomia do Governo perante o Presidente da República (e vice-versa), por razões políticas e constitucionais.

quinta-feira, 24 de março de 2016

Ativismo presidencial

O novo Presidente da República não para de surpreender nas suas iniciativas inesperadas, sendo a última o convite a Mario Draghi, governador do BCE, e a Carlos Costa, o governador do BdP, para uma reunião do Conselho de Estado, que tem por objeto também a análise do próximo Programa Nacional de Reformas a enviar pelo Governo a Bruxelas, no âmbito da união económica e monetária.
Embora sem ser inédita, trata-se de uma iniciativa assaz surpreendente por vários motivos: (i) nem a Constituição nem o regimento do CE preveem a participação de convidados nas suas reuniões; (ii) a competência do CE limita-se a aconselhar o PR "no exercício das suas funções", não se vendo porém onde é que o PR tem alguma função própria na governação económica ou na regulação financeira da zona euro ou na apresentação e discussão do PNR.
O local apropriado para se ocupar dessas matérias é naturalmente a Assembleia da República. E o CE não é um propriamente um clube ou fórum de debate político nem muito menos um senado num sistema político bicamaral.
[Corrigido]

Adenda
Não é inédita a participação de titulares de cargos públicos nacionais, mas em assuntos diretamente relacionados com competências do PR.

Regionalização alternativa


Entrada do meu artigo de hoje no Diário Económico digital. Ou a regionalização territorial sem autarquias regionais.

O cheque presidencial

As metáforas podem ser mais eloquentes do que o discurso "chão". Assim sucede com a advertência de Marcelo Rebelo de Sousa, dirigindo-se ao Governo, de que nenhum Presidente da República passa "cheques em branco" a nenhum Governo.
Ora, no nosso sistema constitucional os governos não precisam de nenhum "cheque presidencial", nem em branco nem com o valor preenchido, visto que não dependem da sua confiança política nem são politicamente responsáveis perante ele, muitos menos são "agentes" seus. Como "quarto poder" moderador, o PR não deve ter preconceitos nem tomar partido a favor ou contra algum governo (lição que manifestamente Cavaco Silva não seguiu).
De resto, manda a discrição institucional que o PR observe alguma contenção nas manifestações públicas de convergência ou de divergência política em relação aos governos. São os governos, e não o Presidente da República, que têm a obrigação e a responsabilidade de governar e que prestam contas públicas perante a AR e os cidadãos pela sua governação.

Estabilidade financeira

Como confirmou da pior forma a crise financeira de 2008, com efeitos que ainda se não extinguiram, a estabilidade do sistema financeiro é um bem público inestimável, que o mercado só por si não garante - por isso é uma "falha de mercado" - e cuja defesa não é tarefa exclusiva da regulação e da supervisão financeira independente mas também dos governos e das políticas financeiras.
António Costa fez bem em sublinhar esse ponto em resposta à leviana crítica de Passo Coelho contra uma suposta ingerência do primeiro-ministro no funcionamento do setor bancário. Há setores da economia onde o "mão invisível" do mercado é ociosa.

quarta-feira, 23 de março de 2016

Lições de Bruxelas

1. Os ataques terroristas de Bruxelas reforçam os argumentos a favor de três ideias básicas para elevar o nível de segurança na União Europeia:
    - aumentar o controlo das fronteiras externas da União e dar mais meios ao Frontex (o serviço de fronteiras da União);
      - intensificar a coordenação dos serviços nacionais de informações de segurança ao nível da União e iniciar os preparativos para a criação de um serviço de informações da própria União (como já foi proposto pelo líder dos liberais europeus, Guy Verhofstadt)
     - agilizar os meios legais à disposição dos serviços de informações de segurança e das polícias até onde for permitido pela Carta de Direitos Fundamentais da União e pelas constituições nacionais;

2. Ao contrário da opinião de que os ataques terroristas em Bruxelas põem em causa a União, eles antes exigem o reforço das suas competências e poderes. Mais segurança igual a mais União. A UE também é constitucionalmente um "espaço de liberdade, segurança e justiça".

terça-feira, 22 de março de 2016

Ir à raiz

1. Depois de Paris, os mortíferos atentados de hoje em Bruxelas indicam que a vaga terrorista não vai ficar por aqui e que a Europa vai precisar não somente de muito investimento em segurança e defesa contra a barbárie do terrorismo islâmico mas também de muita resistência política e moral para não ceder ao medo nem às tentações populistas para abdicar das garantias e dos procedimentos do Estado de direito.
2. Não se pode pensar em livrar a Europa do terrorismo islâmico enquanto o seu mandante, organizador e financiador, o "Estado Islâmico", continuar a existir no território do Iraque e da Síria, cortesia das ilusões "neocon", primeiro dos Estados Unidos e depois da França e da Grã-Bretanha, de "mudança de regime" pela intervenção armada externa no Médio Oriente. Como aqui se advertiu bem cedo, a destruição do Daesh e a reposição da autoridade do Estado naqueles dois países deve ser a prioridade principal.
O "Estado Islâmico" declarou uma guerra sanguinária à Europa, que só pode terminar com a aniquilação e a erradicação do terrorismo islâmico na sua origem. Quanto antes!

Positivo mas insuficiente

Segundo o Conselho de Finanças Públicas, Portugal vai finalmente sair da situação de défice excessivo no próximo ano, alcançando um saldo orçamental negativo inferior a 3% no corrente ano. É bom, mas também não podia exigir-se menos do que isso, depois de o orçamento ter sido corrigido por imposição da Comissão Europeia.
Ainda assim, não é para embandeirar em arco. Longe disso.
Nas previsões do CFP, se não houver medidas orçamentais adicionais, o défice alcançará os 2,7%, bem acima do projetado no orçamento, com o inevitável reflexo num maior aumento da dívida pública. De resto, tendo o défice ficado em 3,2% no ano passado, a consolidação orçamental limita-se, portanto, a um modesto 0,5 percentual. Mais grave é a advertência da CFP de que, com os dados disponíveis, não vai haver qualquer redução do "défice estrutural", pelo contrário, o que contraria mesmo a modesta previsão da Comissão Europeia de uma redução de 0,1 ou 0,2 %, muito abaixo da exigida pelas normas orçamentais da UE.
Se esta previsão se mostrar fundada, é provável que a Comissão Europeia não fique tranquila.

Indefensável


Abertura da minha coluna da semana passada no Diário Económico. Contra a presidencialização da nomeação do governador do Banco de Portugal.

Adenda
Entretanto, como era de esperar, António Costa já veio dizer que não há lugar para nenhuma revisão ad hoc.

sexta-feira, 18 de março de 2016

Um pouco mais de convicção republicana, sff! (2)

Segundo a imprensa  hoje, o Ministério da Educação invocou a tradição para justificar a celebração de missas em escolas públicas no horário letivo.
Que escolas públicas organizem missas constitui uma grave violação da separação constitucional entre o Estado e as igrejas; mas que o Ministério competente, em vez de pôr cobro a tais práticas, as justifique em nome de uma alegada tradição constitui uma qualificada denegação das suas obrigações constitucionais. Num Estado laico, o Estado e as instituições públicas não têm religião e o único modo de respeitarem a liberdade religiosa dos cidadãos e a igualdade das convicções religiosas é serem neutros em matéria religiosa.
Se fosse um Governo de de direita, poderia compreender-se a falta de zelo em matéria de não-confessionalidade do Estado. Tratando-se, porém, de um Governo de esquerda, não se pode exigir menos do que um estrito cumprimento do princípio constitucional da laicidade do Estado, para não falar da fidelidade do PS à história e à cultura republicana...

Um pouco mais de convicção republicana, sff!

Segundo a imprensa, o convite do Presidente da República ao Papa ("Sua Santidade o Papa" na linguagem do Vaticano) para visitar Portugal tem em vista a comemoração do centenário das "aparições de Fátima", em 2017. Nas palavras citadas pelo Público, o PR disse: «"Trago comigo uma carta formal da República Portuguesa a convidar Sua Santidade a visitar Portugal a propósito do centenário das aparições de Fátima."
É evidente que o chefe da Igreja Católica tem todo o direito de celebrar tal centenário junto com bispos e os crentes portugueses. O que já não faz sentido numa Republica laica, cujo centenário passou há seis anos, é que o Estado se associe oficialmente a celebrações religiosas, por mais importantes que sejam. Era o que faltava, por exemplo, ver o PR ou o Governo participarem nessa qualidade nas cerimónias que venham a ter lugar! Os cidadãos que ocupam cargos políticos mantêm inteiramente o seu direito de participar, a titulo privado, em práticas religiosas, conforme as suas crenças; mas não na sua qualidade de representantes do Estado.

Belém já governa? (2)

A imprensa de hoje insinua que a decisão de este ano tornar facultativas para a escolas as anunciadas provas de aferição do ensino básico se ficou a dever à intervenção do Presidente da República e à sua oposição ao modelo decidido pelo Governo.
Sem desconhecer o poder de Belém de transmitir conselhos ao Governo, uma coisa parece óbvia: as decisões que cabem ao Governo devem ser assumidas exclusivamente por ele mesmo, sem tentar ou buscar a corresponsabilidade ou o conforto do apoio do PR. Com a eleição de MRS a sede do Governo não mudou para Belém nem passámos a ter uma chefia bicéfala do Governo.

Belém já governa?

Nas suas primeiras visitas ao estrangeiro (Vaticano e Madrid) - e estas prioridades têm óbvia leitura política -, o novo Presidente da República anunciou o convite aos seus anfitriões, o Papa e o Rei de Espanha, para visitarem oficialmente Portugal.
Sendo óbvio que tais convites não podem deixar de ter sido acordados com o Governo, que é constitucionalmente responsável pela política externa do País, por que é que os mesmos foram anunciados em primeira mão pelo PR, sem nenhuma referência ao Governo, como se se tratasse de competência própria, e exclusiva, de Belém?

quarta-feira, 16 de março de 2016

Sem precedente

Qualquer que seja o juízo sobre o orçamento para 2016 - e ele consegue o prodígio de dar um pouco a quase todos! - e sobre a sua exequibilidade - de que não poucos duvidam -, o facto de ele ter sido aprovado com os votos da estrema-esquerda parlamentar constitui em si mesmo um feito histórico, a assinalar nos anais da política portuguesaChapeau a António Costa!
Saber se o caso vai ter companhia, só no final do ano se saberá, na votação do orçamento para 2017.

Não dá para acreditar

«Lula aceita convite de Dilma e vai chefiar Casa Civil».
Ou a instrumentalização das imunidades constitucionais no seu pior. Depois do desastre económico em que o país mergulhou sobrevém o desastre político. O primeiro pode eventualmente passar sem um abalo social; o segundo, dificilmente.

segunda-feira, 14 de março de 2016

"Domínio espanhol"

Que admiração!
Um país que não tem capital nem poupança, que gasta irresponsavelmente o que tem e o que não tem e em que quase todos (Estado, empresas e particulares) vivem direta ou indiretamente pendurados no endividamento externo só pode esperar ser comprado aos bocados pelo vizinho mais abonado. Pelo menos, diversificamos os compradores estrangeiros (já não são somente os chineses e os angolanos) e compomos o saldo das contas externas!

sexta-feira, 11 de março de 2016

Falsos pecados

Entre os pecados atribuídos ao Acordo Ortográfico -- religião em que o jornal Público é sacerdote - contam-se normalmente dois, nomeadamente (i) o de que afinal o AO não está legalmente em vigor e o de que (ii) o AO admite grafias duplas. Sem fundamento, porém.
Primeiro, na nossa ordem constitucional os acordos internacionais valem na ordem jurídica interna sem necessitarem de ser transpostos por lei e até prevalecem sobre a lei doméstica preexistente, pelo que as suas normas só podem ser alteradas por novo acordo. Segundo, antes do AO já existiam numerosas duplas grafias das mesmas palavras, não apenas quando havia duas pronúncias (loura / loiralouça / loiça, bêbedo /bêbado,  organograma /organigrama, síndroma /síndrome, fêvera /febra, etc), mas também mesmo quando não havia (como, por exemplo, ruptura / rotura, carrossel /carrocel, urtiga /ortiga, etc.); o AO só trouxe novos casos de dupla grafia quando há pronúncia diferente no português europeu e no português do Brasil (facto e fato, contacto e contato, receção e recepção, etc.). De resto, a dupla grafia é um fenómeno corrente noutras línguas, como no Inglês.

Adenda
Um fenómeno intrigante é este: por que é que em geral os que usam o AO respeitam sem problemas o uso da antiga grafia pelos que se opõem àquele, enquanto estes em geral não cessam de chamar nomes feios aos primeiros e de lançar anátemas contra eles, quando estes se limitam a usar a ortografia oficial?

O SONHO DE SCHÄUBLE


(Paródia do episódio Inês de Castro dos "Lusíadas")

Estavam os mercados em sossego
dos seus juros colhendo doce fruto
naquele encanto de alma ledo e cego
que o Centeno não deixa durar muito;
as bolsas escalando com apego,
os olhos das agências bem enxutos,
saltando e sorrindo sem cuidado:
mas eis que Portugal tem outro fado!

Dos bancos alemães te respondiam
As lembranças que os créditos duravam,
Que sempre ante teus olhos te traziam,
Quando dos seus formosos se apartavam;
De noite, em doces ratings que mentiam,
De dia, em orçamentos que voavam;
E quanto, enfim, cuidava e quanto via
Eram tudo memórias de alegria.
De outras vãs políticas francesas
Ou de Keynes ciência vil enjeita,
Que tu, enfim, só o mercado prezas
Pois seu gesto suave te sujeita.
Vendo outras namoradas estranhezas,
O Teutão sesudo, que rejeita
O murmurar do povo e a fantasia
Do pobre que a ruína não queria
Tirar Centeno ao mundo determina,
Por lhe tirar o juro que tem preso,
Crendo co sangue só da morte indina
Matar da rebeldia o fogo aceso.
Que furor consentiu que a espada fina
Que pôde sustentar o grande peso
Do furor Boche, fosse alevantada
Contra ua fraca pátria delicada?
Traziam-a os horríficos algozes
À Comissão, movida a piedade;
O alemão, com falsas e ferozes
Razões, à morte crua os persuade.
As espadas banhando, e os atrozes
Défices de mentira e de verdade
Se encarniçavam, férvidos e irosos,
No futuro castigo não cuidosos. 

Poema de Luis Filipe Castro Mendes (poeta, embaixador, mas sobretudo meu velho, querido e sintonizado amigo)



quinta-feira, 10 de março de 2016

Que inveja!

«Irlanda cresceu 7,8% em 2015, o maior salto em 16 anos». E, de novo, o maior crescimento nos países da UE .
Ainda ontem estava em recessão e sob intervenção financeira externa, tal como Portugal. Mas, como é evidente, os milagres económicos não acontecem por acaso...