Blogue fundado em 22 de Novembro de 2003 por Ana Gomes, Jorge Wemans, Luís Filipe Borges, Luís Nazaré, Luís Osório, Maria Manuel Leitão Marques, Vicente Jorge Silva e Vital Moreira
sábado, 5 de novembro de 2016
Separação de poderes
Mesmo que não se compartilhe esta visão extremada da separação de poderes, seria conveniente evitar confusões. Por precaução.
Adenda
Não tem razão o leitor que me acusa de em 1982 ter passado diretamente da AR para o Tribunal Constitucional. Já não era deputado e tinha regressado à Universidade, quando fui convidado.
"Ultra vires"
Tudo o mais na nota de Belém sobre o assunto era escusado. Nas funções do Presidente não cabe intervir publicamente e emitir parecer, feito jurisconsulto oficioso (por melhores que sejam os argumentos) sobre a interpretação da questão legal, cuja decisão cabe ao Tribunal Constitucional. Há o princípio da separação dos poderes...
sexta-feira, 4 de novembro de 2016
"Free riders"
O sistema ADSE é hoje facultativo e inteiramente pago pelos inscritos, constituindo uma espécie de seguro de saúde complementar. Ora, nessas condições deve valer por inteiro o princípio beneficiário-pagador, não havendo nenhuma razão para facultar o acesso gratuito à ADSE a uma parte dos beneficiários, o que obviamente implica que todos os outros inscritos paguem essa "borla" com contribuições mais altas. Muito menos se justifica limitar o pagamento de uma contribuição aos familiares dos novos inscritos no sistema, o que cria uma óbvia desigualdade entre pessoas nas mesmas situações.
Como sempre, os pseudo-direitos adquiridos equivalem a privilégios, que são a pior forma de desigualdade.
[revisto]
Economia de mercado regulada
Amanhã vou estar aqui, a inaugurar este XVI Curso de pós-graduação em Regulação pública e concorrência, do qual sou corresponsável desde o início.
quinta-feira, 3 de novembro de 2016
Um pouco mais de rigor, sff
Lido sem mais, esse título deixa entender que a tal correspondência eletrónica desmentia a versão do ministro sobre o seu desconhecimento de que um membro do gabinete do Secretário de Estado da Juventude não possuía a licenciatura que lhe tinha sido atribuída no despacho oficial de nomeação. De facto, foi esse alegado conhecimento, insinuado pelo anterior Secretário de Estado, Wengorowius - de que o próprio "i" tinha feito grande eco -, que levou alguns partidos a pedir a demissão do Ministro. Ora, na agora invocada correspondência, obviamente disponibilizada pelo tal Secretário de Estado, absolutamente nada desmente a versão do Ministro quanto a esse ponto-chave.
Lida a notícia, afinal o que é alegadamente provado é somente que o Ministro procurou interferir na composição do gabinete do Secretário de Estado, o que teria levado à demissão deste. Mas obviamente não era isso que estava em causa na polémica política em que tinha procurado envolver o Ministro. E de qualquer modo pode perguntar-se o que é que haveria de politicamente censurável nessa tal "ingerência". Afinal, os secretários de Estado não são mais do que colaboradores de confiança dos Ministros. Quando ela se rompe, só resta a demissão. E a conduta posterior do Secretário de Estado, incluindo esta revelação de correspondência, só prova que ele não era digno de confiança...
Há coisas que não mudam
Há duas importantes reservas a este respeito. Primeiro, como desde há muito defendo, a responsabilidade pelo metropolitano de Lisboa deveria caber a Lisboa e demais municípios beneficiários e não aos contribuintes de todo o país, que não têm de financiar os transportes locais da capital (já pagam os seus próprios transportes locais). Segundo, o aumento dos gastos do Estado com os transportes de Lisboa (e do Porto) é feito à custa do investimento nas infraestruturas de transportes no resto do País, nomeadamente no modo ferroviário (rede e meios de transportes), como se torna notório no arrastamento dos projetos na rede ferroviária que são cruciais para as ligações externas do País (linha do Minho, linha da Beira Alta, nova linha Évora-Espanha, etc.), apesar da serem fortemente subsidiados pela UE.
Há coisas que não mudam com os governos, que antes de serem do país são governos de (e para) Lisboa. Como quase sempre sucede, os investimentos públicos buscam os eleitores e o poder...
quarta-feira, 2 de novembro de 2016
Invocar a Constituição em vão
Sem razão, porém. O estatuto legal dos gestores públicos, que data de 2007, consta de um decreto-lei que foi emitido sem credencial parlamentar - o que nunca foi contestado - e não existe nenhuma norma constitucional que inclua tal estatuto na reserva legislativa da AR. Tal sucede, é certo, em relação à lei-quadro das empresas públicas, que todavia nunca abrangeu o estatuto dos gestores públicos, que sempre teve legislação própria, separada daquela. Portanto, a alteração do regime dos gestores públicos não afeta a referida lei.
Os partidos de oposição são useiros e vezeiros em "constitucionalizar" artificialmente o debate político. Mas invocar a Constituição em vão é meio caminho andado para perder o próprio debate político.
Adenda
As únicas questões jurídicas que podem suscitar dúvidas são duas: (i) ao retirar os gestores da CGD do regime geral dos gestores públicos, o diploma de julho também os dispensou da obrigação de declaração de património e rendimentos no TC, ou esta continua a valer para todos os gestores de empresas do setor público, independentemente do seu estatuto específico? (ii) Independentemente dessa questão, a referida derrogação do regime dos gestores públicos em relação à CGD viola o princípio da igualdade de tratamento dos gestores das empresas do setor público, ou há especificidades que justificam a exceção para os gestores da CGD?
Malhas que a insensatez política tece
Encanzinar
Lamento desiludi-lo. Sucede que há uma lei de 2014 que impede os aposentados da CGA de prestarem serviços (todo o tipo de serviços) a entidades públicas, incluindo as empresas públicas (art. 78º do Estatuto da Aposentação, na redação de 2014).
É certo que essa norma não prevê sanções para a sua violação e que ela é correntemente desrespeitada por jurisconsultos aposentados. Mas também há quem tenha escrúpulos e entenda que as leis são para serem cumpridas, mesmo quando estúpidas e mesmo que se possam violar impunemente. Os escrúpulos têm custos, bem o sabemos...
Há outra desigualdade aqui, no respeitante às próprias empresas públicas, que estão no mercado em concorrência com empresas privadas, mas que ficam impedidas de concorrer em pé de igualdade com elas na aquisição de serviços jurídicos (e outros). Tendo em conta que a referida lei foi aprovada por uma maioria de direita, interrogo-me sobre se não foi propositadamente feita para "encanzinar" as empresas públicas...
terça-feira, 1 de novembro de 2016
Eucaliptugal
É pouco!
Primeiro, em vez de "travar a expansão" - que significa somente reduzir a velocidade da eucaliptização - deveria propor-se parar novas plantações e reduzir as existentes. Segundo, a reversão da área do eucalipto deveria incluir pelo menos as seguintes medidas:
- afastar o eucalipto da proximidade das linhas de água, de modo a permitir o desenvolvimento de bosques de espécies características desses habitats;
- remover os eucaliptos de encostas de pendor mais acentuado, de modo a reduzir a erosão dos solos pelas chuvas;
- acabar com as extensas áreas de monocultura do eucalipto, imponto a obrigação de bandas intercalares de outras espécies florestais, a fim de dificultar a transmissão dos fogos florestais e de preservar a diversidade biológica;
- interditar em absoluto o eucalipto em áreas de aptidão agrícola, em regadios e em parques naturais;
- aplicar uma taxa à plantação de eucaliptos, como contrapartida dos danos ambientais e outras "externalidades negativas" provocadas pela eucaliptização.
Decididamente, a força do lóbi da celulose é enorme e a vontade política de o enfrentar é frágil. Portugal parece estar mesmo condenado, sem remissão, a tornar-se um imenso Eucaliptugal.
Adenda
Fico curioso, à espera da posição dos nossos vários pseudo-partidos verdes, quando for do debate deste dossiê legislativo na AR...
segunda-feira, 31 de outubro de 2016
Pobre Língua
Ora, o que o líder do PCP disse, na sua habitual linguagem com laivos populares, foi que o PSD só queria "encanzinar" a questão da Caixa, ou seja, como dizem os dicionários, "criar dificuldades", "emperrar".
Mas o facto de jornalistas diplomados da agência pública de noticias e de um jornal de referência terem usado uma palavra inexistente e incompreensível - falsamente atribuída a um líder partidário que não costuma atropelar o Português - mostra bem os maus tratos a que se encontra sujeita a Língua. Enquanto umas dúzias de fundamentalistas - com o próprio Público à frente ! - continuam a gastar energias a contestar ingloriamente o Acordo Ortográfico, os órgãos de comunicação vão sujeitando tranquilamente a língua a "tratos de polé", sem protestos visíveis.
O mínimo que se exige é a criação de um Provedor da Língua, com poderes para monitorizar e denunciar publicamente tais atropelos.
Adenda
O referido erro continua patente no texto constante da edição eletrónica do Público, que se limitou a mudar o título da notícia da edição impressa, onde se lia em letras gordas o tal "encasinar".
Adenda 2
Parece que todos os demais órgãos de comunicação que fizeram eco do despacho da Lusa engoliram acriticamente o tal "encasinar", como por exemplo a SIC, o Expresso, a Rádio Renascença, etc. Uma hecatombe!
Fundações no plural
Todavia, tal como sucede em relação a outras entidades, há dois critérios a ter em conta na tipologia das fundações: (i) o critério da natureza da entidade instituidora, pública ou privada (no caso das fundações de instituição mista, público-privada, deve contar a entidade dominante) e, (ii) no caso das fundações de titularidade pública, o critério do regime jurídico aplicável, de direito público ou de direito privado. Ora, a infeliz lei-quadro das fundações de 2012, que assenta nessa dupla distinção, decidiu extinguir as fundações públicas de direito privado (com exceção das universidades-fundação), submetendo as existentes ao regime de direito público!
Não existe nenhuma razão para afastar as fundações públicas de direito privado, pelo contrário, tanto mais que as fundações de direito público não passam de uma modalidade de institutos públicos. Se há empresas e associações públicas de direito privado, porque é que não há-de haver fundações públicas de direito privado, aproveitando a flexibilidade de gestão inerente?
domingo, 30 de outubro de 2016
Tiro pela culatra
Se o Estado quer ter bancos públicos, que têm de participar num mercado concorrencial, tem de aceitar que também há um mercado de gestores, em que o Estado só pode participar se cumprir as respetivas regras, incluindo quanto às remunerações.
Ora, o limite constante do estatuto legal dos gestores públicos - o vencimento do Primeiro-Ministro - não permite ao Estado entrar nesse mercado.
2. Diferente é o caso da obrigação de declaração pública de património, de rendimentos e de interesses, que hoje se aplica a todos os gestores públicos, e que poderia continuar a ser legalmente exigida (ou contratualmente imposta) aos gestores da CGD.
Importa, no entanto, salientar, que tal obrigação não decorre da Constituição, nem direta nem indiretamente. Aliás, a Constituição só se refere às obrigações e incompatibilidades especiais dos titulares de "cargos políticos", em cuja categoria não se integram os gestores de empresas públicas (que devem primar pela neutralidade e isenção política).
Mal ou bem, o Governo decidiu retirar inteiramente os gestores da CGD do âmbito do estatuto legal especifico dos gestores públicos -, o que parece implicar a revogação de todas obrigações legais ligadas a esse estatuto, incluindo a referida acima, sob pena de incongruência legislativa. As eventuais dúvidas sobre este ponto só podem ser superadas pelo Tribunal Constitucional.
Seja como for, não creio que essa eventual isenção seja inconstitucional por violação do princípio da igualdade, por causa de um alegado privilégio ilegítimo dos gestores da Caixa. Na verdade, o princípio da igualdade só pode comparar situações iguais, o que não é o caso, visto que, ao contrário de outras empresas públicas, a CGD participa num mercado tão concorrencial quanto regulado (pelo BdP) quanto à idoneidade e conflito de interesses dos gestores bancários.
3. Pode a AR vir a alterar esta situação por via legislativa, repondo explicitamente essa obrigação para os gestores da CGD?
Sem dúvida que sim, mas em princípio essa alteração só poderá valer para o futuro, não podendo alterar as situações profissionais criadas, tituladas por um contrato em vigor, sob pena de violação unilateral flagrante (aqui, sim!) da proteção das situações jurídicas contratualmente estabelecidas, dando à parte lesada o direito de resolver o contrato e pedir a competente indemnização do Estado. Além disso, há o princípio constitucional de que a criação (ou o restabelecimento) de obrigações públicas, como seria o caso, não pode ter efeitos retroativos para os particulares.
Nestes termos, e independentemente do juízo político de todo o processo, cabe perguntar se há alguma razão para a precipitação da aprovação da lei - que muito provavelmente seria vetada pelo Presidente da República, se dotada de eficácia retroativa -, para além do risco de reativar uma crise de dimensões imprevisíveis da CGD. Para os defensores da natureza pública da Caixa, a iniciativa legislativa que patrocinam pode ser um terrível tiro pela culatra...
Adenda
Porque é que os partidos que contestam a retirada dos gestores da Caixa do estatuto do gestor público não chamaram a apreciação parlamentar, para efeito de revogação ou de alteração, o respetivo diploma governamental - o Decreto-Lei nº 39/2016, de 28 de julho - logo na retoma dos trabalhos parlamentares em 15 de setembro, tendo mesmo deixado passar o prazo de o fazer?
Adenda 2
Perguntam-me se a não aplicação retroativa vale também para a questão das remunerações. A resposta é sim, por maioria de razão. Mesmo os contratos públicos, que admitem a sua modificação unilateral pelo Estado, impõem a "manutenção do equilíbrio contratual".
quarta-feira, 26 de outubro de 2016
Nos 40 anos da Constituição
Amanhã e sexta-feira, vou estar aqui, na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, no colóquio dedicado aos 40 anos da CRP.
UE e Afeganistão: "joint way forward" para o descrédito
"A política externa da UE está a gangrenar, de acordo de readmissão em acordo.
Fazer depender a ajuda ao desenvolvimento do número de repatriações aceites pelo país é obsceno.
É a própria Comissão que classifica a situação no Afeganistão como estando a piorar, em documentos que se recusa a comentar.
Como pode o Afeganistão, com mais de um milhão de pessoas deslocadas internamente e milhões de refugiados na vizinhança, receber estas pessoas supostamente não elegíveis para asilo na Europa? O círculo vicioso não quebrará: os retornados à força só se não puderem, ficarão no Afeganistão. Pois, se fogem para salvar as próprias vidas?
Alimentamos o negócio dos traficantes, ameaçamos a nossa própria segurança e descredibilizamos totalmente a Europa: como se pode sequer pensar em usar fundos de ajuda ao desenvolvimento para construir um terminal no aeroporto de Kabul especialmente para “lidar com os retornados?"
(Minha intervenção em plenário do PE, hoje, sobre o recente acordo UE-Afeganistão, dito de "joint way forward"...)
UE pode e deve fazer mais por Mosul
"Há um ano visitei os valentes Peshmerga na linha da frente junto a Mosul e percebi bem como libertar esta cidade é decisivo para arrasar o Daesh globalmente.
Mas é imperativo que as forças libertadoras respeitem o Direito Internacional, durante e após as operações militares, e abram corredores humanitários sob monitorização internacional.
Os governos da União Europeia têm o dever de apoiar mais e mais eficazmente as autoridades do Iraque, e do Governo Regional Curdo, concertando-se entre si na ajuda humanitária e também na militar, incluindo no apoio à reconstrução e protecção de áreas libertadas e das minorias, na dissuasão das ambições territoriais da Turquia, na promoção do diálogo shiita-sunita essencial para a reconciliação e governação democrática. Além de tudo fazer para que os crimes de guerra e contra a humanidades cometidos pelo Daesh e outras forças sejam referidos ao Tribunal Penal Internacional, numa estratégia de combate global à violência extremista e terrorista e seus mandantes e financiadores."
(Minha intervenção sobre a operação de libertação de Mosul/ Norte do Iraque, em debate plenário no PE, esta tarde)
Mais Europa desnaturada: crianças refugiadas desaparecidas
"Relatos ouvidos em Lesbos, Atenas, Idomeni, Roma, Calais, Malmö e outros locais de chegada de refugiados e migrantes, são desoladores, revoltantes, incómodos. Principalmente quando vêm de crianças, a quem falta tudo, incluindo acesso ao ensino, aconselhamento legal especializado, apoio psicológico, tantas vezes pais e familiares. Com os riscos que “gerações perdidas” representam, quer para os países de origem, quer para a Europa.
Há ainda os mais vulneráveis entre os vulneráveis. Crianças desacompanhadas, portadoras de deficiência, de minorias. E tantas, milhares delas, dadas como desaparecidas pela Europol.
Em Malmö, polícias disseram-nos que se uma criança sueca desaparecesse, revolviam o país à procura dela e dos responsáveis pelo desaparecimento; mas se fosse migrante ou refugiada, não havia meios suficientes...
E governos europeus têm o desplante de invocar razões de segurança quando entregam, assim, crianças a predadores de todo o tipo, associados às redes de traficantes e criminalidade organizada conexa, que deixam impunes e cujo negócio, de facto, alimentam!
Comecemos por algum lado contra esta Europa desnaturada e desumanizada. Senhor Comissário, olhemos ao menos pelas crianças!"
(Minha intervenção em debate no plenário do PE sobre a protecção de crianças refugiados e migrantes)
Conselho Europeu: a Europa desnaturada
"Como se explica que o Conselho Europeu reúna sobre a crise migratória e produza conclusões que não incluam uma única referência a refugiados, asilo, direitos fundamentais, vias legais e seguras para não continuar a entregar a gestão da crise aos traficantes?
Que Europa desnaturada é esta, obcecada pela protecção de fronteiras, que vê gente a pedir protecção como ameaça, que mede o sucesso político em função do número de retornos forçados e defende o ilegal e imoral pacto UE-Turquia; que enaltece como parceiros regimes repressiva como o etíope, de cuja opressão e miséria fogem refugiados e migrantes;
Alturas houve em que critiquei o Conselho por inacção. Mas hoje estou verdadeiramente assustada: esta via anti-europeia, por Brastislava, da Fortaleza Europa, é um ataque directo à nossa segurança, actual e de gerações a vir.
Urge, de facto, a Europa da Defesa, mas iluminada por estratégia política centrada nos valores e objectivos da UE. Que tem faltado até para fazer ver à Rússia que a continuada agressão à Ucrânia e os bombardeamentos impiedosos em Alepo não ficarão impunes."
(Minha intervenção em debate no plenário do PE sobre as conclusões do Conselho Europeu de 20/21 Outubro)
IRC com matéria colectável mínima e harmonizada
"Felicito-o, Comissário Moscovici, por esta proposta que o Senhor diz ser diferente e melhor mas ressuscita uma de 2011, sobre determinação de Matéria Colectável Comum Consolidada do Imposto sobre Sociedades na UE - então enterrada pelo Reino Unido e Irlanda.
Como os escândalos Luxleaks, Panama Papers e outros demonstram, a transferência de lucros das multinacionais para jurisdições onde praticamente não pagam impostos priva Estados-Membros de importantes receitas fiscais. Como o meu, Portugal, com grandes empresas a deslocalizar "holdings" para Holanda, Luxemburgo e outros paraísos fiscais para evitar pagar impostos.
Uma pseudo "soberania fiscal" no mercado interno da livre circulação tem agravado a divergência económica na Zona Euro e tornado insuportável a injustiça fiscal e social.
Os Estados Membros não podem mais bloquear um acordo nesta matéria, que deve incluir o C de Consolidação e a determinação de uma taxa mínima aplicável em toda a UE.
O Parlamento está consigo, Comissário! Adiante!"
(Minha intervenção em debate plenário no PE, ontem, sobre impostos sobre sociedades)
terça-feira, 25 de outubro de 2016
União da Segurança?
"Este primeiro 'Relatório Mensal sobre o Progresso no sentido de uma União da Segurança Real e Efetiva' pode ser uma boa iniciativa, para darmos respostas eficazes ao imperativo da segurança dos nossos cidadãos - que não pode ser alcançado sem cooperação europeia.
Nesse sentido, estamos a negociar a Diretiva de Combate ao Terrorismo, para harmonizar respostas das leis penais dos nossos Estados-Membros; a quarta revisão da Diretiva sobre Branqueamento de Capitais, para atacar velhas e novas formas de financiamento ao terrorismo. Reforçamos agências como a Europol e a Guarda Costeira e de Fronteiras. Criamos o Centro RAN (Rede de Sensibilização para a Radicalização), o Internet Forum da EU.
Mas nada disso substitui o investimento que Comissão e Estados Membros, estrangulados por auto-infligidas politicas austeritárias, NÃO têm feito em programas inteligentes e de proximidade para prevenção da radicalização.
Eu também já visitei Mechelen, Comissário King, e vi o que os Estados Membros podiam fazer e NÃo fazem. De facto, quanto mais destroiem emprego jovem e políticas sociais inclusivas, mais recrutas estão os Estados Membros da UE a oferecer a grupos extremistas violentos. Bem pode o Conselho preocupar-se com o retorno de "foreign fighters" ou com a sua infiltração entre migrantes: os terroristas que nos golpearam em Paris e Bruxelas eram de fabrico europeu.
Acresce que alimentar o negócio das redes de traficantes e de criminalidade organizada associada, pela falta de abertura de vias legais e seguras de acesso para refugiados e migrantes, a que se juntam graves violações de direitos humanos que deixamos que experimentem em solo europeu, incluindo milhares de menores não acompanhados desaparecidos - só demonstram a incoerência e inépcia das políticas ditas anti-terroristas dos Estados Membros.
Outros problemas fundamentais persistem:
Os Estados-Membros continuam a resistir a partilhar informação e inteligência e a interoperacionalizar serviços. A Diretiva PNR (relativa ao Registo de Identificação de Passageiros, tantas vezes apresentada como sucesso, é, na realidade, um exemplo de falta de cooperação sistemática, e não apenas por demora de aplicação pelos Estados Membros, como assinalou o Comissário King: a partilha dos dados recolhidos nem sequer é obrigatória e o controlo de voos privados não é também mandatório.
E depois há toda a dimensão da política externa, já notada por outros colegas. (A Comissão bem diz, no Relatório que nos apresentou, que “a segurança interna de um Estado-Membro é a segurança de todos”. Mas por aí se fica. Ora, não há estratégia efetiva sobre União da Segurança sem integrar coerentemente uma fortíssima dimensão de acção externa - da política de ajuda ao desenvolvimento, à segurança energética e à ciber-segurança. A segurança dos nossos vizinhos, a resolução dos conflitos às nossas portas – é aí também que começa o combate pela nossa própria segurança)."
Minha intervenção em debate plenário do PE sobre "Uma União de Segurança Real e Efectiva". A parte final, entre parêntesis, teve de ficar por dizer, por exceder o tempo. Mas aqui fica registada.
Concurso de demagogia
Pelos vistos, a recuperação de rendimentos, que é a bandeira da atual coligação de Governo - e que vai beneficiar inclusive as chamadas "pensões milionárias" (via eliminação da CES) e os mais altos rendimentos privados (via eliminação da sobretaxa de IRS) -, não contempla todos os rendimentos que foram vitimas da austeridade. Recorde-se que o corte do pessoal dos gabinetes ministeriais, que tinha acompanhado o dos membros do Governo, já foi reposto em 2014.
É evidente que ninguém tem a coragem de arcar com a gritaria demagógica que provavelmente receberia um tal "aumento dos políticos", apesar da modéstia relativa de tais remunerações e da incoerência da exclusão. Mas é evidente que a discriminação é injustificável e que a cedência à demagogia também é uma forma de demagogia política...
"Bullying" Portugal e "blind eye" s/ Hungria e Polónia...
"A Europa que faz "bullying" a Portugal, Grécia ou Espanha por décimas orçamentais e fecha os olhos diante da ofensiva contra direitos fundamentais de cidadãos e migrantes na Hungria ou na Polónia, falha clamorosamente.
Um Pacto Interinstitucional para a Democracia, Estado de Direito e os Direitos Fundamentais, como proposto pela relatora Sophie Int'Veld, é necessário.
O Estado de Direito, pedra-base da legitimidade do projeto europeu, precisa de ser defendido com mecanismos robustos de supervisão e controlo para intervir e sancionar governos violadores.
Só assim conseguiremos reconquistar a confiança dos cidadãos na Europa.
Espero que Comissão e Conselho não bloqueiem esta proposta do Parlamento."
(Minha intervenção hoje, em debate no plenário do PE, sobre o tema "Mecanismo da UE sobre democracia, Estado de direito e direitos fundamentais")
Nonsense
Ora, se o direito à habitação constitucionalmente garantido pode exigir a subsidiação pública dos inquilinos pobres, já não faz sentido manter as rendas abaixo do preço do mercado, obrigando os proprietários a financiar o direito à habitação dos seus inquilinos (que só pode ser tarefa do Estado) e depois sujeitar os senhorios prejudicados ao ónus indevido de solicitarem um subsídio de pobreza, a qual só existe porque o Estado os impede de perceber o valor das rendas que lhes seriam devidas e prefere não subsidiar os próprios inquilinos para pagarem essas rendas.
Mesmo que forçar senhorios à pobreza para aliviar a pobreza dos seus inquilinos não fosse incompatível com a Constituição (ponto que aqui se deixa em aberto), não deixa de ser uma bizarra opção política. Ínvios caminhos pode percorrer a justiça social!
segunda-feira, 24 de outubro de 2016
UE: combate à criminalidade organizada e à corrupção
Relações UE-Irão
Intrigante
É certo que depois de uma crise económica prolongada (2011-2014), em que as empresas tiveram de reduzir os custos e o pessoal ao mínimo, qualquer aumento da atividade económica tende a gerar emprego. Mas duvido que esse argumento explique inteiramente a evolução em curso.
Então, de duas, uma: ou os valores conhecidos do crescimento e/ou do desemprego estão subavaliados, ou a verificação de uma significativa redução do desemprego numa situação de baixo crescimento da atividade económica contraria o "conventional wisdom" sobre o assunto.
Ai a dívida!
Sabendo-se que propostas destas - mesmo se destinadas apenas à "plateia" partidária - não podem deixar de causar algum alarme nos mercados, dado serem oriundas de um dos partidos da maioria parlamentar de apoio ao Governo, é caso para perguntar se se trata de inadvertido "tiro no pé" ou de deliberado "fogo amigo".
Venha o diabo e escolha, mas aliados destes podem causar mais estragos do que os adversários.
2. O caminho só pode ser outro, porém.
Quando se verifica que, passados dois anos sobre a saída do programa de assistência externa e o regresso ao mercados financeiros, continuamos sem nenhuma melhoria na classificação do risco da divida externa, sendo a referida agência de rating canadiana a única a conferir-nos a nota mínima acima de "lixo", cumpre sair definitivamente da zona de risco - em que a dívida continua próxima dos 130% do PIB e os juros dos títulos a 10 anos teimam em manter-se acima dos 3%, muito mais do que outros países - e dar prioridade à redução relativa do endividamento, tendo em vista uma subida consistente do rating externo, sem a qual não haverá redução sustentada dos encargos da dívida.
Adenda
Em vez de diminuir, como prometido, o rácio da dívida pública continuou a aumentar no corrente ano, sendo o terceiro mais elevado na zona euro, quarenta pontos percentuais acima da média destes (91% contra 130%)! Sem correção desta trajetória, que só a consolidação orçamental e o crescimento económico podem assegurar, nem o rating da DBRS nos salva do pagamento de juros bem mais elevados do que os outros países.
domingo, 23 de outubro de 2016
Corbyn em Lisboa?
Para além de ser pouco consentânea com a história e a prática política do PS desde 1974, marcadas por um afastamento de princípio em relação à extrema-esquerda, não vejo como é que essa tese resiste a uma análise comparada das principais diferenças.
Não se podem desvalorizar evidentemente as profundas diferenças entre o PS e os partidos à sua direita, nem no terreno estritamente político (nomeadamente nas políticas social e fiscal, de educação e de saúde) nem na visão de sociedade propriamente dita (defesa dos direitos laborais e sociais e da igualdade de oportunidades, contra a tendencial visão da direita de uma "sociedade de mercado", em que cada um trata de si mesmo, temperada por políticas assistencialistas para os mais vulneráveis).
Mas também não se podem ignorar as enormes diferenças sistémicas do PS em relação à extrema-esquerda, tanto no plano político (democracia liberal, economia de mercado, integração europeia, responsabilidade orçamental, política de defesa e relações internacionais) como quanto à visão de sociedade (liberdade e responsabilidade individual, autonomia da sociedade civil face ao Estado, prémio ao mérito e à responsabilidade social, cosmopolitismo e abertura ao exterior, contra a visão estatista e protecionista das esquerdas radicais).
Francamente, é patente que a visão de sociedade do PS não está mais distante das sociedades caraterizadas pela economia social de mercado e pela democracia liberal do que de modelos coletivistas ou populistas como os de Cuba ou da Bolívia.
2. A história da social-democracia, desde as suas origens anticapitalistas no século XIX, é a história da progressiva coabitação pacifica com a democracia liberal e com a economia de mercado, sem prejuízo da luta pela reforma e pela "domesticação" do capitalismo através dos direitos sociais e da regulação do mercado, num processo que os críticos de esquerda sempre foram denunciando como "revisionismo de direita".
O Congresso de Bad-Godesberg do SPD alemão de 1959 selou essa transição político-ideológica da social-democracia europeia, mais tarde seguida pelos demais partidos da mesma tradição. Todavia, a ter em conta a recente evolução do Labour britânico sob a liderança de Corbyn, essa herança parece estar em vias de ser revertida, recolocando na agenda a identidade política dos partidos social-democratas. Pelos vistos, o novo "revisionismo de esquerda" tem ecos em Lisboa e até pode ter condições propícias para prosperar na atual situação política.
É óbvio que o PS pode revisitar a todo o tempo o seu posicionamento político-ideológico e ensaiar agora uma "viragem à esquerda", como alguns pretendem. Mas é de duvidar que o eleitorado de centro-esquerda e de centro que costuma alimentar as vitórias eleitorais do PS e lhe permite governar e pôr em execução as suas políticas reformistas moderadas sufrague tranquilamente uma inopinada aproximação à extrema-esquerda...
sábado, 22 de outubro de 2016
Filhos e enteados
É positivo investir em voluntariosos programas de coesão territorial e de apoio ao interior; mas seria melhor e mais congruente começar por libertar o resto do país do pesado encargo de participar no financiamento dos transportes locais de Lisboa e do Porto. É o contrário da "discriminação territorial positiva" que se impõe.
2. Claramente que não é essa a decisão governamental sobre os transportes urbanos das duas principais cidades, tendo havido somente a entrega da gestão dos transportes em autocarro aos respetivos municipais, mantendo-os, porém, sob a responsabilidade do Estado, com os inerentes encargos financeiros. Nesse contexto, o Governo tem programado um investimento de 400 milhões para a ampliação das redes de metro de Lisboa e do Porto, para além dos encargos com a exploração e custos das respetivas dívidas, como, por exemplo, vinte milhões para obras de qualificação do metro de Lisboa.
Mas se os sistemas de metro urbano constituem uma responsabilidade do Estado, o Governo devia ser congruente com essa opção em todo o País. Ora, não pode deixar de se considerar-se escandaloso que no caso do metro de Coimbra, que continua adiado há mais de vinte anos, o Governo tenha agora anunciado uma verba minúscula de dois milhões para... estudos. É simplesmente humilhante.
Decididamente, nesta matéria (como muitas outras, infelizmente), quando se trata de equidade territorial, há filhos diletos e enteados tolerados do Governo da República. Depende da influência e do número de votos...
Constitucionalite vulgar
Com efeito, mesmo quando legalmente fundada, a expetativa de redução de impostos não goza de proteção constitucional, pelo menos antes de aquela se concretizar. Não pode ser invocada a este respeito a decisão do Tribunal Constitucional sobre o corte das pensões durante o período de assistência financeira externa (com a qual, aliás, não concordei), por nessa altura estarem em causa as pensões já atribuídas e em pagamento (e portanto já entradas na titularidade individual de cada pensionista), o que é o caso agora.
De resto, não pode haver nenhuma expetativa constitucionalmente protegida sobre impostos, pois o Estado pode sempre aumentá-los, desde que sem efeitos retroativos. Por definição, as promessas e compromissos sobre redução de impostos nunca devem ter-se por seguros nem definitivos antes de postos em prática. Nem sequer como irreversíveis depois de efetivados...