segunda-feira, 21 de novembro de 2016

Um pouco mais de rigor sff

Na sua edição impressa de hoje, o Diário de Notícias relata um alegado "ataque antissemita" a um restaurante no Porto, cujo dono e chef participou num encontro gastronómico em Israel.
Ora, o mais que se recolhe da notícia é que se tratou de uma ação de protesto anti-israelita em solidariedade com a causa palestina. Mas, sendo assim, é descabido caraterizar essa ação como "antissemita", ou seja, uma manifestação contra os judeus, com toda a carga de ódio histórico que isso suscita.
Uma coisa é o Estado de Israel e outra o povo judeu. Pode-se ser contra a política do primeiro quanto à ocupação da Palestina, sem ter nada contra o segundo, como sucede aliás com muitos judeus em Israel e fora dele. Israel não é imune à crítica e à condenação internacional pela violação do direito internacional, como qualquer outro país.
Um pouco de rigor, que se exige num jornal de referência, teria evitado a lamentável confusão.

Adenda
Na sua edição eletrónica o DN corrigiu a referida expressão "ataque antissemita" para "ataque radical". Mas a edição impressa já não se pode corrigir...

Adenda 2
Verifico que há outros outros jornais que, seguindo a usual propaganda oficial israelita nestas ocorrências, alinham com a conotação "antissemta", como, por exemplo, neste texto do Expresso. Lastimável!

A democratização das ostras

As taxas reduzidas do IVA deveriam ser excecionais e beneficiar somente os produtos e serviços essenciais para a generalidade das pessoas (como os medicamentos e alimentos básicos) ou que por razões especiais se quer incentivar (como os livros e serviços culturais). Não sabia que entre esses produtos estavam as ostras (embora nesta matéria tudo seja possível quando o IVA sobre os hotéis de luxo é de... 6% !).
Pelos vistos, a nova fronteira do Estado social consiste na democratização das ostras...

Ainda bem

A chancelerina Merkel vai candidatar-se a um quarto mandato à frente do Governo alemão (e tudo indica que vai ganhá-lo, dado não haver rival à altura no campo social-democrata). Depois de tantas mudanças políticas problemáticas (Brasil, Brexit, Trump), é bom saber que há coisas que não mudam...
Como muitos observadores têm notado, com a saída de Obama e a entrada em cena de Trump na Casa Branca, Merkel torna-se a mais lídima representante de uma visão liberal do mundo, o que é notável para a líder de um pais derrotado e destroçado na II Guerra Mundial e que nem sequer pertence ao Conselho de Segurança da ONU...

sexta-feira, 18 de novembro de 2016

Competição fiscal internacional

1. A decisão da Hungria de baixar para 9% o imposto sobre os lucros das empresas (o nosso IRC) constitui mais um passo na corrida internacional para dinamizar o investimento e sobretudo para atrair investimento direto estrangeiro, visto que, não sendo embora o único fator, o IRC é seguramente um do mais importantes na decisão das empresas transnacionais na escolha do destino dos seus investimentos.
Com essa descida, a Hungria, que já tinha uma taxa reduzida, torna-se o país da UE com menor taxa de IRC, bem abaixo dos 12,5% da Irlanda e de outros países do Leste europeu.

2. Esta corrida para a baixa do IRC (longe vão os tempos em que estava acima dos 30% !) revela um dos traços menos positivos da integração europeia, que cuidou de integrar as economias (mercado único, UEM), mas salvaguardou a competição fiscal entre os Estados-membros, permitindo estas medidas de verdadeiro dumping fiscal (o mesmo sucede quanto aos direitos sociais, incluindo os direitos dos trabalhadores).
A regra da unanimidade nas medidas fiscais da União tem impedido o estabelecimento de limites a esta competição fiscal (salvo no caso do IVA e dos impostos sobre as poupanças).

3. A decisão da Hungria pode levar outros países a fazer apostas semelhantes de redução do IRC, desencadeando uma nova vaga na referida corrida.
Com um taxa de IRC muito mais elevada (mais do dobro), Portugal está mal preparado para entrar nesta competição pelo investimento estrangeiro - de que necessita sobremaneira, dada a estagnação do investimento interno - , porque não pode prescindir dessa receita fiscal para alimentar a elevada despesa pública, que aliás continua a crescer.
A esta luz foi um erro a revogação do acordo entre o PS e o Governo anterior no sentido de uma descida gradual do IRC...

quarta-feira, 16 de novembro de 2016

Façanha

Até por serem inesperados, são muito bons os dados sobre o crescimento económico no 3º trimestre. Embora tal resultado seja devido em boa parte à excelente época turística e menos à procura e ao investimento interno, e não podendo por isso dar-se por repetível na mesma dimensão, a verdade é que pela primeira vez em muito tempo a economia portuguesa apresenta-se a crescer bem acima da média da UE. Uma façanha!
Estes dados ajudam também a explicar a intrigante inconsistência, aqui assinalada, entre a firme baixa do desemprego e a débil retoma económica que até agora se registava.
Como é evidente, o maior crescimento económico vai também facilitar o cumprimento das metas orçamentais no corrente ano, mercê de maior receita fiscal e menor despesa social. Como aqui sempre se defendeu, a maior preocupação orçamental advinha da economia. Quando a economia cresce mais, tudo se torna menos difícil na frente orçamental. Mas é conveniente não relaxar os esforços nessa frente!

quinta-feira, 10 de novembro de 2016

Aplauso...

... para esta resolução parlamentar que recomenda a elevação do limite de idade para aposentação obrigatória no setor público (admitindo, portanto, que quem o deseje continue no ativo depois dessa idade) e reitero os argumentos que já há três anos enunciei para defender essa proposta, a que nenhum partido deu seguimento nessa altura. Espera-se agora que o Governo siga a recomendação.
Nunca é tarde para ter razão, mesmo que, como é o caso, a eventual mudança da lei já não me aproveite.

Taxas das autarquias locais


Amanhã vou estar aqui: http://www.fd.uc.pt/cedipre/observatorio/eventos.html

quarta-feira, 9 de novembro de 2016

Negociações de adesão com a Turquia devem ser congeladas!


"Nacionalismo e populismo na Europa, na sua vizinhança, nos EUA e no mundo requerem de nós que abandonemos as políticas neo-liberais que estão a destruir empregos e a desregulador a globalização, assim alimentando os Farages, Trumps, Erdogans e o seu mestre KGB Putin.

O alargamento só pode continuar a ser uma prioridade para países que querem abraçar as vias e valores europeus.

Como disse, Comissário Hahn, este não é o caso hoje na Turquia, sob Erdogan.

É Erdogan, não a UE, quem está a fechar a porta, com graves violações de direitos humanos, pesada repressão, abandono do Estado de direito. Como consequência - tal como propõe a nossa relatora para a Turquia, Kati Piri, as negociações devem ser congeladas. 

Mas isso quer também dizer que que precisamos de nos envolver ainda mais com a sociedade civil e com as forças políticas que lutam para restaurar a democracia e o Estado de Direito na Turquia.

Será que a Comissão Europeia vai ajudar?"


Intervenção que fiz hoje no debate, na Comissão de Relações Exteriores do Parlamento Europeu, com o Comissário Hahn, sobre o processo de alargamento da UE

Discrepâncias

As estimativas da Comissão Europeia relativas à economia e às contas nacionais, agora divulgadas, mostram que Bruxelas não acredita nas previsões de Lisboa sobre o crescimento económico, nem sobre o saldo orçamental (nominal e estrutural), nem sobre o nível da dívida pública em 2016 e no ano que vem.
O mais grave é a estimativa do saldo estrutural, que se mantém este ano e no próximo ao mesmo nível do ano passado, traduzindo um claro afastamento das regras de consolidação orçamental da UE. Resta saber como é que estes dados se vão refletir no relatório da Comissão sobre o projeto orçamental do próximo ano...

"Choque e pavor"

A inesperada eleição de Donald Trump para Presidente dos Estados Unidos, acompanhada da vitória Republicana nas duas câmaras do Congresso, constitui um choque que inspira pavor.
Choque, pela vitoria eleitoral da demagogia, do nacionalismo, da xenofobia e do protecionismo. Pavor, pelas consequências, não somente no plano interno (mas isso é uma questão dos norte-americanos...) mas sobretudo no plano externo, incluindo a quebra de compromissos internacionais tão decisivos para a segurança e paz mundial e para a regulação da globalização, como os respeitantes à não proliferação de armas nucleares, à luta contra as mudanças climáticas e os acordos da Organização Mundial do Comércio.
Com Trump na Casa Branca, o mundo fica mais imprevisível e mais perigoso.

Adenda
Quem não demorou tempo a congratular-se com a vitória de Trump foi a extrema-direita europeia . Sem surpresa: são óbvias as afinidades políticas.

Adenda 2
Embora não possa festejar, também a extrema-esquerda europeia (e não somente a folha comunista referida num post anterior) tem algumas razões de satisfação. Para além da derrota da sempre odiada "esquerda liberal", que a extrema-esquerda tem como inimigo principal, a vitória de Trump pode anunciar a reversão da liberalização comercial mundial. Cavalos de batalha da extrema-esquerda como o acordo de comércio e investimento entre a UE e os Estados Unidos (TTIP) passam à história das grandes apostas falhadas e o próprio sistema multilateral da OMC pode estar em causa.

segunda-feira, 7 de novembro de 2016

Comunistas por Trump!

Desiluda-se quem pensava que as simpatias europeias por Trump se limitavam aos círculos da direita nacionalista e xenófoba!
Numa nota não assinada sobre as eleições presidenciais norte-americanas, a publicação eletrónica Resistir.Info, de orientação comunista - contando entre os seus colaboradores regulares com membros seniores do PCP, como Miguel Urbano Rodrigues e Eugénio Rosa -, qualifica Hillary Clinton de «sanguinária e corrupta» e defende que «a sua eventual vitória significará uma alta probabilidade de guerra nuclear». Quanto a Trump, a nota diz que «apesar da sua vulgaridade, grosseria e algumas ideias tolas, ele é certamente o candidato que dá mais garantias à paz mundial e à maioria do povo estado-unidense».
E a folha digital antecipa, esperançosamente: «Se estas eleições não forem mais roubadas do que de costume, Trump poderá vencer».
Decididamente, há quem queira tão mal aos Estados Unidos que não hesita em preferir a vitória de Trump.

sábado, 5 de novembro de 2016

Separação de poderes

Há muito que defendo que os juízes não podem assumir funções políticas sem abandonarem (e não somente suspenderam) a condição de juízes. Separação de poderes oblige. Pela mesma razão, entendo que os titulares de cargos políticos não devem assumir nem tomar posse de funções judiciais sem abandonarem as funções políticas que desempenham. A meu ver, não se pode estar simultaneamente na esfera política e na esfera judicial.
Mesmo que não se compartilhe esta visão extremada da separação de poderes, seria conveniente evitar confusões. Por precaução.

Adenda
Não tem razão o leitor que me acusa de em 1982 ter passado diretamente da AR para o Tribunal Constitucional. Já não era deputado e tinha regressado à Universidade, quando fui convidado.

"Ultra vires"

Na polémica sobre a questão de saber se os novos gestores da Caixa Geral de Depósitos continuam sujeitos à obrigação de apresentação da declaração de património e de rendimentos no Tribunal Constitucional, depois do diploma legal de julho que os retirou do estatuto dos gestores públicos, é evidente que o Presidente da República poderia ter vindo dizer que promulgou esse diploma na convicção de que ele não afeta essa obrigação. Pode também manifestar a sua opinião política de que essa declaração deve ser feita.
Tudo o mais na nota de Belém sobre o assunto era escusado. Nas funções do Presidente não cabe intervir publicamente e emitir parecer, feito jurisconsulto oficioso (por melhores que sejam os argumentos) sobre a interpretação da questão legal, cuja decisão cabe ao Tribunal Constitucional. Há o princípio da separação dos poderes...

sexta-feira, 4 de novembro de 2016

"Free riders"

A filosofia dos "direitos adquiridos", e dos privilégios associados, está a espalhar-se entre nós. Desta vez, são os familiares de beneficiários da ADSE que já gozem gratuitamente dos direitos desse sistema de saúde que vão continuar a beneficiar deles sem pagar, apesar de agora se ter decidido que os familiares dos novos beneficiários vão passar a pagar uma contribuição.
O sistema ADSE é hoje facultativo e inteiramente pago pelos inscritos, constituindo uma espécie de seguro de saúde complementar. Ora, nessas condições deve valer por inteiro o princípio beneficiário-pagador, não havendo nenhuma razão para facultar o acesso gratuito à ADSE a uma parte dos beneficiários, o que obviamente implica que todos os outros inscritos paguem essa "borla" com contribuições mais altas. Muito menos se justifica limitar o pagamento de uma contribuição aos familiares dos novos inscritos no sistema, o que cria uma óbvia desigualdade entre pessoas nas mesmas situações.
Como sempre, os pseudo-direitos adquiridos equivalem a privilégios, que são a pior forma de desigualdade.
[revisto]

Economia de mercado regulada


Amanhã vou estar aqui, a inaugurar este XVI Curso de pós-graduação em Regulação pública e concorrência, do qual sou corresponsável desde o início. 

quinta-feira, 3 de novembro de 2016

Um pouco mais de rigor, sff

O jornal "i" de hoje faz manchete com a frase "Emails desmentem versão do Ministro da Educação".
Lido sem mais, esse título deixa entender que a tal correspondência eletrónica desmentia a versão do ministro sobre o seu desconhecimento de que um membro do gabinete do Secretário de Estado da Juventude não possuía a licenciatura que lhe tinha sido atribuída no despacho oficial de nomeação. De facto, foi esse alegado conhecimento, insinuado pelo anterior Secretário de Estado, Wengorowius - de que o próprio "i" tinha feito grande eco -, que levou alguns partidos a pedir a demissão do Ministro. Ora, na agora invocada correspondência, obviamente disponibilizada pelo tal Secretário de Estado, absolutamente nada desmente a versão do Ministro quanto a esse ponto-chave.
Lida a notícia, afinal o que é alegadamente provado é somente que o Ministro procurou interferir na composição do gabinete do Secretário de Estado, o que teria levado à demissão deste. Mas obviamente não era isso que estava em causa na polémica política em que tinha procurado envolver o Ministro. E de qualquer modo pode perguntar-se o que é que haveria de politicamente censurável nessa tal "ingerência". Afinal, os secretários de Estado não são mais do que colaboradores de confiança dos Ministros. Quando ela se rompe, só resta a demissão. E a conduta posterior do Secretário de Estado, incluindo esta revelação de correspondência, só prova que ele não era digno de confiança...

Há coisas que não mudam

O Governo anuncia "significativo reforço" de investimento do Estado no metropolitano de Lisboa.
Há duas importantes reservas a este respeito. Primeiro, como desde há muito defendo, a responsabilidade pelo metropolitano de Lisboa deveria caber a Lisboa e demais municípios beneficiários e não aos contribuintes de todo o país, que não têm de financiar os transportes locais da capital (já pagam os seus próprios transportes locais). Segundo, o aumento dos gastos do Estado com os transportes de Lisboa (e do Porto) é feito à custa do investimento nas infraestruturas de transportes no resto do País, nomeadamente no modo ferroviário (rede e meios de transportes), como se torna notório no arrastamento dos projetos na rede ferroviária que são cruciais para as ligações externas do País (linha do Minho, linha da Beira Alta, nova linha Évora-Espanha, etc.), apesar da serem fortemente subsidiados pela UE.
Há coisas que não mudam com os governos, que antes de serem do país são governos de (e para) Lisboa. Como quase sempre sucede, os investimentos públicos buscam os eleitores e o poder...

quarta-feira, 2 de novembro de 2016

Invocar a Constituição em vão

Parece que um dos argumentos contra a retirada dos gestores da Caixa do regime legal dos gestores públicos é uma alegada inconstitucionalidade orgânica, por o diploma governamental de julho não ter sido precedido de autorização parlamentar.
Sem razão, porém. O estatuto legal dos gestores públicos, que data de 2007, consta de um decreto-lei que foi emitido sem credencial parlamentar - o que nunca foi contestado - e não existe nenhuma norma constitucional que inclua tal estatuto na reserva legislativa da AR. Tal sucede, é certo, em relação à lei-quadro das empresas públicas, que todavia nunca abrangeu o estatuto dos gestores públicos, que sempre teve legislação própria, separada daquela. Portanto, a alteração do regime dos gestores públicos não afeta a referida lei.
Os partidos de oposição são useiros e vezeiros em "constitucionalizar" artificialmente o debate político. Mas invocar a Constituição em vão é meio caminho andado para perder o próprio debate político.

Adenda
As únicas questões jurídicas que podem suscitar dúvidas são duas: (i) ao retirar os gestores da CGD do regime geral dos gestores públicos, o diploma de julho também os dispensou da obrigação de declaração de património e rendimentos no TC, ou esta continua a valer para todos os gestores de empresas do setor público, independentemente do seu estatuto específico? (ii) Independentemente dessa questão, a referida derrogação do regime dos gestores públicos em relação à CGD viola o princípio da igualdade de tratamento dos gestores das empresas do setor público, ou há especificidades que justificam a exceção para os gestores da CGD?

Malhas que a insensatez política tece

1. A não ser que um assomo de bom senso prevaleça, tudo se encaminha para que a direita e a extrema esquerda parlamentar se aliem na questão da retribuição e da declaração pública de património e de rendimentos dos gestores da CGD, com o risco de abertura de uma crise na instituição que poderá pôr em causa o programa de recapitalização tão laboriosamente engendrado pelo Governo para salvar a Caixa.
O oportunismo político da direita nesta matéria é gritante. Depois de ter escondido debaixo do tapete as dificuldades da Caixa e a necessidade de recapitalização enquanto foi Governo - talvez com o secreto desejo de arranjar uma alavanca para a privatizar -, o PSD opõe-se agora à única solução que se tornou viável depois da sua imprudência, só para causar dificuldades ao Governo e à instituição.
Por sua vez, a extrema-esquerda sobrepõe o seu inflexível dogmatismo nestas (e noutras) matérias ao objetivo de salvar a Caixa como banco público, julgando que pode ter "o sol na eira e a chuva no nabal".

2. Ora, a situação crítica da Caixa não se compadece nem com o oportunismo político de uns nem com o dogmatismo doutrinário de outros. Há situações de "estado de necessidade" que requerem soluções especiais, pelo menos a título transitório.
Seria assaz irónico que, cinco anos depois de 2011, a direita e a extrema-esquerda parlamentar voltassem a unir votos, num irresponsável casamento de conveniência, para derrotar um Governo do PS, com o "picante" acrescido de a segunda fazer agora parte da maioria parlamentar de apoio a esse mesmo Governo.
Malhas que a política sem princípios da direita e os princípios sem política da extrema-esquerda tecem.

Encanzinar

Há espíritos realmente malévolos, como o de um leitor que me acusa de com este post sobre o caso dos gestores da CGD me estar a candidatar a um "bem remunerado pedido de parecer" da Caixa.
Lamento desiludi-lo. Sucede que há uma lei de 2014 que impede os aposentados da CGA de prestarem serviços (todo o tipo de serviços) a entidades públicas, incluindo as empresas públicas (art. 78º do Estatuto da Aposentação, na redação de 2014).
É certo que essa norma não prevê sanções para a sua violação e que ela é correntemente desrespeitada por jurisconsultos aposentados. Mas também há quem tenha escrúpulos e entenda que as leis são para serem cumpridas, mesmo quando estúpidas e mesmo que se possam violar impunemente. Os escrúpulos têm custos, bem o sabemos...
Há outra desigualdade aqui, no respeitante às próprias empresas públicas, que estão no mercado em concorrência com empresas privadas, mas que ficam impedidas de concorrer em pé de igualdade com elas na aquisição de serviços jurídicos (e outros). Tendo em conta que a referida lei foi aprovada por uma maioria de direita, interrogo-me sobre se não foi propositadamente feita para "encanzinar" as empresas públicas...

terça-feira, 1 de novembro de 2016

Eucaliptugal

O Governo anunciou o propósito de "travar a expansão" do eucalipto e de revogar a chamada "lei da liberalização".
É pouco!
Primeiro, em vez de "travar a expansão"  - que significa somente reduzir a velocidade da eucaliptização - deveria propor-se parar novas plantações e reduzir as existentes. Segundo, a reversão da área do eucalipto deveria incluir pelo menos as seguintes medidas:
   - afastar o eucalipto da proximidade das linhas de água, de modo a permitir o desenvolvimento de bosques de espécies características desses habitats;
  - remover os eucaliptos de encostas de pendor mais acentuado, de modo a reduzir a erosão dos solos pelas chuvas;
  - acabar com as extensas áreas de monocultura do eucalipto, imponto a obrigação de bandas intercalares de outras espécies florestais, a fim de dificultar a transmissão dos fogos florestais e de preservar a diversidade biológica;
  - interditar em absoluto o eucalipto em áreas de aptidão agrícola, em regadios e em parques naturais;
  - aplicar uma taxa à plantação de eucaliptos, como contrapartida dos danos ambientais e outras "externalidades negativas" provocadas pela eucaliptização.
Decididamente, a força do lóbi da celulose é enorme e a vontade política de o enfrentar é frágil. Portugal parece estar mesmo condenado, sem remissão, a tornar-se um imenso Eucaliptugal.

Adenda
Fico curioso, à espera da posição dos nossos vários  pseudo-partidos verdes, quando for do debate deste dossiê legislativo na AR...

segunda-feira, 31 de outubro de 2016

Pobre Língua

Transcrevendo uma notícia da Lusa, o Público de hoje diz que Jerónimo de Sousa acusou o PSD de só querer "encasinar" a questão da CGD, ao apresentar propostas sobre as remunerações e o dever de transparência dos gestores do banco público.
Ora, o que o líder do PCP disse, na sua habitual linguagem com laivos populares, foi que o PSD só queria "encanzinar" a questão da Caixa, ou seja, como dizem os dicionários, "criar dificuldades", "emperrar".
Mas o facto de jornalistas diplomados da agência pública de noticias e de um jornal de referência terem usado uma palavra inexistente e incompreensível - falsamente atribuída a um líder partidário que não costuma atropelar o Português - mostra bem os maus tratos a que se encontra sujeita a Língua. Enquanto umas dúzias de fundamentalistas - com o próprio Público à frente ! - continuam a gastar energias a contestar ingloriamente o Acordo Ortográfico, os órgãos de comunicação vão sujeitando tranquilamente a língua a "tratos de polé", sem protestos visíveis.
O mínimo que se exige é a criação de um Provedor da Língua, com poderes para monitorizar e denunciar publicamente tais atropelos.

Adenda
O referido erro continua patente no texto constante da edição eletrónica do Público, que se limitou a mudar o título da notícia da edição impressa, onde se lia em letras gordas o tal "encasinar".

Adenda 2
Parece que todos os demais órgãos de comunicação que fizeram eco do despacho da Lusa engoliram acriticamente o tal "encasinar", como por exemplo a SIC, o Expresso, a Rádio Renascença, etc. Uma hecatombe!

Fundações no plural

O Presidente do Conselho Consultivo das Fundações veio defender que só devem existir dois tipos de fundações, públicas e privadas.
Todavia, tal como sucede em relação a outras entidades, há dois critérios a ter em conta na tipologia das fundações: (i) o critério da natureza da entidade instituidora, pública ou privada (no caso das fundações de instituição mista, público-privada, deve contar a entidade dominante) e, (ii) no caso das fundações de titularidade pública, o critério do regime jurídico aplicável, de direito público ou de direito privado. Ora, a infeliz lei-quadro das fundações de 2012, que assenta nessa dupla distinção, decidiu extinguir as fundações públicas de direito privado (com exceção das universidades-fundação), submetendo as existentes ao regime de direito público!
Não existe nenhuma razão para afastar as fundações públicas de direito privado, pelo contrário, tanto mais que as fundações de direito público não passam de uma modalidade de institutos públicos. Se há empresas e associações públicas de direito privado, porque é que não há-de haver fundações públicas de direito privado, aproveitando a flexibilidade de gestão inerente?

domingo, 30 de outubro de 2016

Tiro pela culatra

1. Não participei na discussão sobre as remunerações dos novos gestores da CGD, porque a considerei um tanto ociosa e, em geral, assaz demagógica.
Se o Estado quer ter bancos públicos, que têm de participar num mercado concorrencial, tem de aceitar que também há um mercado de gestores, em que o Estado só pode participar se cumprir as respetivas regras, incluindo quanto às remunerações.
Ora, o limite constante do estatuto legal dos gestores públicos - o vencimento do Primeiro-Ministro - não permite ao Estado entrar nesse mercado.

2. Diferente é o caso da obrigação de declaração pública de património, de rendimentos e de interesses, que hoje se aplica a todos os gestores públicos, e que poderia continuar a ser legalmente exigida (ou contratualmente imposta) aos gestores da CGD.
Importa, no entanto, salientar, que tal obrigação não decorre da Constituição, nem direta nem indiretamente. Aliás, a Constituição só se refere às obrigações e incompatibilidades especiais dos titulares de "cargos políticos", em cuja categoria não se integram os gestores de empresas públicas (que devem primar pela neutralidade e isenção política).
Mal ou bem, o Governo decidiu retirar inteiramente os gestores da CGD do âmbito do estatuto legal especifico dos gestores públicos -, o que parece implicar a revogação de todas obrigações legais ligadas a esse estatuto, incluindo a referida acima, sob pena de incongruência legislativa. As eventuais dúvidas sobre este ponto só podem ser superadas pelo Tribunal Constitucional.
Seja como for,  não creio que essa eventual isenção seja inconstitucional por violação do princípio da igualdade, por causa de um alegado privilégio ilegítimo dos gestores da Caixa. Na verdade, o princípio da igualdade só pode comparar situações iguais, o que não é o caso, visto que, ao contrário de outras empresas públicas, a CGD participa num mercado tão concorrencial quanto regulado (pelo BdP) quanto à idoneidade e conflito de interesses dos gestores bancários.

3. Pode a AR vir a alterar esta situação por via legislativa, repondo explicitamente essa obrigação para os gestores da CGD?
Sem dúvida que sim, mas em princípio essa alteração só poderá valer para o futuro, não podendo alterar as situações profissionais criadas, tituladas por um contrato em vigor, sob pena de violação unilateral flagrante (aqui, sim!) da proteção das situações jurídicas contratualmente estabelecidas, dando à parte lesada o direito de resolver o contrato e pedir a competente indemnização do Estado. Além disso, há o princípio constitucional de que a criação (ou o restabelecimento) de obrigações públicas, como seria o caso, não pode ter efeitos retroativos para os particulares.
Nestes termos, e independentemente do juízo político de todo o processo, cabe perguntar se há alguma razão para a precipitação da aprovação da lei - que muito provavelmente seria vetada pelo Presidente da República, se dotada de eficácia retroativa -, para além do risco de reativar uma crise de dimensões imprevisíveis da CGD. Para os defensores da natureza pública da Caixa, a iniciativa legislativa que patrocinam pode ser um terrível tiro pela culatra...

Adenda
Porque é que os partidos que contestam a retirada dos gestores da Caixa do estatuto do gestor público não chamaram a apreciação parlamentar, para efeito de revogação ou de alteração, o respetivo diploma governamental - o Decreto-Lei nº 39/2016, de 28 de julho - logo na retoma dos trabalhos parlamentares em 15 de setembro, tendo mesmo deixado passar o prazo de o fazer?

Adenda 2
Perguntam-me se a não aplicação retroativa vale também para a questão das remunerações. A resposta é sim, por maioria de razão. Mesmo os contratos públicos, que admitem a sua modificação unilateral pelo Estado, impõem a "manutenção do equilíbrio contratual".

quarta-feira, 26 de outubro de 2016

Nos 40 anos da Constituição


Amanhã e sexta-feira, vou estar aqui, na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, no colóquio dedicado aos 40 anos da CRP.

UE e Afeganistão: "joint way forward" para o descrédito

"A política externa da UE está a gangrenar, de acordo de readmissão em acordo.

Fazer depender a ajuda ao desenvolvimento do número de repatriações aceites pelo país é obsceno.

É a própria Comissão que classifica a situação no Afeganistão como estando a piorar, em documentos que se recusa a comentar. 

Como pode o Afeganistão, com mais de um milhão de pessoas deslocadas internamente e milhões de refugiados na vizinhança, receber estas pessoas supostamente não elegíveis para asilo na Europa? O círculo vicioso não quebrará: os retornados à força só se não puderem, ficarão no Afeganistão. Pois, se fogem para salvar as próprias vidas? 

Alimentamos o negócio dos traficantes, ameaçamos a nossa própria segurança e descredibilizamos totalmente a Europa: como se pode sequer pensar em usar fundos de ajuda ao desenvolvimento para construir um terminal no aeroporto de Kabul especialmente para “lidar com os retornados?"

(Minha intervenção em plenário do PE, hoje, sobre o recente acordo UE-Afeganistão, dito de "joint way forward"...)

UE pode e deve fazer mais por Mosul


"Há um ano visitei os valentes Peshmerga na linha da frente junto a Mosul e percebi bem como libertar esta cidade é decisivo para arrasar o Daesh globalmente.

Mas é imperativo que as forças libertadoras respeitem o Direito Internacional, durante e após as operações militares, e abram corredores humanitários sob monitorização internacional.

Os governos da União Europeia têm o dever de apoiar mais e mais eficazmente as autoridades do Iraque, e do Governo Regional Curdo, concertando-se entre si na ajuda humanitária e também na militar, incluindo no apoio à reconstrução e protecção de áreas libertadas e das minorias, na dissuasão das ambições territoriais da Turquia, na promoção do diálogo shiita-sunita essencial para a reconciliação e governação democrática. Além de tudo fazer para que os crimes de guerra e contra a humanidades cometidos pelo Daesh e outras forças sejam referidos ao Tribunal Penal Internacional, numa estratégia de combate global à violência extremista e terrorista e seus mandantes e financiadores."


(Minha intervenção sobre a operação de libertação de Mosul/ Norte do Iraque, em debate plenário no PE, esta tarde)

Mais Europa desnaturada: crianças refugiadas desaparecidas

"Relatos ouvidos em Lesbos, Atenas, Idomeni, Roma, Calais, Malmö e outros locais de chegada de refugiados e migrantes, são desoladores, revoltantes, incómodos. Principalmente quando vêm de crianças, a quem falta tudo, incluindo acesso ao ensino, aconselhamento legal especializado, apoio psicológico, tantas vezes pais e familiares. Com os riscos que “gerações perdidas” representam, quer para os países de origem, quer para a Europa.

Há ainda os mais vulneráveis entre os vulneráveis. Crianças desacompanhadas, portadoras de deficiência, de minorias. E tantas, milhares delas, dadas como desaparecidas pela Europol.

Em Malmö, polícias disseram-nos que se uma criança sueca desaparecesse, revolviam o país à procura dela e dos responsáveis pelo desaparecimento; mas se fosse migrante ou refugiada, não havia meios suficientes...

 E governos europeus têm o desplante de invocar razões de segurança quando entregam, assim, crianças a predadores de todo o tipo, associados às redes de traficantes e criminalidade organizada conexa, que deixam impunes e cujo negócio, de facto, alimentam!

Comecemos por algum lado contra esta Europa desnaturada e desumanizada. Senhor Comissário, olhemos ao menos pelas crianças!"


(Minha intervenção em debate no plenário do PE sobre a protecção de crianças refugiados e migrantes)

Conselho Europeu: a Europa desnaturada

"Como se explica que o Conselho Europeu reúna sobre a crise migratória e produza conclusões que não incluam uma única referência a refugiados, asilo, direitos fundamentais, vias legais e seguras para não continuar a entregar a gestão da crise aos traficantes?

Que Europa desnaturada é esta, obcecada pela protecção de fronteiras, que vê gente a pedir protecção como ameaça, que mede o sucesso político em função do número de retornos forçados e defende o ilegal e imoral pacto UE-Turquia; que enaltece como parceiros regimes repressiva como o etíope, de cuja opressão e miséria fogem refugiados e migrantes; 

Alturas houve em que critiquei o Conselho por inacção. Mas hoje estou verdadeiramente assustada: esta via anti-europeia, por Brastislava, da Fortaleza Europa, é um ataque directo à nossa segurança, actual e de gerações a vir.

Urge, de facto, a Europa da Defesa, mas iluminada por estratégia política centrada nos valores e objectivos da UE. Que tem faltado até para fazer ver à Rússia que a continuada agressão à Ucrânia e os bombardeamentos impiedosos em Alepo não ficarão impunes."


(Minha intervenção em debate no plenário do PE sobre as conclusões do Conselho Europeu de 20/21 Outubro)

IRC com matéria colectável mínima e harmonizada

"Felicito-o, Comissário Moscovici, por esta proposta que o Senhor diz ser diferente e melhor mas ressuscita uma de 2011, sobre determinação de Matéria Colectável Comum Consolidada do Imposto sobre Sociedades na UE - então enterrada pelo Reino Unido e Irlanda.

Como os escândalos Luxleaks, Panama Papers e outros demonstram, a transferência de lucros das multinacionais para jurisdições onde praticamente não pagam impostos priva Estados-Membros de importantes receitas fiscais. Como o meu, Portugal, com grandes empresas a deslocalizar "holdings" para Holanda, Luxemburgo e outros paraísos fiscais para evitar pagar impostos.

Uma pseudo "soberania fiscal"  no mercado interno da livre circulação tem agravado a  divergência económica na Zona Euro e tornado insuportável a injustiça fiscal e social.

Os Estados Membros não podem mais bloquear um acordo nesta matéria, que deve incluir o C de Consolidação e a determinação de uma taxa mínima aplicável em toda a UE.

O Parlamento está consigo, Comissário! Adiante!"


(Minha intervenção em debate plenário no PE, ontem, sobre impostos sobre sociedades)