segunda-feira, 6 de fevereiro de 2017

Os factos reais contra os "factos alternativos"


Como aqui se tinha antecipado a economia da zona euro vai bem e recomenda-se, estando até a ter um desempenho superior ao dos Estados Unidos, o que não é comum. Nem o choque do Brexit nem as fundadas preocupações quanto aos eventos políticos calendarizados para o corrente ano (eleições na Holanda, na França e na Alemanha) nem a deriva populista-protecionista nos Estados Unidos parecem abalar o dinamismo da economia europeia, pelo menos para já.
Contra esta realidade, perdem credibilidade os chavões sobre a "crise terminal da zona euro" e sobre a "impossibilidade de crescimento económico na zona euro", proclamados pelas forças antieuropeístas de todos os matizes, entre nós protagonizadas sobretudo pela extrema-esquerda política e ideológica. É de temer, porém, que na atual era "pós-factos" os seus porta-vozes não resistam à tentação de fazer passar por "factos alternativos" (novo eufemismo para "falsificação dos factos") o seu wisfull thinking, tomando os seus desejos por realidades, como costumam fazer.

Adenda
Apesar dos handicaps de que padece a economia portuguesa, ela pode beneficiar do efeito de arrastamento do bom momento da economia da UE (como aqui já se assinalou), sobretudo tendo em conta que os nossos principais parceiros comerciais (a Espanha e a Alemanha) são justamente dos países com maior crescimento e que a melhoria de competitividade da economia portuguesa obtida com a (embora pequena) "desvalorização interna" durante o período de assistência financeira externa, permitiu aumentar para mais de 40% o rácio exportações/PIB, tornando a economia portuguesa mais sensível aos efeitos externos.

Conspiração silenciosa


1. O Governo decidiu encurtar o período de formação de juízes e magistrados do Ministério Público para permitir a sua entrada mais cedo em funções e colmatar as carências existentes.
Mas, por maioria de razão, também deveria ser revisto o seu regime especial de aposentação ("jubilação"), que incentiva a saída de uns e outros logo que alcançada a idade da reforma (atualmente nos 66 anos e alguns meses), por não terem nenhuma vantagem em ficar, visto que gozam de uma pensão permanentemente equivalente à remuneração em funções (incluindo o subsídio de residência!). Para além deste injustificável privilégio - que viola manifestamente o princípio da igualdade, como tenho denunciado várias vezes -, este regime favorece a saída precoce dos juízes e magistrados do Ministério Público ainda na plenitude das suas faculdades.
Um desperdício!

2. É óbvio que esse regime aumenta a rotação de ambas as categoriais, em cargos em que a experiência e a maturidade contam sobremaneira.
Não faz muito sentido encurtar a formação de juízes e de magistrados do Ministério Público para os lançar mais cedo em atividade e depois dispensá-los no final da carreira mal atinjam a idade mínima de aposentação plena. Pelo contrário, além da revisão do regime de pensões, o que se justificava era deslocar a atual idade de reforma obrigatória para depois dos 70 nos, como já defendi há vários anos. Há países sem limite de idade para os juízes...
Com estas duas medidas, sobretudo a primeira, é evidente que grande parte dos juízes e magistrados do Ministério Público prefeririam prolongar o exercício de funções, como sucede noutras áreas, com vantagens para a qualidade da justiça e para o menor peso desta no orçamento do Estado.
A verdade, porém, é que existe uma óbvia conspiração silenciosa para manter estas questões fora da agenda política, independentemente de quem governa. É um daqueles consensos políticos que ninguém consegue justificar mas que ninguém ousa questionar.
Há privilégios inexpugnáveis.

sábado, 4 de fevereiro de 2017

O mistério da geringonça desaparecida


«O desenvolvimento da situação política nacional foi marcada na última semana pela derrota da redução da Taxa Social Única (TSU) para os patrões, com a votação na Assembleia da República no seguimento da apreciação parlamentar proposta pelo PCP do decreto do governo que a adoptava. Esta votação tem um importante significado político. Primeiro, porque contribuiu para o esclarecimento da nova fase da vida política nacional sublinhando particularmente o facto de não existir um governo de esquerda nem tão pouco uma coligação, maioria de esquerda ou acordo de incidência parlamentar de apoio ao governo, mas sim um governo minoritário do PS».
1. O PCP, segundo o Avante desta semana, decidiu apagar oficialmente a "Geringonça" do seu discurso oficial.
Não há "governo de esquerda", nem "coligação de esquerda", nem "maioria de esquerda", nem sequer "acordo parlamentar de apoio ao governo". Do acordo interpartidário que esteve na base da formação deste Governo, nem menção! Há apenas, sentencia o PCP, um "governo minoritário do PS" - não fosse alguém ter-se esquecido -, a quem o PCP faz o favor, com as devidas contrapartidas políticas, de impedir que seja derrubado pela direita parlamentar (que é menos minoritária). Enquanto o Governo se portar bem, claro está!

2. Ao renegar desta forma brutal qualquer compromisso político na sustentação parlamentar do Governo, o que o PCP faz é um "aviso à navegação" dirigido ao Largo do Rato, lembrando o poder de veto do PCP às iniciativas governamentais. Com esta advertência oficial, o PCP sobe a parada e a retórica política face ao Governo, condicionando mais a ação governativa. Provavelmente, a reação pública do PS a esta demarcação do parceiro (?) de aliança (?) parlamentar vai ser "assobiar para o ar" e pensar que se trata somente de recados para consumo interno do PCP.
Mas este misterioso desaparecimento da "Geringonça" da testada do PCP pode bem prenunciar a abertura de uma nova fase, mais dura, da atual fórmula governativa...

O ano do comércio internacional


1. A próxima reunião do Conselho de Estado, órgão consultivo do Presidente da República (e uma espécie de "senado" opinativo), será dedicada ao comércio internacional. Não podia ser mais oportuno o tema.
Primeiro, aproxima-se a ratificação nacional do acordo de comércio e investimento entre a UE e o Canadá (conhecido pela sigla CETA), o mais avançado de todos os acordos comerciais da União, que a extrema-esquerda, como sempre, rejeita. No contexto da atual reação protecionista, agora abraçada por Washington, que já ditou a suspensão das negociações do acordo económico UE-EUA (TTIP),  a questão do CETA torna-se uma questão crucial para a política comercial da União Europeia, que constitui um pilar essencial da sua prosperidade económica e da sua influência no mundo, incluindo na promoção dos direitos laborais e dos direitos humanos em geral.
No quadro político nacional, em que a aliança de governo integra as forças habitualmente hostis ao comércio internacional, a ratificação do CETA constitui um importante teste político interno.

2. Por coincidência, o ano de 2017 pode ser considerado o ano do comércio internacional, assinalando datas incontornáveis na história das trocas comerciais internacionais.
Assim, passam dois séculos sobre a publicação da obra fundamental de David Ricardo, Principles of Political Economy and Taxation (1817), que constituiu a grande explicação teórica sobre as vantagens do comércio internacional. Passam 70 anos sobre o GATT (General Agreement on Trade and Tariffs), o acordo internacional que presidiu à onda longa de liberalização do comércio internacional desde a II Grande Guerra, culminando na criação da Organização Mundial do Comércio (1995). E passam 60 anos sobre o Tratado de Roma (1957), que criou a Comunidade Económica Europeia e iniciou a mais profunda e bem conseguida experiência de integração económica transnacional, na base da livre circulação transfronteiriça de produtos, serviços, capitais e trabalhadores, mais a liberdade de de estabelecimento.
Apesar da atual reação protecionista, que há de passar, só há razões para celebrar essas datas. O comércio internacional com regras favorece a paz, prevenindo as tradicionais guerras comerciais, que não poucas vezes descambavam em conflitos armados . O mundo seria bem mais pobre e menos livre sem os eventos que elas assinalam.

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

As voltas que o Mundo dá!

1. É assaz comprometedor verificar as várias afinidades substantivas entre o programa político de Trump e a extrema-esquerda europeia.
Além do protecionismo comercial, já aqui assinalado, há mais três importantes convergências: o nacionalismo político e a aversão às instituições transnacionais, o programa económico de investimento público baseado no défice e no endividamento público e, last but not the least, a ostensiva hostilidade à União Europeia e a aposta na sua desintegração.
Não é pouca coisa, nem de menor importância.

2. Já se sabia que essas teses da extrema-esquerda eram susceptíveis de servir também um programa de direita nacionalista, dadas as suas convergência com as forças da extrema-direita europeia, nomeadamente a Frente Nacional em França.
Mas que agora a extrema-esquerda e a extrema-direita europeias vejam um seguidor das suas teses nacionalistas e protecionistas em Washington, tradicional campeão mundial do liberalismo e da globalização económica, não deixa de ser surpreendente. Le Pen e Farage já foram a Washington prestar homenagem ao novo oráculo do nacionalismo. A extrema-esquerda europeia que animou o movimento contra o TTIP por essa Europa fora bem podia também ir à Casa Branca agradecer a Trump o enterro daquele, coroando gloriosamente a sua luta. Nem sonhavam com tal "sorte grande" e só lhes fica bem a gratidão!
As voltas que o Mundo dá!

"Branquear" Trump

Apesar de embaraçada com o rompante radicalismo agressivo de Trump, a direita ideológica, entre nós e lá fora, ensaia duas justificações para branquear a sua deriva autoritária: que ele foi eleito democraticamente e que ele está a cumprir o que anunciou.
Mas o clube dos autocratas por esse mundo fora está cheio de presidentes eleitos que anunciaram ao que iam antes de o serem, desde Maduro a Duterte, desde Putin a Erdogan. A eleição e o anúncio prévio não podem validar o populismo, a arbitrariedade, o desrespeito dos direitos humanos e das regras do Estado de direito, a violação de compromissos internacionais.
Ao contrário do que defendem muitos comentadores de direita, o problema não está na dificuldade em optar entre o radicalismo de Trump e o radicalismo de alguns dos seus opositores mais vocais, mas sim entre a evidente tentação autocrática de Trump e os princípios e "convenções" da democracia liberal e do Estado de direito. 
A incapacidade da direita liberal de se demarcar de Trump e das suas tropelias é comprometedora. Os "nossos" autocratas não são menos perigosos do que os outros!

Autoritarismo em Washington

(Fonte da ilustração: http://agendapublica.es/por-que-donald-trump/)
1. No seu ataque à herança política moderada nos Estados Unidos, Trump anunciou a revogação da chamada "emenda Johnson" de 1954, ou seja, da norma legal que proibia a ingerência das igrejas (e outras organizações não lucrativas beneficiárias de isenção de impostos) nas campanhas eleitorais, por exemplo, financiando, apoiando ou rejeitando candidatos ou partidos, sob pena de perda daquelas isenções fiscais.
Ao revogar essa regra até agora politicamente consensual nos Estados Unidos, Trump manifesta ostensivamente o seu agradecimento político pelo empenhado apoio que recebeu dos meios evangélicos no seu caminho para a Casa Branca. Com a revogação da referida lei, Trump vai passar a ter um comício favorável em cada templo evangélico e os púlpitos vão transformar-se em plataformas privilegiadas de combate político, misturando política e religião sem limites.

2. Ora, o princípio da separação entre o Estado e as igrejas num Estado não confessional como os Estados Unidos deve ser simétrico, estabelecendo limitações tanto para o Estado como para as confissões religiosas.
Não deve limitar-se a proibir o Estado de adotar uma religião oficial e de interferir na organização ou ação das igrejas, devendo incluir também a proibição de as igrejas e os seus ministros, nessa qualidade, interferirem nas eleições e na seleção dos titulares de cargos políticos. Nos termos da lição bíblica, Deus e César (que o mesmo é dizer, a religião e o poder político) devem coabitar um com o outro, mas não devem imiscuir-se nos negócios um do outro. Os procedimentos democráticos dizem respeito aos cidadãos, religiosos ou não, e não às igrejas.
Na sua profunda e arrogante falta de cultura democrática, Trump não respeita nenhum obstáculo legal, por mais razoável que seja.

3. Os Estados Unidos estão mesmo em muito más mãos. Neste momento a questão é já a de saber se a democracia liberal americana resiste sem graves entorses a este devastador terramoto político!
Com o superpoder pessoal que o regime presidencialista lhe dá, rodeado na Casa Branca por uma tribo de fundamentalistas fieis, apoiado por uma maioria política nas duas câmaras do Congresso e podendo contar dentro em pouco com um Supremo Tribunal Federal alinhado, quem pode salvar a decência e a moderação política do autoritarismo arbitrário de Trump?

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017

A UE e as rotas da migração

"Mais de 5.000 mortos no Mediterrâneo em 2016 e dezenas de milhares de refugiados a defrontar o Inverno em condições deploráveis na Grécia e na Bulgária evidenciam, tragicamente, que a Europa não tem sido capaz de gerir fluxos migratórios ao longo das rotas mediterrânicas e outras. Não tem um sistema de asilo comum a funcionar eficazmente. E continua a alimentar o negócio das redes de traficantes ao não abrir vias legais e seguras para refugiados e migrantes, designadamente através de vistos humanitários.
A Cimeira de Malta será um falhanço e uma vergonha se apostar na externalização das nossas responsabilidades e fronteiras.
 Apoiar a capacitação de estruturas líbias, do ACNUR e da IOM, para salvar e garantir tratamento com dignidade a refugiados, migrantes e líbios, SIM, Sra. Mogherini. Mas NÃO à imposição de “acordos de readmissão”, ou réplicas do negócio ilegal com a Turquia, a uma Líbia sem governação. Seria indecoroso e contraproducente!
É imperativo que os nossos governos acordem, revigorem a solidariedade europeia para responder aos que, de dentro e de fora, como Trump e o seu estratega Putin, querem destruir a União Europeia, porque querem destruir a democracia. E para isso cavalgam forças racistas, nacionalistas, populistas e xenófobas - as mesmas que nos querem impedir de cumprir deveres básicos de protecção a refugiados e migrantes."

(Minha intervenção em debate no plenário do PE ontem)

Bode expiatório

1. A regras de disciplina orçamental e de governação económica da zona euro costumam ser apontadas como culpadas das dificuldades de alguns países periféricos, como Portugal, em aumentarem o seu potencial de crescimento, de emprego e bem-estar. É a tese da extrema-esquerda parlamentar entre nós, como fundamento prático da sua hostilidade ideológica à integração europeia em geral e ao euro em especial.
Mas independentemente do debate político-ideológico sobre a integração europeia, os factos desmentem frontalmente a responsabilidade do euro no nosso insucesso económico, apesar das aparências em contrário. Nem sempre o que vem depois supõe uma relação de causalidade ("post hoc" nem sempre significa "propter hoc").
Os exemplos da Irlanda e de Espanha, entre outros, mostram que é possível aos países periféricos crescerem robustamente no quadro das regras da zona euro. E, mesmo entre nós, o sucesso das reformas da legislação do trabalho e do arrendamento, adotadas no período de assistência financeira, no atual dinamismo do mercado de emprego e do mercado urbanístico respetivamente mostram que há muita margem interna para influenciar o crescimento e o emprego.
Não é por acaso que a esquerda radical quer "reverter" ou restringir também essas reformas, com o propósito de apagar o desmentido prático das suas teses.

2. O que dificulta o desempenho económico de vários países do euro não são as regras orçamentais e económicas da moeda única, que são iguais para todos, mas sim as más políticas internas, a começar pelas políticas orçamentais e a ausência de reforma dos obstáculos que travam a economia.
Fazer do euro o "bode expiatório" das nossas dificuldades não passa de um dispositivo tático para justificar a falta de determinação reformista ou a oposição ao euro e à União Europeia. Era conveniente não haver dúvidas sobre isso.

Portucaliptal


1. Esta notícia confirma o que toda a gente sabe: que Portugal está a transformar-se num imenso eucaliptal, ainda por cima em regime de exploração extensiva por planícies, montes e vales, incluindo parques naturais.
Portugal ostenta o comprometedor título mundial de país com mais eucaliptos (relativamente ao território), batendo a Austrália! Se a Toscana fosse em Portugal, já estava coberta de eucaliptos!
A "lei da liberalização" de 2013 acelerou a eucaliptização. O atual Governo prometeu revogar essa lei, mas essa virtuosa reversão ficou claramente na gaveta (ao contrário de outras...). Em vez disso, o Governo já premiou a indústria de celulose com 125 milhões de subsídios públicos, mais umas dezenas de milhões de ajuda à produtividade do eucalipto.
Não imaginava vir a caber a um Governo de esquerda coroar o eucalipto como improvável "rei da floresta nacional" (como titula a notícia acima).

2. É óbvio que tudo isto só é possível pelo enorme poder de lobby da fileira agro-industrial da celulose, que foi ao ponto de ameaçar o Governo com o cancelamento de planos de investimento, se ele não cedesse aos seus interesses. Pelos vistos, levou a melhor, com o prémio adicional de obter do Estado o financiamento desses investimentos. Não imaginava os meus impostos a alimentarem a eucaliptização geral do País!
Mais uma vez, os nossos partidos pseudo-verdes, que costumam prestar lip service ao controlo dos eucaliptos, não tugiram nem mugiram perante este maciço subsídio público direto e indireto a uma das atividades económicas mais prejudiciais ao ambiente entre nós. Pelos vistos, não é somente o Estado que os novos "donos disto tudo" põem em sentido...
Disgusting!

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

Duas esquerdas


1. Contra o firme compromisso da social-democracia europeia com a integração europeia, com a UEM e com a "economia social de mercado", a extrema-esquerda europeia, visceralmente hostil a tudo isso, enquanto denuncia a "traição" social-democrata, é defensora de um modelo económico que poderíamos qualificar como "crescimento endógeno soberano", baseado na saída do euro e da UE e numa política económica assente no controlo público da economia (especialmente da banca), no aumento da despesa pública, dos rendimentos e do mercado doméstico, à custa do défice e do endividamento público, da desvalorização monetária, da inflação e do protecionismo económico externo.
Não é outra, entre nós, a leitura dos programas do BE e do PCP e dos textos da sua "intelectualidade orgânica", com uma presença forte nos média, nas redes sociais e nas faculdades de economia e de ciências sociais.

2. A tese da "traição ao socialismo" sempre fez parte do arsenal de combate da esquerda comunista e neocomunista contra a social-democracia, que atingiu o seu paroxismo na miserável tese do "social-fascismo" dos anos trinta do século passado, mas que nunca foi abandonada, envenenando sempre a relação entre as duas esquerdas .
A divisão de águas entre o comunismo e a social-democracia é clara há pelo menos um século, tendo deixado de haver qualquer proximidade equívoca desde que, no congresso de Bad Godesberg de 1959, a social-democracia alemã, e depois toda a social-democracia europeia, rompeu com os dogmas marxistas e abandonou as teses do "socialismo económico", baseado na propriedade coletiva e na direção pública da economia, e passou a erigir a economia de mercado (regulada) em condição essencial do bom desempenho da economia, que é principal garantia do emprego, da igualdade de oportunidades e dos direitos sociais, que continuam a ser, agora como antes os pilares do projeto político da social-democracia.

3. Para além das suas implicações sobre a democracia liberal, a economia de mercado e o Estado social, a tese do "desenvolvimento endógeno soberano" não tem a mínima viabilidade no mundo economicamente globalizado de hoje, especialmente num país sem dimensão, sem energia e sem matérias primas, como Portugal.
Fiel ao paradigma da esquerda latino-americana dos anos 60 do século passado, que nunca abandonou, a extrema-esquerda do sul da Europa não aprendeu nada com os fracassos económicos e políticos das experiências que quiseram construir um Estado social através do controlo estatal da economia e do protecionismo externo.
A principal diferença entre a social-democracia e a esquerda radical é que para a primeira o Estado social não depende de uma economia de Estado, pelo contrário. Por isso, mais profunda do que a suposta unidade das esquerdas é a separação entre a social-democracia e as esquerdas radicais.

Um gigante-pigmeu


(Fonte do mapa: http://www.geomapas.com.br/nossos-produtos/brasil-economico-313-esc.07.html)

Tendo a nona maior economia mundial (representando cerca de 3% do PIB global), o Brasil é um pigmeu no comércio internacional, tendo tido em 2016 uma quota inferior a 1% do comércio mundial.
Sendo a mais protecionista das grandes economias, com uma tarifa aplicada média de cerca de 12%, o Brasil tem uma das economias mais fechadas ao exterior, com um valor de exportações de menos de 12% do PIB, um dos mais baixas do mundo (o que compara com mais de 40% de Portugal) e com uma baixíssima participação nas "cadeias de produção globais". Além disso, as exportações do Brasil estão cada vez mais limitadas às commodities (setor primário: agronegócio e produtos minerais), caraterizadas por elevada volatilidade das cotações internacionais, com uma reduzida quota de produtos industriais, mostrando a fraca competitividade industrial do País.
Eis no que dá o protecionismo externo e a aposta exclusiva no mercado interno, que fazem as delícias das forças nacionalistas e antiglobalização à direita e à esquerda por esse mundo fora (como mostra a extrema-esquerda parlamentar entre nós).

terça-feira, 31 de janeiro de 2017

Cortesia da Troika


1. Saudemos a considerável redução do desemprego em Portugal, que acompanha a sua baixa geral na Europa (como assinala o Eurostat), em consequência da retoma económica generalizada, mantendo-se porém acima da taxa média de desemprego da zona euro (coluna a vermelho) e da da UE (coluna a azul).
Mais uma vez, dos seis países com taxa de desemprego mais elevada, superior a 10% (à direita no quadro), cinco deles são países da corda sul. Resta a consolação de os outros quatro estarem bem piores do que nós...

2. Tendo maior desemprego à partida, Portugal é um dos países onde ele mais desce, só superado pela Espanha.
O que há de singular nisto é que, ao contrário de Espanha, a economia portuguesa cresceu a uma taxa modesta, bem abaixo da da União (e muito abaixo da da Espanha), um crescimento aliás mais baixo do que o registado em Portugal em 2015. Nestas circunstâncias, a explicação para o bom desempenho diferencial do mercado laboral em Portugal, que se iniciou logo em 2014, só pode ser atribuída à reforma da legislação do trabalho durante o período de assistência financeira, nomeadamente no domínio da contratação coletiva, da flexibilidade horária e da mobilidade, do regime de despedimento e do subsídio de desemprego.
Mesmo com alguns pontos excessivos, os frutos dessa reforma estão à vista. Não é por acaso que o Governo não aceitou colocar na agenda política a sua reversão, como pretendem os seus aliados parlamentares. Faz bem!

Ai a dívida

1. A subida da inflação na zona euro para 1,8%, próximo do limite admitido pelas regras europeias, pode não ser suficiente para levar o BCE a interromper imediatamente a sua política monetária expansionista e subir a taxa de juro de referência, com o argumento de que o surto inflacionista é devido sobretudo à subida do petróleo e pode amainar nos próximos meses.
Mas uma parte da subida dos preços é sem dúvida devida à aceleração da retoma económica na zona euro, o que pode levar os defensores de uma política monetária mais ortodoxa a colocar pressão sobre o BCE.
Em todo o caso, a mudança do quadro da inflação europeia vai reforçar a tendência para a subida das taxas de juro da dívida pública, com especial impacto nos países mais vulneráveis, por terem maior dívida e terem ratings maioritariamente negativos, como é o caso de Portugal.

2. Inúmeras vezes tive a oportunidade de alertar para esse risco e para a necessidade de dar prioridade à redução da dívida pública e à melhoria dos ratings, a fim de baixar os encargos da dívida. Em vão. Pelo contrário, no ano passado, em vez de diminuir o rácio da dívida, como estava inscrito no orçamento, aumentámo-lo!
No novo quadro de inflação e de subida dos juros, o tempo começa a escassear para inverter o rumo. É tempo de tomar decisões.

Desmentindo a alegada "morte da blogoesfera"



1. Esta tabela, apresentada pelo próprio Blogger, mostra que este blogue teve mais de 100 000 visualizações em janeiro (de 1 /1 a 30/1), uma média de quase 3.500 leitores por dia (com um pico de mais de 5 000). Notável, de facto.
A notícia da "morte da blogosfera", preterida em favor de outras redes supervenientes na Internet, é um tanto exagerada, pelo menos se se considerarem estes índices da leitura do Causa Nossa.

2. Mais de treze anos passados desde a sua primeira edição, em novembro de 2003, o CN é também um dos mais mais longevos blogues de comentário político e doutrinário em atividade ininterrupta. Não nos afastámos do nosso estatuto editorial originário nem mudámos de orientação ao ritmo das mudanças de governo (e já lá vão uns seis...). O tempo e a prudência aconselharam-nos um apropriado distanciamento crítico em relação a afeições e modas políticas e aos grupos de interesse permanentes.
Não nos propomos desistir.
[revisto]

segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

Oportunismo

Por via de regra, o PCP é campeão verbal da descentralização de funções do Estado para os municípios, até porque mantém, por mérito próprio, uma significativa presença política no poder local. Mas quando se trata da (re)municipalização da Carris de Lisboa, que nunca deveria ter sido estatizada e há muito deveria ter sido devolvida ao município, justamente em homenagem ao princípios constitucionais da descentralização e da subsidiariedade, surpreendentemente o PCP é contra.
E sabe-se bem porquê: primeiro, porque o município de Lisboa escapa ao seu controlo político; segundo porque, sem a Carris nas mãos do Estado o PCP deixa de poder usar as greves nos transportes coletivos de Lisboa como arma contra o Governo da hora (seja ele qual for), com tem feito tantas vezes.
Esta contradição entre os princípios proclamados e as posições ditadas pela conveniência política própria tem um nome: oportunismo.

Adenda
Ao oportunismo, o PCP junta a hipocrisia de defender que deve ser o Estado a manter e financiar a Carris. Como?! Não há nenhuma lógica em o Estado, ou seja, os contribuintes de todo o país terem a seu cargo serviços tipicamente locais, de âmbito municipal ou intermunicipal. Isso não acontece com os transportes urbanos de outras cidades, incluindo as governadas pelo PCP, como Almada, por exemplo. Porquê excluir Lisboa da responsabilidade pelos seus transportes urbanos (incluindo, naturalmente o financiamento)?

Que inveja!

A economia espanhola cresceu mais de 3% no ano passado!
Pobres de nós, tão perto e tão longe do nosso vizinho (nem a metade daquela meta chegamos). Decididamente, o desempenho económico não se transmite por osmose pela fronteira. Resta-nos beneficiar do spill-over resultante de a Espanha ser o nosso principal parceiro económico externo. Podemos ser puxados (à distância).
Da Espanha pode continuar a "não vir nem bom vento nem bom casamento", como dizia o ditado popular, mas vem o exemplo da invejável "perfomance" económica.

Adenda (31/1)
Claro que o preço de uma economia "aquecida" é a subida excessiva da inflação, que atingiu os 3% em dezembro passado. Não podendo contar para já com uma subida da taxa de juro de referência do BCE para contrariar a subida dos preços, a Espanha vai ter de recorrer a outras medidas contracíclicas para obter o mesmo efeito (corte na despesa pública, tributação do crédito ao consumo, etc.). Prouvera que os nossos problemas fossem também esses!

Malthusianismo profissional


O meu anterior post sobre a escassez de médicos provocou a reação crítica de alguns leitores, até porque muitos médicos hão de compartilhar da opinião do seu novo bastonário, de que deve haver corte nas vagas de Medicina.
Para esclarecer melhor a minha posição contrária, importa reiterar o que há muito penso e escrevo sobre o assunto:
   - Há décadas que combato a limitação artificial de acesso às profissões, e não apenas no caso dos médicos, embora estes sejam tradicionalmente os campeões no malthusianismo profissional;
   - A Constituição garante um direito fundamental de escolha de profissão, pelo que quem queira ser médico deve ter oportunidade de o ser (sem terem de ir para o estrangeiro, se tiverem meios); a contingentação profissional é uma restrição qualificada dessa liberdade fundamental;
   . - Quando há um défice de oferta face à procura, e esta é inevitavelmente crescente e deve ser satisfeita (como é o caso dos cuidados médicos), a economia ensina que a única solução é aumentar a oferta;
    - Não há nenhuma razão para o atual monopólio público (aliás, bem caro) no ensino e na formação de médicos, sobretudo quanto o Estado não tem meios para satisfazer toda a procura, exclusivo esse que não existe nas demais áreas profissionais; ora, há universidades e hospitais privados com condições para oferecerem ensino e formação médica de qualidade;
    - Entendo igualmente que se justifica exigir aos médicos recém-especializados que compensem a coletividade que lhes paga a formação (privilégio de que outras profissões não usufruem) com a prestação de serviço no SNS por igual tempo, com a obrigação de concorrer às vagas que abrirem na sua especialidade;
   6º - Em todas as áreas, e não apenas no caso dos médicos, há emigração de profissionais qualificados para países onde tenham rendimento mais elevado, mas quanto maior for o número de profissionais existente, menos impacto negativo interno tem a sua saída;
   7º - Tenho por evidente que quem beneficia das vantagens de mercados protegidos (seja nas farmácias, nos táxis ou nas profissões liberais) tem naturais dificuldades em aceitar a abertura do seu mercado privativo e o aumento da oferta e da concorrência;
  - As políticas públicas não têm por missão servir os interesses corporativos de qualquer profissão, mas sim, respeitando a liberdade constitucional de escolha de profissão, servir o interesse público, neste caso o SNS, que não pode ser vítima da escassez deliberada de profissionais.

domingo, 29 de janeiro de 2017

Doença serôdia do socialismo?

A confirmação da escolha de Hamon como candidato do PS francês às eleições presidenciais da próxima primavera, como aqui se antecipou, não é grave somente porque vai traduzir-se num score eleitoral comprometedor mas também porque deixa entender que, depois da saída de Hollande da liderança do partido, a ala esquerda que Hamon representa vai levar a melhor na sucessão.
O PS francês prepara-se, portanto, para seguir o caminho do Labour britânico, que depois da derrota eleitoral e da saída do poder escolheu Corbyn para a liderança. O problema desta tentação esquerdista para curar as derrotas eleitorais está em que ela cria condições para manter indefinidamente os socialistas numa inglória oposição, tanto em Londres como em Paris.
Parafraseando o célebre panfleto de Lenine de 1920, sobre o chamado "comunismo de esquerda", intitulado "Esquerdismo, Doença Infantil do Comunismo", é caso para perguntar se na atualidade a febre esquerdista em alguns partidos socialistas não constitui uma espécie de doença serôdia do socialismo...

sábado, 28 de janeiro de 2017

Não podia estar mais de acordo

"Neste tempo de muitas incertezas ao nível mundial é essencial termos uma União Europeia mais forte e mais unida em torno dos seus valores da democracia, das suas quatro liberdades e do comércio livre a nível mundial" (António Costa, no final da cimeira dos países do sul da União Europeia, no Centro Cultural de Belém, em Lisboa).
A novidade nesta oportuna declaração política do Primeiro-Ministro está no facto de ele ter cuidado de acrescentar a liberdade de comércio internacional junto com as "liberdades do mercado interno" (que incluem a liberdade de circulação de pessoas), que constituem o fundamento da "constituição económica" da União Europeia.
Costa tem razão: quando do outro lado do Atlântico, contra todos os compromissos internacionais dos Estados Unidos, se prega agora o protecionismo, com o aplauso das forças nacionalistas e soberanistas neste lado do Atlântico, desde sempre protecionistas, importa sublinhar a fundamental importância da liberdade do comércio internacional, que é um dos "core values" da União, tal como definidos nos Tratados, e uma das fontes da sua prosperidade e da sua influência no Mundo.
Só é pena que tais valores não sejam de modo algum compartilhados - pelo contrário - pelos parceiros da aliança parlamentar que sustenta o Governo. A próxima votação na AR do acordo de comércio e investimento com o Canadá (CETA) vai ser um bom teste...

sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

Mercados protegidos

A notícia de que «mais de metade das vagas de especialidade [médica] ficaram por preencher» exibe mais uma vez a rotunda falácia dos "médicos a mais" periodicamente alimentada pela Ordem dos Médicos e pelos sindicatos médicos para justificar a reivindicação de redução do numerus clausus no acesso aos cursos de medicina, apenas para manterem uma escassez deliberada no respetivo mercado profissional, em benefício próprio.
O malthusianismo profissional é um dos traços mais evidentes da cultura corporativista que continua a prevalecer entre nós, que procura a benção do Estado para proteger os interesses económico-profissionais estabelecidos contra a entrada de novos profissionais ou operadores económicos. Enquanto perdurar a defesa de mercados protegidos (seja nos táxis, seja nos médicos), nunca teremos uma verdadeira economia de mercado baseada na liberdade de entrada e na concorrência nos serviços profissionais.

quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

Contradições


1. Com a aprovação no Parlamento Europeu aproxima-se a conclusão do acordo de comércio e investimento entre a UE e o Canadá (conhecido pela sigla CETA), o mais avançado dos muitos tratados comerciais da União até agora.
Embora o tratado possa ser posto provisoriamente em vigor pelo Conselho da União depois da aprovação parlamentar, o processo só ficará definitivamente concluído com a ratificação de todos os Estados-membros, incluindo Portugal, o que vai expor uma das mais profundas contradições políticas na atual aliança governamental, entre o PS, que apoia a política comercial da União e o CETA, e os seus aliados, BE e PCP, que se opõem visceralmente à redução dos obstáculos ao comércio internacional e que têm liderado a aguerrida campanha contra o CETA.

2. Não sendo provável desta vez que o PSD se alie oportunisticamente à extrema-esquerda parlamentar para chumbar o CETA, é de prever, porém, que sublinhe a incapacidade do PS, apesar da proclamada maioria parlamentar, de levar a cabo as suas mais importantes posições políticas, sem a colaboração... da oposição!
Como aqui se advertiu anteriormente, a ideia de que, mercê da aliança de esquerda, "o PS já não precisa do apoio da direita para governar" era "ligeiramente exagerada".

"Geringonça" em Berlim?


A indicação de Martin Schultz, ex-presidente do Parlamento Europeu, como candidato à chefia do governo alemão nas próximas eleições em setembro vai seguramente dinamizar o SPD e inverter o declínio eleitoral que as sondagens indicam até agora.
Mesmo que isso não chegue, como não chegará, para derrotar a chancelerina Merkel, que se candidata a um quarto mandato, um bom score de Schultz pode melhorar as condições negociais dos social-democratas na renovação da atual "grande coligação" em Berlim. Outra hipótese em que Schultz pode estar a pensar é a de, mesmo não ganhando as eleições, tentar uma solução "à António Costa", negociando uma aliança tripartida de governo com os verdes e com a esquerda neocomunista (a chamada coligação "vermelho-vermelho-verde"). Mas para isso seria necessário obter uma maioria parlamentar em conjunto com eles, o que se afigura pouco provável, e vencer a oposição neocomunista à integração europeia, o que se apresenta pouco viável.

As universidades-fundação são tão públicas como as outras


1. Em nome da "defesa da universidade pública", a coligação PCP/BE/FENPROF mantém desde o início uma combate sem tréguas à adoção do regime fundacional por parte das universidades públicas.
Agora é Coimbra o centro das operações de combate (como mostra a imagem), depois de perdida a batalha no caso de Aveiro, do Porto, do ISCTE, de Braga e da Universidade Nova de Lisboa.
Pode haver vários argumentos pertinentes contra as universidades-fundação, mas entre esses argumentos não podem estar os dois principais usados pela coligação contrária, a saber, que elas constituem uma forma de privatização das universidades e que comprometem a autonomia universitária.
Quanto ao argumento da privatização, é evidente que as universidades-fundação continuam a pertencer ao Estado. As próprias fundações são públicas, embora sujeitas ao regime de direito privado, apenas para efeitos de gestão patrimonial, financeira e de pessoal, tal como muitas outras entidades públicas.
O argumento da autonomia também não faz nenhum sentido, pois as universidades-fundação tornam-se muito mais autónomas do Governo, visto que a autoridade máxima da gestão da instituição passa a ser o conselho de curadores, cujos membros são todos indicados pelas próprias universidades e não podem ser livremente demitidos pelo Governo.

2. O melhor modo de defender as universidades públicas é aumentar a sua autonomia e responsabilidade, reforçar os seus meios financeiros, bem como a flexibilidade e eficiência da sua gestão. É isso que o regime fundacional proporciona.
O que a troika BE/PCP/FENPROF defende não é o interesse geral das universidades públicas, mas sim somente o interesse sindical de manter o regime tradicional do pessoal académico e administrativo como funcionários públicos. Não é irrelevante, mas é pouco.
O regime fundacional não foi criado por nenhum governo de direita, mas sim por um governo do PS, sob a responsabilidade de um dos melhores ministros do ensino superior do Portugal democrático, J. Mariano Gago, com o apoio da OCDE. Ver no regime fundacional uma conspiração contra a universidade pública não faz ao mínimo sentido.
De resto, o combate contra o regime fundacional não se tem mostrado propriamente convincente para impedir as referidas universidades de o requererem (pois trata-se de um estatuto voluntário). Ninguém acredita que as universidades-fundação já existentes tenham passado a ser menos públicas ou menos autónomas do que as demais. E nenhuma quer abandonar esse estatuto...

quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

Ai a dívida!

1. Esta tabela do Eurostat, relativa ao terceiro trimestre de 2016, mostra que dos sete países que têm um rácio dívida pública / PIB superior à média da zona euro (a vermelho) cinco deles são da corda sul da União, os suspeitos habituais, com Portugal num desconfortável segundo lugar ex-aequo com a Itália.



2. O segundo quadro, abaixo, mostra que na comparação com um ano antes (3ºT 2015), enquanto a Grécia, a Itália e a Espanha melhoraram o seu rácio, Portugal e Chipre agravaram-no, em contraciclo com o resto da União, acentuando a sua divergência para a média da UE (a azul) e da zona euro (a vermelho), que também diminuíram.














3. Mesmo que os dados relativos à dívida líquida (que deduz os depósitos) atenuem a gravidade destes quadros, a situação não pode deixar de inspirar preocupação.
Não nos admiremos, portanto, que a nossa taxa de juro também tenha subido em contraciclo com a de outros países, agravando o spread em relação à divida espanhola e italiana e encarecendo o custo das novas emissões da nossa dívida. E não nos admiremos também que as agências de rating mantenham Portugal em maus lençóis.
Esta tendência negativa tem de ser revertida (aqui, sim, uma reversão virtuosa!), antes que as atuais condições favoráveis de juros baixos (inflação reduzida e intervenção do BCE) se alterem, tornando tudo ainda mais difícil.

"Contra as eleições"


1. Antes do livro "Contra a Democracia", anteriormente referido aqui no Causa Nossa, também já havia o livro "Contra as Eleições", publicado no ano passado e recentemente analisado no Observador.
Embora se afirme a favor da democracia, o livro representa uma tese claramente contra a democracia eleitoral, propondo a substituição, pelo menos parcial, das eleições pela seleção à sorte dos titulares de cargos públicos, invocando o exemplo da antiga democracia ateniense (Conselho dos 200) e de algumas repúblicas italianas na época do Renascimento.
Todavia, a tese contra a democracia eleitoral não deixa de ser tão estapafúrdia como a tese da "democracia elitista" antes referida.

2. Podendo servir para escolher os membros do júris nos tribunais, o sorteio não serve seguramente para selecionar os representantes políticos numa democracia representativa. Por três razões:
   - primeiro, o sorteio "despolitizaria" a democracia, ao não permitir escolher os representantes em função das suas capacidades pessoais e das sua ideias políticas, que é a chave da competição política em democracia;
   - segundo,  o sorteio eliminaria a responsabilidade dos próprios cidadãos na escolha dos seus representantes, substituindo-a pelo acaso, assim quebrando qualquer relação de accountability destes em relação àqueles;
   - por último, o sorteio retiraria a necessária legitimidade e autoridade política aos representantes para governarem em nome da coletividade, que só a eleição confere.

3. Sendo embora mais uma tese falhada contra a democracia tradicional, o facto de se multiplicarem os livros a pôr em causa a democracia representativa na base do sufrágio universal e das eleições revela bem os equívocos doutrinários na resposta às perversões da democracia e aos perigos antidemocráticos do populismo e da demagogia nacionalista.
É caso para dizer "pior a cura do que a doença". Há de haver outros remédios para os perigos que corre a democracia do que... sacrificar a própria democracia.

Distanciamento

Parecem-me excessivos os aplausos oriundos do PS ao (excessivo) apoio dado publicamente pelo PR ao Governo, nomeadamente na entrevista de há dias à televisão, em que MRS surgiu como espécie de "procurador oficioso" do Governo.
Um pouco de distanciamento político recíproco não faria mal a nenhum dos lados. Por um lado, no seu papel de arbitragem e de supervisão institucional, o PR deve ser discreto na sua avaliação pública da ação governativa, mesmo quando se trata de dizer bem dela, evitando tomar partido; por sua vez, o Governo, que não depende da confiança nem do apoio político do PR (mas somente da sua lealdade institucional), não deve tomar o apoio de Belém como um favor que tenha de agradecer e retribuir. Nem o PR pode considerar o executivo como "o seu Governo" nem este pode tomar aquele como o "seu Presidente". No nosso sistema constitucional, a função governativa não é uma "joint venture" entre Belém e São Bento.
Se os ventos mudarem e a situação política se complicar, a excessiva proximidade de hoje pode ser um problema amanhã.

terça-feira, 24 de janeiro de 2017

"Tenho Direitos"


Mais uma iniciativa do Centro de Direitos Humanos da FDUC, a que tenho a honra de presidir, desta vez na área da educação para os direitos humanos em escolas multiculturais de ensino secundário.
O mérito cabe à equipa do IGC e às escolas participantes, a que se junta ao apoio institucional da UE (Programa Erasmus) e da Município de Coimbra. O meu agradecimento público a todos.

Derrota certa

A clara e inesperada vitória do candidato mais à esquerda (B. Hamon) na primeira volta das "primárias" do PS francês, aliás pouco participadas, para a escolha do seu candidato às eleições presidenciais deste ano deixa pouca margem para uma recuperação do ex-primeiro-ministro Manuel Valls na segunda volta (que deixou a presidência do Governo para travar esta batalha), na medida em que o terceiro candidato mais votado, A. Montbourg, já anunciou o seu apoio a Hamon.
Se efetivamente vier a ser Hamon o candidato presidencial do PS, as hipóteses de chegar à segunda volta das eleições de Abril próximo, na disputa com Le Pen, Fillon e Macron - que já eram escassas à partida, mercê do péssimo mandato de Hollande -, ficam praticamente excluídas. As ideias políticas que Hamon apresentou, manifestamente incomportáveis pelo já sobrecarregado orçamento francês (como a de um "rendimento universal" de 750 euros), podem apelar à esquerda do PS francês mas só podem afastar o cidadão comum, pelo seu radical irrealismo.
Derrota segura à vista, portanto. Com poucas exceções, as provações eleitorais da social-democracia europeia nos últimos anos não dão mostras de estar perto do fim.