quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

Duas esquerdas


1. Contra o firme compromisso da social-democracia europeia com a integração europeia, com a UEM e com a "economia social de mercado", a extrema-esquerda europeia, visceralmente hostil a tudo isso, enquanto denuncia a "traição" social-democrata, é defensora de um modelo económico que poderíamos qualificar como "crescimento endógeno soberano", baseado na saída do euro e da UE e numa política económica assente no controlo público da economia (especialmente da banca), no aumento da despesa pública, dos rendimentos e do mercado doméstico, à custa do défice e do endividamento público, da desvalorização monetária, da inflação e do protecionismo económico externo.
Não é outra, entre nós, a leitura dos programas do BE e do PCP e dos textos da sua "intelectualidade orgânica", com uma presença forte nos média, nas redes sociais e nas faculdades de economia e de ciências sociais.

2. A tese da "traição ao socialismo" sempre fez parte do arsenal de combate da esquerda comunista e neocomunista contra a social-democracia, que atingiu o seu paroxismo na miserável tese do "social-fascismo" dos anos trinta do século passado, mas que nunca foi abandonada, envenenando sempre a relação entre as duas esquerdas .
A divisão de águas entre o comunismo e a social-democracia é clara há pelo menos um século, tendo deixado de haver qualquer proximidade equívoca desde que, no congresso de Bad Godesberg de 1959, a social-democracia alemã, e depois toda a social-democracia europeia, rompeu com os dogmas marxistas e abandonou as teses do "socialismo económico", baseado na propriedade coletiva e na direção pública da economia, e passou a erigir a economia de mercado (regulada) em condição essencial do bom desempenho da economia, que é principal garantia do emprego, da igualdade de oportunidades e dos direitos sociais, que continuam a ser, agora como antes os pilares do projeto político da social-democracia.

3. Para além das suas implicações sobre a democracia liberal, a economia de mercado e o Estado social, a tese do "desenvolvimento endógeno soberano" não tem a mínima viabilidade no mundo economicamente globalizado de hoje, especialmente num país sem dimensão, sem energia e sem matérias primas, como Portugal.
Fiel ao paradigma da esquerda latino-americana dos anos 60 do século passado, que nunca abandonou, a extrema-esquerda do sul da Europa não aprendeu nada com os fracassos económicos e políticos das experiências que quiseram construir um Estado social através do controlo estatal da economia e do protecionismo externo.
A principal diferença entre a social-democracia e a esquerda radical é que para a primeira o Estado social não depende de uma economia de Estado, pelo contrário. Por isso, mais profunda do que a suposta unidade das esquerdas é a separação entre a social-democracia e as esquerdas radicais.