terça-feira, 12 de dezembro de 2017

Panama Papers - governos europeus estão capturados

"Aprovamos este relatório sobre os Panama Papers na mesma semana em que reunimos com Conselho e Comissão na 9a. ronda de negociações sobre a 5a diretiva para a prevenção do branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo. Que se arrastam há oito meses porque, por obstrução de alguns Estados Membros, o Conselho persiste em negar acesso público aos registos de beneficiários efetivos de empresas e trusts e insiste em manter lacunas e escapatórias para a indústria da criminalidade financeira continuar a operar com impunidade. Até a criação de uma Unidade de Informação Financeira Europeia foi recusada pelo Conselho. Ora, avançar para a 5a directiva, resultou do imperativo de combater o financiamento do terrorismo depois do ataque ao Bataclã, em Paris. 

Mas apesar da retórica reformadora, escândalo após escândalo e ataque após ataque, certos Estados Membros não querem realmente mudar: a captura de governos europeus pelos interesses da indústria da evasão fiscal e do branqueamento fica exposta na falta de acção coerente e decisiva pela justiça fiscal e contra o crime financeiro, a corrupção e o financiamento do terrorismo. 

Malta, onde foi assassinada Daphne Caruana Galizia, é sinistro exemplo desta captura.

Sabemos que o nosso trabalho no PE, aliado ao da imprensa de investigação - que saúdo - pode fazer a diferença: graças à nossa pressão sobre o escândalo LuxLeaks, a Comissária Verstager exigiu ao governo irlandês q recuperasse os impostos que deixou poupar a Apple e o Comissário Moscovici fez propostas inédita e positivas. Prosseguiremos as investigações dos PanamaPapers e dos Paradise Papers e exporemos os capturados, os corruptos e os encobridores e os criminosos, onde quer que se encontrem! E muitos estão aqui na Europa, um dos centros do sistema, onde há paraísos fiscais - apesar de não constarem da lista cinicamente aprovada pelo Conselho, que nem sequer prevê sanções".

 

Minha intervenção no debate plenário do PE, esta manhã, sobre o relatório da Comissão de Inquérito sobre os Panamá Papers (da qual fui Vice-Presidente).

segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

+ Europa (7): A UE, líder do comércio global

1. A UE acaba de concluir o acordo de comércio e investimento com o Japão, que se torna o maior acordo comercial da União até agora, criando uma zona de comércio livre de mais de 600 milhões de habitantes e representando cerca de 30% do PIB mundial.
Depois do CETA com o Canadá, já em aplicação provisória, e tendo à vista a próxima conclusão do acordo com o Mercosul, ainda mais valioso do que o do Japão, a União assume determinadamente o comando do processo de abertura e regulação das relações comerciais, tanto na OMC como nos acordos bilaterais, e não apenas abrindo novos mercados às suas exportações mas também globalizado progressivamente os seus padrões regulatórios em matéria de requisitos sanitários e fito-sanitários, de denominações de origem agro-alimentares, de normas laborais e ambientais, de propriedade intelectual, de compras públicas e de concorrência, entre outros.

2. Face à deriva nacionalista dos Estados Unidos de Trump, a liderança euro-americana que predominou desde a II Guerra Mundial no movimento de liberalização e regulação internacional do comércio mundial torna-se numa hegemonia singular da União Europeia, que assume decididamente as suas responsabilidades de maior mercado e de maior potencia exportadora mundial.
Claramente, a política comercial externa da UE - que aliás é uma competência exclusiva, "federal" - constitui a mais assertiva e bem-sucedida política de ação externa da União, indo, aliás, muito para além das simples relações económicas. Também na cena externa é pela economia que a UE se afirma, sem porém descurar os demais valores da União.

sábado, 9 de dezembro de 2017

Este País não tem emenda (16): "Os nórdicos do séc. XXI"


1. Numa entrevista ao diário espanhol El País, o nosso Presidente da República declarou, surpreendentemente, que nós, portugueses, como País, somos agora "os nórdicos do séc. XXI", frase que o jornal justificadamente puxou para título da entrevista.
Lendo o artigo, vemos que MRS se referia especificamente ao papel de representação e intermediação internacional que Portugal hoje desempenha, não aos níveis de desempenho económico, de igualdade e de bem-estar social, de educação e de cultura, de responsabilidade individual e cultura cívica e de estabilidade política e constitucional que estamos habituados a identificar com os países nórdicos.
Por minha parte, já exprimi há tempos a ambição de que Portugal pudesse vir a ser uma espécie de Dinamarca do sul, mas tenho consciência de que se trata de uma wishful thinking irrealizável no espaço de algumas gerações. A verdade é que, enquanto eles passaram pela reforma protestante há cinco séculos, nós somos herdeiros da contrarreforma; enquanto eles alcançaram muito cedo a literacia universal e elevados taxas de ensino secundário e superior, nós ainda temos uma significativa taxa de alfabetismo na população mais velha e um considerável défice no que respeita ao ensino secundário e superior; enquanto eles construíram desde há um século um eficiente sistema de proteção social, nós ainda mantemos níveis de pobreza elevados e um Estado social incompleto e sujeitos a vários riscos.

2. Entendo, porém, que o nosso principal handicap diz respeito à cultura cívica e à responsabilidade individual perante a coletividade.
Relendo os meus posts críticos desta série sobre o País, concluo que eles não tinham cabimento num país nórdico, onde, por exemplo, não se é complacente com a fuga às obrigações tributárias, não se cospe no chão nem se deixa lixo em toda a parte, não se estacionam automóveis normalmente em cima dos passeios nem se anda impunemente nas autoestradas a 200 à hora, não existem os incríveis níveis de "baixas" por doença fraudulentas, não se verifica a deprimente degradação urbanística que se encontra entre nós (incluindo o património público), não se torturam animais em arenas para gáudio público, não se procede à danificação sistemática do equipamento público nem se ocupa o domínio público marítimo com habitações clandestinas, não se cobriu irresponsavelmente o território com eucaliptos em substituição do coberto vegetal autóctone e onde as corporações profissionais e as "irmandades" mais ou menos secretas não determinam ou condicionam as políticas públicas como entre nós.
O crescimento económico e a determinação política podem reduzir as assimetrias no campo económico, social e educativo. Mas o fosso existente no que respeita à responsabilidade individual e ao compromisso cívico perante a coletividade pouco dependem disso. Tal como a relva inglesa, trata-se de um processo que pode levar séculos. Mas cada ano adiado é um ano perdido!

quinta-feira, 7 de dezembro de 2017

Referendo sobre a eutanásia?

1. Tal como sucedeu antes com a despenalização do aborto ou com a legalização dos casamentos de pessoas do mesmo sexo, há de novo quem entenda que a questão da admissão da eutanásia é insuscetível de ser submetida a referendo, por estarem em causa direitos fundamentais. O curioso é que essa posição é defendida tanto pelos que são a favor da eutanásia (por entenderem que ela está garantida pelo direito à livre determinação sobre o termo da própria vida) como pelos que são contra (que também entendem, pelo contrário, que a sua admissão viola o direito à vida)!
Mais uma vez discordo destas teses, como discordei anteriormente nos referidos casos. Primeiro, não vejo onde é que a Constituição reconhece um direito à eutanásia. Entendo que não existe tal direito fundamental. Se houvesse, então haveria uma inconstitucionalidade desde o início, por a lei não o respeitar até agora. Mas também defendo, ao contrário dos segundos, que a Constituição não proíbe a lei de a reconhecer, porque entendo que o direito à vida não inclui em termos absolutos uma obrigação de viver em quaisquer circunstâncias. Portanto, trata-de de uma questão que cai essencialmente na alçada da discricionariedade do legislador. A Constituição não determina tudo. Ora, onde existe uma margem de livre decisão do legislador, pode haver referendo.

2. A razão porque sou pessoalmente contra tal referendo, embora sendo a favor de uma prudente admissão da eutanásia em casos extremos, não tem a ver com a sua suposta inadmissibilidade constitucional - que a meu ver não existe -, mas sim com razões puramente políticas.
Sou por princípio contra referendos - que pressupõem uma decisão de sim ou não sobre uma solução proposta aos cidadãos - sobre matérias que dependem mais de compromissos interpartidários e de um ponderado debate parlamentar - assumindo os partidos as suas responsabilidades - do que do decisionismo referendário conjuntural. Além disso, uma questão com a complexidade filosófica e moral destas não se apresenta como apropriada a decisão referendária, que abriria caminho a toda a demagogia, sem nenhum ganho para uma solução esclarecida da questão.

Portucaliptal (26): Atentado à biodiversidade

Para quem ainda não soubesse, aqui fica mais um contributo para o esclarecimento sobre os malefícios do eucalipto, desta vez sobre a redução da biodiversidade.
De sublinhar que, tendo em conta o rácio da área ocupada no território do País, Portugal se transformou no campeão mundial do eucaplital. Lamentável record!

quarta-feira, 6 de dezembro de 2017

Observatório do comércio internacional (2): O ataque dos Estados Unidos à OMC

 
"(...) as trade ministers from the WTO’s 164 members gather in Buenos Aires on Sunday for their biennial conclave, they are confronting what many see as an accelerating existential crisis for both the two decades-old body and for the postwar trading system. And the US, the one-time guarantor of that architecture, is now leading the assault." Do Financial Times de hoje.
1. O atual sistema mundial de comércio internacional, iniciado com o GATT de 1947 e concluído com a criação da OMC em 1994, assenta na progressiva abertura multilateral das trocas comerciais, com base em direitos e obrigações iguais e num sistema parajudicial de resolução de litígios.
Como grande potência económica e comercial, os Estados Unidos foram protagonistas deste edifício institucional do comércio internacional. Agora, subitamente, com a política protecionista e nacionalista de Trump, os Estados Unidos estão em vias de afastar-se do sistema multilateral, apostando num ataque em forma à própria OMC e, em especial, ao seu mecanismo de resolução de litígios, boicotando o preenchimento das vagas na respetiva instância de recurso.

2. Surpreendentemente, de campeões e garantes da ordem económica liberal mundial construída desde a II Guerra Mundial, que proporcionou um longo e invejável período de prosperidade e de paz nas relações comerciais internacionais, os Estados Unidos passam a encabeçar uma deriva protecionista e isolacionista, para júbilo de todos os nacionalistas à direita e à esquerda.
A Conferência Ministerial da OMC, que este fim-de-semana se inicia em Buenos Aires (pela primeira vez na América Latina), pode fornecer novos indícios desta perigosa ofensiva de Washington contra a mais importante instituição multilateral de regulação e governação económica internacional.

Esquerdismo primário (III)

1. O Bloco acha que eu "tomo as dores das [empresas] elétricas" no caso da "contribuição especial sobre as energias renováveis" por ter sido membro do Conselho Geral e de Supervisão da EDP entre 2007 e 2009. Trata-se, porém, de mais uma pedestre mistificação política, em que o BE é useiro e vezeiro. Mais uma vez sem qualquer espécie de escrúpulo político.
Primeiro, como é público e notório, eu nunca fui governante e também não fui administrador da EDP, mas sim membro independente do referido órgão, que é uma espécie "parlamento" da empresa, sob proposta do Governo (em representação do então acionista Estado) e não dos acionistas privados. Segundo, saí antes do final do mandato, quando me candidatei ao Parlamento Europeu. Terceiro, não regressei depois à empresa e não devo nenhum favor à EDP nem, muito menos, ao novo acionista chinês que é agora o seu principal protagonista.
Por conseguinte, o facto de ter desempenhado episodicamente esse cargo não me inibe de tomar uma posição devidamente fundamentada contra a aventureira proposta do Bloco sobre a contribuição especial sobre as energias renováveis, que aliás não diz respeito somente à EDP.

2. Como expliquei nesses dois posts (aqui e aqui), a minha posição não tem a ver com os interesses das empresas (aliás juridicamente titulados), mas sim com três argumentos de defesa do interesse público em geral e do interesses do contribuintes em especial.
Primeiro, num Estado de direito, os governos devem respeitar os compromissos assumidos com os particulares em geral, e com os investidores estrangeiros em especial. Segundo, a violação desses compromissos faria seguramente incorrer o Estado em pesadas indemnizações, por perdas e danos, à custa dos contribuintes (que pagariam com língua de palmo o prometido benefício como consumidores de eletricidade). Terceiro, essa medida poria em causa novos investimentos, sobretudo o investimento estrangeiro, numa área crucial para a autonomia energética do País e para as metas nacionais de "descarbonização" da economia.
A esquerda radical alimenta a estulta ilusão de que expulsando os investidores estrangeiros mata o capitalismo. Mas só lesa a economia e o emprego em Portugal.

3. Como declarou entretanto o Primeiro-Ministro, numa crítica direta à proposta do Bloco, o interesse na redução da fatura energética dos consumidores não pode fazer-se através do incumprimento dos contratos com os investidores. Eu não disse outra coisa!
Mas para os revolucionários do BE essa regra elementar do Estado de direito é um pormenor desprezível, que deve ceder perante os interesses supremos da luta de classes e do combate anticapitalista. Tal como defendeu anteriormente o "calote" aos credores da dívida pública, por meio de uma "reestruturação" unilateral da mesma, espezinhando os respetivos contratos e correspondentes direitos, os radicais do Bloco também acham que os direitos dos investidores estrangeiros constituem uma invenção interesseira dos aliados do capital e das multinacionais. Vade retro!
A insensata proposta foi devidamente derrotada in extremis, sabe-se agora que por intervenção direta do Primeiro-Ministro. Mas o facto de ela ter chegado a ser imprudentemente sufragada numa primeira fase pelo partido do Governo mostra que há alianças que contaminam e comprometem!

sexta-feira, 1 de dezembro de 2017

Centeno na presidência do Eurogrupo

1. Tudo indica que o nosso Ministro das Finanças tem boas hipóteses de ser escolhido como presidente do Eurogrupo, visto o cargo "pertencer" ao grupo socialista na atual repartição de cargos ao nível da UE - quase todos nas mãos do PPE - e Centeno ter a seu favor um bom registo da consolidação orçamental em Portugal e de capacidade de articulação com os seus pares.
Além disso, o facto de Portugal ter superado com êxito um duro programa de assistência externa pode servir de exemplo de como o regresso à virtude orçamental compensa. Por último, tratar-se de um país do sul também ajuda ao equilíbrio político da União.

2. Sob o ponto de vista nacional, só há vantagens em deter essa posição. Primeiro, pela importância política do próprio cargo no seio da União, mesmo que o Eurogrupo não tenha formalmente poderes deliberativos; segundo, isso reforça o compromisso político de Portugal com o euro; terceiro, estando à frente do Eurogrupo, Portugal tem menos riscos de cair outra vez na tentação da indisciplina orçamental, devendo liderar pelo exemplo; finalmente, essa posição permite a Portugal ter uma voz mais ativa na necessária reforma e reforço da governação da zona euro, o que não é despiciendo.
Quem não pode ver isto com bons olhos, mesmo que disfarcem, são obviamente os parceiros da "Geringonça", para quem qualquer reforço do envolvimento e da responsabilidade do País em relação à "união económica e monetária" é trilhar o caminho da perdição. Uma vantagem adicional, do meu ponto de vista...

quinta-feira, 30 de novembro de 2017

Obrigado!

1. Também eu tenho uma dívida de gratidão para com Belmiro de Azevedo, agora falecido, no fim de uma vida de enorme êxito empresarial, construído de raiz, mercê de trabalho, ousadia e determinação em várias áreas de negócio, o que não é comum em Portugal.
A minha gratidão enquanto cidadão tem a ver obviamente com o jornal Público, um jornal inovador, aberto, crítico e independente, criado por iniciativa de Vicente Jorge Silva (que foi o seu primeiro diretor), cujo financiamento Belmiro de Azevedo assegurou desde a origem, mediante um singular compromisso público (hoje reeditado pelo jornal) de não ingerência na sua orientação editorial.
Não tivesse Belmiro deixado atrás de si também um registo de independência face ao poder político e de intervenção provocante no debate público (nem sempre com razão mas sempre com convicção!), o Público bastaria para lhe creditar um lugar de eleição na história da imprensa e do espaço público em Portugal.

2. Fui colunista regular do Público durante mais de uma década, tendo várias vezes tomado posições que não eram propriamente favoráveis, direta ou indiretamente, aos interesses do seu proprietário. Nas poucas vezes em que nos encontrámos ocasionalmente em lugares públicos, nunca me fez qualquer reparo ou observação crítica. E numa vez que entendeu que devia discordar expressamente de um artigo meu, onde era diretamente visado, optou por publicar um texto de réplica, puramente argumentativo, no seu próprio jornal!
Nunca mais esqueci esse gesto de seriedade e de lealdade ao compromisso que havia assumido para com o jornal. Depois disso continuei a publicar no jornal por muitos mais anos.

3. Devo às páginas do Público a divulgação dos meus mais relevantes textos de análise política e de combate doutrinário por causas que continuam a ser as minhas, e que resumi no último texto da minha colaboração regular no jornal em 2011 (disponível online).
O meu papel ativo durante tantos anos na esfera da "cidadania de intervenção" não teria sido seguramente o que foi, sem o Público. Eis porque só posso dizer: Obrigado, Belmiro de Azevedo!

Adenda
A oposição isolada do PCP ao voto de pesar aprovado da AR mostra que nem o facto de sempre ter tido acesso ao Público modifica os inexoráveis dogmas leninistas: pior do que um capitalista em geral é um capitalista bem sucedido. Agora, só falta um colunista do PCP vir explicar nas páginas do próprio Público as razões da rejeição!...

Esquerdismo primário (II)

1. Segundo esta notícia, o anúncio da "taxa das eólicas" levou à desistência de investimentos de 400 milhões. Sim, além da exigência de indemnização pelos investidores atingidos, como referi meu anterior post sobre o assunto, a contribuição especial teria seguramente um efeito de fuga de novos investimentos.
Num País como Portugal, que padece de um claro défice de investimento interno, tanto público como privado, o investimento estrangeiro é crucial, para mais numa área chave para a autonomia energética do País, como são as energias renováveis. Respeitar as condições de atratividade que o levam a vir deveria ser uma linha vermelha para todos os governos.
Nesta matéria o aventureirismo político paga-se caro.

2. De resto, nada obrigava e tudo aconselhava o PS a não apoiar esta medida.
Por um lado, ela não constava de nenhum dos compromissos interpartidários em que assentou a atual solução governativa; por outro lado, como partido de esquerda moderada que é, o PS não pode compartilhar do atávico ódio da extrema-esquerda ao investimento privado em geral e ao investimento estrangeiro em especial. Acresce que neste caso estava em causa também o respeito de compromissos do Estado com investidores estrangeiros, cujos interesses legítimos não podem ser arbitrariamente lesados (Estado de direito oblige!...)
Por isso, há que saudar o "golpe de rins" do Governo e do PS nesta matéria, que esteve à altura da gravidade da questão. O pior teria sido insistir no erro até ao fim.

Este país não tem emenda (15): Uma vergonha!

Esta denúncia que faz manchete no Jornal de Notícias de ontem sobre os inaceitáveis números relativos a "baixas por doença" no SNS só surpreende os distraídos.
O que continua a surpreender, porém, é como é que uma classe profissional como os médicos aceita passivamente que uma minoria de entre eles viole os mais elementares deveres da ética e da responsabilidade profissional, passando atestados sem fundamento a colegas para justificar faltas por conveniência, à custa do SNS e dos seus utentes. E também continua a surpreender que a Ordem dos Médicos, que tantas vezes se erige em defensora do SNS, pactue pelo silêncio e pela inação com uma situação que configura maciças faltas disciplinares, que ficam sistematicamente impunes, e que põe gravemente em causa a reputação e o crédito público da classe, que a Ordem deveria zelosamente preservar.
É perante situações destas que se impõe perguntar, como o Ministro da Saúde fez há pouco tempo: afinal, para que serve a Ordem dos Médicos?!

terça-feira, 28 de novembro de 2017

Esquerdismo primário

1. A proposta de extensão da contribuição especial de energia (CESE) ao setor das energias renováveis - que estavam isentas desde a criação daquela no auge da crise financeira - era de uma enorme imprudência política. Por um lado, lesava os direitos contratuais dos investidores que aplicaram os seus capitais na base de condições de rendibilidade assegurada, que agora lhe eram inesperadamente retiradas. Uma contribuição especial ad hoc equivale a uma revisão contratual unilteral encapotada. Por outro lado, contrariava manifestamente a aposta nacional nas energias renováveis, que é crucial para reduzir a dependência energética do País.
Nada a recomendava, portanto. Pelo contrário.

2. Para além dos danos reputacionais, em termos de atração de IDE (que é vital para o País, dado o défice de poupança e de capital interno), a aplicação superveniente dessa pesada contribuição extraordinária, já fora do contexto da crise que a justificara inicialmente, iria gerar seguramente pedidos de indemnização por responsabilidade extracontratual do Estado, especialmente gravosos no caso de investidores estrangeiros, em virtude do recurso a formas de arbitragem internacional de investor-to-state-dispute settlement, especialmente expeditas. Provavelmente, a imprudente decisão iria custar mais em indemnizações do que a receita arrecadada com tal contribuição!
Que o BE tenha congeminado esta brilhante solução de "expropriação por via fiscal", isso faz parte do irresponsável radicalismo antinegócios, típico da agremiação. Que o PS se tenha associado a ela até quase ao final, cainda na tentação da leviandade política, de que só à última hora recuou, já é bastante mais inquietante. Afinal, o esquerdismo pega-se "por contacto"!...

Adenda
Que a aventureira proposta do BE tenha alegadamente sido validada pela Economia e obtido um nihil obstat das Finanças torna o episódio ainda mais inquietante do que parecia!

segunda-feira, 27 de novembro de 2017

Porque não se demite?

A descabelada condenação pública da transferência do Infarmed para o Porto feita pela presidente desse instituto público é inaceitável a qualquer luz da responsabilidade e da lealdade institucional.
A senhora não goza da liberdade de opinião de um cidadão comum ou, sequer, de um funcionário da instituição. Preside a um serviço da administração indireta do Estado, sujeito a tutela e superintendência governamental. Nessa qualidade, tem uma obrigação de solidariedade e de lealdade institucional para com o Governo, perante o qual responde. Pode transmitir privadamente ao Ministro da tutela o seu desagrado e a sua discordância pela decisão tomada, mas tem um dever de continência opinativa  em público. Se quer exprimir livremente a sua oposição, deve demitir-se primeiro.
O Governo não pode tolerar uma manifestação de leviandade institucional como esta, sob pena de instalação de uma caótica cacofonia ao nível mais elevado da governação. Fechar os olhos a  uma atitude destas é o caminho mais fácil para a complacência, a quebra da unidade de ação governativa e a impunidade e irresponsabilidade institucional.

domingo, 26 de novembro de 2017

Este País não tem emenda (14): A gestão irresponsável da água

1. Segundo esta reportagem do Público, entre perdas e consumos não cobrados os municípios deixam fugir em média 30% da água que lançam na rede de consumo, havendo alguns em que essas perdas chegam aos 70%. Há os que não cobram preço pela água e outros que cobram um preço simbólico. Outros nem sequer sabem quanto lhes custa a água, por não terem contabilidade separada. Uma barbaridade!
Quando a escassez de água está instalada este ano e as mudanças climáticas deixam antecipar uma maior frequência de secas, é indesculpável este panorama de má gestão pública, que mancha a reputação do poder local numa área crucial e que o Estado não pode deixar continuar impune, tanto mais que os sistemas multimunicipais, de captação e transporte da água "em alta", são em geral das responsabilidade do Estado, através da empresa pública Águas de Portugal, à qual muitos municípios não pagam atempadamente (neste momento a dívida monta a quase 350 milhões).

2. Há que pôr cobro a esta situação. Eis uma reforma estrutural à medida de um governo de esquerda ambientalmente comprometido!
As tarifas de consumo elevado de água devem aumentar, para reduzir os desperdícios dos utentes. Os municípios devem ser obrigados a cobrá-la pelo menos pelo seu custo e a pagar atempadamemte a água que adquirem à Águas de Portugal. Devem acabar as isenções, que oneram as finanças municipais, convidam ao desperdício e escondem os custos reais dos serviços públicos que delas beneficiam. Os municípios devem ser obrigados a elaborar e a executar planos de reparação e reabilitação regular das redes, para reduzir as perdas.
Decididamente, num País ameaçado pela escassez de água em muitas regiões, esta situação escandalosa de desmazelo na gestão da distribuição de água não pode continuar.

Adenda
De um leitor:
"Estou 99% de acordo com este seu post e o 1% que falta é que eu vou muito mais longe.
(...) Não [é] menos importante o facto de Portugal precisar de se preparar para os efeitos do aquecimento global - que se traduzirão por uma desertificação crescente na Península Ibérica -, construindo reservas de água. (...) O que se espera, com elevada probabilidade, são situações de seca alternando com pluviosidade suficiente. Mas não parece despicienda a probabilidade de dois anos consecutivos de seca extrema e, para isso, as reservas existentes são claramente insuficientes. (...)". [JPB].
De acordo! Por isso, nunca apoiei o cancelamento de várias barragens projetadas, desde a de Foz-Coa nos anos 90 (defendi a retirada das gravuras), a algumas do plano hidro-elétrico nacional, já no mandato deste Governo.

sábado, 25 de novembro de 2017

Contradições

O PCP não deixa os seus créditos anticapitalistas por mão alheias.
Esta proposta de regresso às tarifas reguladas no gás natural e de criação de uma tarifa social suportada pelas próprias empresas não poderia ser mais ilustrativa. De facto, numa economia de mercado, os preços devem decorrer da competição das empresas no mercado e não da sua fixação administrativa; preços tabelados lá onde a concorrência funciona é uma contradição nos termos. E as funções sociais são um encargo do Estado e não uma obrigação específica das empresas; é também para isso que elas pagam impostos! O que não faz sentido é eliminar a concorrência nos preços, substituindo as regras do mercado pela autoridade administrativa do Estado, nem pôr a empresas a "fazer de Estado", executando tarefas sociais deste a expensas próprias.
O PCP é normalmente contrário a qualquer delegação ou concessão de tarefas públicas a entidades privadas, sendo muito cioso do exclusivo do Estado na prestação e financiamento de serviços públicos. Não pode por isso deixar de estranhar-se esta proposta de "Estado social delegado", a cargo de privados!

sexta-feira, 24 de novembro de 2017

Lisbon first! (4): O caso do INFARMED

A súbita transferência do INFARMED de Lisboa para o Porto - uma espécie de prémio de consolação doméstico pela inêxito da candidatura portista à agência do medicamento da UE (em que, aliás, nunca vi grande viabilidade) - desafiou a crítica de todos os partidários do atávico centralismo lisboeta, a começar pelos funcionários que não querem perder o conforto da capital.
Mas a deslocalização territorial de alguns dos numerosos institutos e agências do Estado sediados em Lisboa deveria estar na agenda de todo o Governos apostado em combater a profunda assimetria na repartição territorial dos serviços do Estado entre nós. No entanto, em vez de soluções ad hoc e reativas, como esta, deveria haver um plano ponderado de transferência de outras instituições públicas, atenuando o quase monopólio da capital. Umas transferências avulsas só para o Porto (que já aloja alguns serviços centrais do Estado) não são a solução adequada. Há mais País!
Por mim, não sei porquê, entre as instituições elegíveis para saírem de Lisboa ocorrem-me sempre o Tribunal Constitucional e o Instituto da Vinha e do Vinho!

quinta-feira, 23 de novembro de 2017

Homenagem

De bom grado aceitei o convite da Câmara Municipal de Baião para participar em mais uma sessão anual de homenagem póstuma ao seu ilustre munícipe, Orlando de Carvalho - que foi professor universitário, militante antifascista, poeta e tradutor de poetas, ensaísta e cinéfilo -, a quem a minha geração dos anos 1960 e 1970 em Coimbra ficou a dever imenso, como exemplo de combate cultural e cívico contra a ditadura e depois na transição democrática (tendo sido secretário de Estado no I Governo provisório e candidato nas eleições constituintes de 1975).
Ouso pensar que o tema que escolhi para a minha palestra - como reforçar o poder dos cidadãos nas eleições - seria do seu agrado, como ativista político que sempre resguardou a sua independência cívica, intelectual e política do império dos partidos políticos. É a minha forma de lhe prestar a homenagem que a minha grata memória do nosso convívio durante muitos anos justifica.

Ilusão

“[É uma] ilusão a ideia de que é possível tudo para todos já” (António Costa).
Tem toda a razão o Primeiro-Ministro. Eu diria mesmo mais: não é possível o orçamento dar tudo a todos nem agora nem nunca!
O problema está em que quem deveria ter prevenido essa ilusão, não o fez, antes a deixou alimentar imprudentemente com a fácil retórica do "fim da austeridade" a todo o vapor. Ora, pior do que não dar o que as pessoas querem, e a que se julgam com direito, é deixar criar a ilusão de que tudo é possível.

Adenda
Comentário de um leitor:
"A questão está mal colocada. Não se trata de 'dar tudo a todos', mas sim de dar tudo a alguns (funcionários públicos), à custa de todos (os contribuintes) e à custa do serviços públicos. Os sindicatos dos interessados e os partidos da esquerda parlamentar acham que é assim que deve ser". [AMF]

quarta-feira, 22 de novembro de 2017

Ai a dívida (14): Desperdiçar uma oportunidade de ouro?

1. Com a economia a crescer na ordem dos 2,5% e com os juros em níveis historicamente baixos (cortesia do BCE), é manifestamente excessivo um défice orçamental de 1,4% este ano, que se manterá acima de 1%  no próximo ano. Ora, défice significa mais dívida!
Como defendi aqui logo em fevereiro, a meta já deveria ser défice zero. De facto, se não conseguimos um orçamento equilibrado nestas condições extremamente favoráveis, quando pensamos vir a tê-lo?! Estando a economia a "bombar" receita pública e a reduzir o montante das prestações sociais (nomeadamente a de desemprego), compreende-se mal que o País, assoberbado com uma montanha de dívida e com uma enorme fatura de juros, continue a aumentar uma e outra em muitos milhões de euros para financiar mais despesa.

2. Em vez de aproveitar o excecional crescimento da economia para acelerar a consolidação orçamental e para dispensar o recurso a mais endividamento, prefere-se acelerar a despesa pública, nomeadamente em pensões e remunerações, continuando a acumular mais dívida. É um contrassenso.
É como se uma família fortemente endividada decidisse utilizar um surto de excecional rendimento, não para amortizar a dívida, mas sim para aumentar a despesa, pedindo ainda mais dinheiro! Ninguém chamaria a isso uma gestão financeira prudente!

3. As atuais condições propícias - crescimento económico robusto e juros muito baixos (até negativos, nos prazos curtos) - não duram sempre.
Se, em vez de estarmos a reduzir o stock da dívida pública, continuamos a aumentá-la, então uma previsível subida sensível dos juros voltará a significar um pesado fardo orçamental com os encargos da dívida pública. O bom crescimento da economia e o baixo nível dos juros bem podem fazer baixar o rácio entre o montante da dívida e o PIB, apesar do aumento daquela. Mas se a economia arrefecer e a fatura dos juros aumentar, então esse rácio voltará a subir, o que seria um incontornável revés para o País!

segunda-feira, 20 de novembro de 2017

E vão 20 edições!

Eis o cartaz do 20º Curso de Pós-Graduação em Direitos Humanos, organizado pelo Ius Gentium Conimbrigae / Centro de Direitos Humanos da FDUC, a que presido, em parceria com a Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, que arranca daqui a dois meses.
Informações e inscrição na página do IGC.

domingo, 19 de novembro de 2017

Voltar ao mesmo (5): Caixa de Pandora

1. Haver progressões profissionais na função pública pelo simples decurso do tempo é mau (como argumentei aqui). Restaurar esse regime sem revisão, depois deste anos de suspensão, é pior. Considerar retroativamente os anos de serviço acumulados durante o período de suspensão das progressões - como o Governo admitiu negociar com os sindicatos de professores -, é franquear uma porta que deveria ser uma linha vermelha.
Além do mais, é abrir uma caixa da Pandora, pois atrás dos professores outras categorias profissionais da função pública em circunstâncias idênticas virão reclamar o mesmo tratamento, com pesadas consequências para a despesa pública com os funcionários - que já aumentou este ano acima do orçamentado -,  sendo um dos fatores que pesaram severamente no desequilíbrio das contas públicas antes da crise de 2011.

2. Independentemente do juízo sobre o rimo estugado de recuperação dos rendimentos e regalias reduzidos durante o período de assistência financeira externa, deveria haver um cuidado especial em não recriar as condições e as facilidades que levaram o país a ser tão devastadoramente "abalroado" pela crise da dívida em 2011.
Tentar reparar as consequências da crise e "virar a página da austeridade" é uma coisa; reeditar as condições e as tentações orçamentais que favoreceram a emergência da crise é outra bem diferente!

3. A excessiva subida da despesa pública com remunerações e pensões coloca uma pressão acrescida sobre o orçamento.
Apesar do período de "vacas gordas orçamentais" proporcionado pelo crescimento económico e pela baixa dos juros, pode não haver margem orçamental suficiente para acudir satisfatoriamente às despesas de funcionamento dos serviços públicos mais exigentes (nomeadamente a saúde e a segurança) e para assegurar níveis apropriados de investimento público, tudo sem deixar de cumprir, ainda que por mínimos, as exigências de disciplina orçamental da zona euro.
Ao contrário do que alguns parecem pensar, não há dinheiro para tudo. Se se puxa demasiadamente para um lado a "manta" orçamental, há outro lado que fica descoberto.
[revisto]

sábado, 18 de novembro de 2017

Para a história da Casa do Douro (um testemunho de gratidão)

1. Hoje estarei na Régua, na sede da Casa do Douro, na apresentação de dois livros do Engº Mesquita Montes, sobre a história dessa instituição e da região demarcada do Douro em geral (um dos quais prefaciei).
Ninguém poderia dar um testemunho pessoal tão informado como este autor, que foi durante muito tempo presidente da Casa do Douro, e nunca deixou de se manter interessado pela sua vida desde então. Com muito material e informações inéditas, trata-se de um contributo valioso e inestimável para a história do Douro vinhateiro, que aliás já conta com uma grande bibliografia dedicada, sem paralelo noutras regiões vinícolas nacionais, desprovidas do pedigree histórico do Douro.

2. No meu caso, para além do meu interesse intelectual no tema (que foi o objecto principal da minha tese de doutoramento, sobre a organização institucional e a regulação do vinho do Porto, sobre o que publiquei o livro ilustrado na imagem supra), trata-se também de um gesto de gratidão para com Mesquita Montes, que era presidente da Casa do Douro no período em que em passei uma estada de investigação na instituição e na região, que foi crucial para a minha tese, tendo beneficiado da grata hospitalidade e da total disponibilidade da instituição.
Essa minha passagem pela Régua também contou decisivamente para a minha admiração pela paisagem e pelas gentes do Douro, a que haveria de voltar várias vezes, sempre com o mesmo fascínio dessa primeira vez, há quase um quarto de século.

Não dá para entender (4): Impostos virtuosos

1. Numa convergência estranha (ou talvez nem tanto...), o CDS, o PSD e... o PCP vão votar contra o chamado "imposto das batatas fritas", ou seja, sobre os alimentos com excesso de sal.
A justificação mais elaborada provém do CDS, tendo o deputado (e ex-ministro) Pedro Mota Soares justificado a decisão de votar contra com o facto de “este não ser um imposto sobre o vício"; "é importante reduzir o consumo do sal e do açúcar, mas não pela via fiscal. Fazê-lo pela via fiscal é apenas para arrecadar receita”, afirmou.
Mas esta retórica não faz nenhum sentido!

2. Por duas razões.
   - primeiro, mesmo que o referido imposto tivesse uma exclusiva finalidade fiscal, nada haveria a objetar, visto que a primeira função dos impostos é, precisamente, arrecadar receita para o Estado, aliás bem justificadamente neste caso, para financiar os custos adicionais que o excesso de sal causa no SNS;
   - segundo, sabe-se da experiência doméstica e alheia que estes impostos indiretos redundam numa efetiva redução do consumo, como se verificou recentemente com o imposto sobre as bebidas açucaradas, que fez diminiur o consumo e levou os industriais a baixar o teor de açúcar.
Portanto, trata-se de impostos tanto mais virtuosos quanto menos receita gerarem! A alternativa seria a limitação legislativa ou administrativa da quantidade de sal, muito mais drástica e suscetível de levantar objecções sob o ponto de vista da liberdade de circulação de produtos no mercado interno da UE.
Por isso, não dá para entender a despropositada oposição da improvável troika partidária (que inclui um partido da protocoligação parlamentar...).

sexta-feira, 17 de novembro de 2017

+ Europa (6): O "Pilar Europeu de Direitos Sociais"

1. A integração europeia foi desde o início essencialmente um empreendimento de integração económica sem integração social, mantendo deliberadamente as questões e políticas sociais como assunto interno dos Estados-membros excluído da ingerência da União e deixando uma ampla margem para formas de "dumping" social nacional.
Só após Maastricht 92 (Protocolo social), Amesterdão 97 (que incorporou o referido protocolo nos Tratados), Carta de Direitos Fundamentais da União de 2000 (que inclui um capítulo de direitos sociais) e Lisboa 2007 ("cláusula social" transversal nas políticas da União e constitucionalização da CDFUE) é que a União evoluiu para garantir um mínimo de direitos laborais e sociais, passando a assumir uma relevante dimensão social ("Europa social"). Mas a "economia social de mercado", que depois de Lisboa 2007 dá o nome  à constituição económica da União, continua a ser essencialmente uma construção económica mais do que social.
O forte avanço da integração económica e monetária, desde o desenho da UEM em Maastricht, e o profundo impacto social negativo da grande crise económica e financeira de 2008 vieram porém mostrar que uma radical assimetria entre os níveis de integração económica e de integração social, bem como uma excessiva diferença de níveis de justiça social entre os vários países, não somente podem criar fatores de rotura do necessário consenso europeu sobre a União mas também arriscam a pôr causa a sua própria legitimidade política.

2. Daí a importância da declaração solene sobre o "Pilar europeu de direitos sociais", que hoje vai ser formalmente adotada na cimeira social de Gotenburgo (Suécia) e que conseguiu a convergência do Parlamento Europeu, de onde partiu a iniciativa (com uma contribuição decisiva da eurodeputada socialista portuguesa Maria João Rodrigues), da Comissão Europeia (sendo de sublinhar o empenhamento do próprio presidente, Juncker) e do Conselho da União (com realce para o empenho do governo sueco).
Embora a Declaração não tenha força jurídica, não amplie as competências da União, nem crie novos direitos nem obrigações, mantendo a realização dos direitos sociais essencialmente nas mãos dos Estados-membros, ela não é despicienda, criando um amplo compromisso político que não deixará de influenciar tanto as políticas da União como as políticas sociais nacionais na respetiva esfera de competência.
Os grandes avanços na integração europeia quase sempre começaram por ser proclamações políticas conjuntas das instituições, antes de obterem entrada nos Tratados ou na legislação da União. Resta esperar que o mesmo suceda com os direitos sociais na União. Hoje pode começar um novo capítulo de aprofundamento da integração europeia

Portucaliptal (25): Meio passo na direção certa

É de saudar esta medida agora tomada pelo Governo no sentido de impedir a replantação com eucaliptos de áreas anteriormente ocupadas por outras espécies florestais, limitando assim a invasão predatória do eucaliptal.
Só é pena que ele não tenha sido tomada há dois anos, o que teria reduzido a corrida ao eucalipto que entretanto se desencadeou, com a plantação de muitos milhões adicionais da espécie. E também não se percebe porque é que, sendo apresentada como uma "medida transitória" - supõe-se que até à entrada em vigor do novo regime florestal -, não se tenha suspenso em geral a plantação de eucaliptos também em áreas até agora isentas de ocupação florestal, ficando apenas permitida a replantação de eucaliptais já existentes, até à aplicação do novo regime.
Mesmo quando se tomam medidas positivas para conter a eucaliptização galopante do País, elas ficam sempre aquém do necessário.

Adenda
De um leitor: «Vejo horrorizado a fotografia que encabeça o seu post “Portucaliptal (25)”. Eu nunca vi ao vivo nada disto. Mas não desconfio da sua fotografia, era o que mais faltava. Estou é chocado com o que vejo. Parece um mikado de fósforos de cabeça verde. Nunca imaginei que uma floresta de eucaliptos pudesse ser tão poluente no plano visual e paisagístico.» [JPB].
Um dos meus principais argumentos contra a eucaliptização extensiva sempre foi, para além do fator ambiental, a descaraterização paisagística do País. Já escrevi várias vezes que, se a Toscana fosse em Portugal já estaria coberta de eucaliptos!

quinta-feira, 16 de novembro de 2017

Um século de Revolução Russa

1. Poucas vezes na História o centenário de uma grande revolução social e política terá suscitado tão poucos motivos de celebração e tão escasso entusiasmo como a Revolução Russa.
Tendo prometido o início da definitiva emancipação humana - e tendo alcançado inicialmente profundos avanços no desenvolvimento económico e nos direitos sociais -, a Revolução acabou por instaurar, sob a égide do estalinismo, um regime de servidão e de repressão política e ideológica. O desmoronamento do mundo soviético há um quarto de século não deixou saudades e a triste sobrevivência dos poucos países que ainda se reclamam da ortodoxia comunista não suscitam o entusiasmo sequer do poucos seguidores que restam no Mundo.
A histórica promessa de "libertação da exploração capitalista" acabou por degenerar irremissivelmente na institucionalização de uma economia de Estado, de uma ditadura política do partido oficial e de expropriação da liberdade individual e da democracia política.

2. O único grande êxito duradouro da Revolução Russa e da experiência comunista foi indireto e consistiu, afinal, no subsequente processo de "domesticação" do capitalismo, perante o receio da revolução, mediante o reconhecimento dos direitos dos trabalhadores a partir da I Guerra Mundial (criação da OIT logo no Tratado de Versalhes de 1918 e aparecimento da primeira "constituição do trabalho" na Constituição alemã de Weimar, de 1919), a construção do "Estado social" depois da II Guerra Mundial e a institucionalização de um "Estado regulador" apostado na correção das "falhas do mercado".
Não foi pouco, bem entendido, e nesse aspeto todos somos "herdeiros da Revolução Russa". Mas ironicamente, o grande triunfo duradouro do comunismo foi testar a resiliência do capitalismo e fortalecer a sua legitimidade social e política. Não era esse propriamente o objetivo!

Este país não tem emenda (13): "A antiguidade é um posto"!

Segundo esta notícia, cerca de um terço dos funcionários públicos beneficia de progressão na carreira essencialmente por antiguidade, e não em resultado da avaliação de desempenho.
O falhanço na universalização de uma verdadeira avaliação profissional na função pública, nomeadamente dos professores (e não a caricatura de avaliação que sobrou), e em tornar a progressão profissional dependente fundamentalmente dessa avaliação constitui um dos mais graves desaires do País na luta pela eficiência dos serviços, pela equidade remuneratória e pelo rigor orçamental na Administração pública.

quarta-feira, 15 de novembro de 2017

Polónia - Estado de Direito violado

"It is because we love and admire Poland and the Polish people that we must react to the ongoing attack by the Kaczyński/Szydło government of Poland against the independence of the judiciary, including the Supreme Court.
Because not respecting the independence of the judiciary amounts to abuse of power and violation the rule of the law and we are already seeing many other grave implications, in the muzzling of the media, the intimidation of political opposers, the obscurantist gender discrimination against Polish women, etc...
To the point that Piotr, a Polish Yan Pallach, recently felt he had to replicate in Warsaw the desperate self-immolation of Prague, 1969, under totalitarian occupation.
Ominously, alarmingly, 60.000 nazis marched in Warsaw last weekend and the Minister of Interior of the Kaczyński/Szydło government lauded them and echoed their racist, white supremacist slogans.
Vice President Timmermans, Commission:
Do not delay triggering action under art. 7 of TFEU against this Polish government. Before those nazi-fascists disgrace further Poland! And the European Union!"

Minha contribuição para debate plenário no PE  "Estado de Direito na Polónia", esta manhã.

Malta - a captura do Estado

"Em Malta não há ataque ostensivo à "rule of the law" pelo governo, como vemos na Hungria ou Polónia. 

O problema em Malta é a captura do Estado - através de membros do governo, deputados, autoridades de supervisão, magistrados, policias, funcionários  - por parte de interesses financeiros ou  serviços de intermediários, como a Nexia BT. É por essa razão que Malta se opõe à transparência sobre os beneficiários efetivos das trusts, tal como este Parlamento propõe nas negociações sobre a 5a Diretiva anti-branqueamento de capitais.

 É um problema que não se restringe ao atual governo. Foram políticas de décadas, transversais aos partidos políticos,  cunhadas em Londres com o beneplácito de Bruxelas, que tornaram Malta num paraíso fiscal, no seio da União Europeia, deixando ali desenvolver-se uma indústria especializada em planeamento fiscal agressivo e na multiplicação de empresas de fachada, instrumentais para esquemas de lavagem de dinheiro e outra criminalidade financeira internacional.

 A lei sobre venda de nacionalidade maltesa e europeia é vértice desta orientação política, acarretando riscos maiores para segurança de Malta e da UE. O assassinato à bomba da corajosa jornalista Daphne Caruana Galizia atesta-o.

 O PM Joseph Muscat mantém o Chefe de Gabinete e o ministro expostos pelos Panama Papers e ainda não permitiu uma investigação independente a alegações sobre interesses de seus familiares no Banco Pilatus. Como pode assegurar que o governo maltês garante, como deve, a independência dos meios de supervisão, a despolitização da polícia e das autoridades judiciais? Nem sequer se propõe por fim à acumulação de funções políticas e do Estado com prestação de serviços financeiros, fiscais e empresariais...

Não nos podemos iludir: Malta tem de repensar o seu modelo de desenvolvimento e deixar de servir como um dos centros europeus especializados na facilitação da evasão fiscal e branqueamento de capitais. Cabe à Comissão e Conselho não só pressionarem Malta para o fazer, mas também garantirem, através de legislação europeia, que estas práticas sejam ilegalizadas e combatidas. Em Malta, na UE e globalmente".

 

Minha intervenção sobre "O Estado de Direito em Malta" em debate plenário do PE ontem

Portucaliptal (24) - A corrida ao eucalipto...

Esta notícia sobre o avanço galopante da eucaliptização nos últimos dois anos confirma o receio, várias vazes aqui exposto, de que o atraso na reversão da liberalização do plantio de eucalipto legislada pelo Governo PSD/CDS em sintonia com os interesses da indústria de celulose iria acelerar a invasão do território, reforçando a posição de Portugal como paraíso mundial do eucalipto, estranha opção para um país mediterrânico.
Inicialmente o Governo comprometeu-se a rever a lei em seis meses, não tendo tido o cuidado elementar de suspender imediatamente a sua aplicação até à sua revisão. Passados dois anos, o novo regime florestal, que finalmente trava a expansão do eucaliptal, ainda não entrou em vigor, tempo suficiente para a fileira agro-celulósica ter desencadeado uma verdadeira corrida ao eucalipto. Basta percorrer as zonas rurais para verificar o afã das novas plantações, aproveitando este bónus de tempo. Os números da noticia acima referida falam por si. Eis um "record" de que o país não se pode orgulhar...