segunda-feira, 15 de dezembro de 2003

Majores Carapuças

Um jornal desportivo, há dias, mimoseava-me com qualificativos menores de um senhor que se vale dos galões de major e foi acumulando cargos de autarca, dirigente partidário e dirigente futebolistico. Se bem me lembro, ganhou notoriedade ao esgrimir electro-domésticos como arma de propaganda eleitoral, valendo-se de experiência empresarial ganha com negociatas com tubérculos na tropa. Sai a terreiro por ter ouvido dizer (confessa não ter visto) que na televisão eu aludira a «gabirus do futebol que não pagam impostos». Manda-me instruir sobre futebol junto de alguns dirigentes socialistas especializados na matéria…

Em vão gastará o seu latim, por mais socialista que se apresente, quem pretenda interessar-me por futebol… É que sou visceralmente avessa ao sortilégio do chuto na bola e do folclore clubístico. Em futebóis só alinho, eventualmente, para finais de campeonatos em que jogue a selecção nacional, e apenas por contágio de incontrolado patrioteirismo.

Nada tenho, porém, contra o futebol como desporto ou espectáculo. Sou mesmo muito sensível aos encantos viris de um Luis Figo, de um Vítor Baia ou de um Nuno Gomes (em Jacarta perguntavam-me frequentemente se era parente dele e eu dizia logo que sim…). Na verdade, graças à qualidade de alguns jogadores e equipas, reconheço ao futebol grande potencial diplomático - bem o aproveitei para promover as cores nacionais na Indonésia, fartando-me de distribuir camisolas, bonés e fotografias dos nossos futebolistas. Potencial que cria também especiais responsabilidades - e a imagem do país sai de rastos quando jovens futebolistas demonstram boçalidade ao destruir balneários alheios e dirigentes desportivos procuram, vergonhosamente, caucioná-los...

Confesso, pois, nada saber de futebol e até um maior pecado: nada querer saber! O que não deixa de ser irónico, pois a minha passagem para a política tem muito a ver com o futebol. Durante a campanha eleitoral em Março de 2002, que na parte final pude acompanhar em Portugal, fiquei abismada com a alienação colectiva causada pela promiscuidade entre negócios, política, media e futebol. Não se discutia política em plena campanha eleitoral, discutia-se o apoio declarado pelo Sr. Vilarinho, do Benfica, ao PSD e o não declarado pelo Sr. Pinto da Costa ao PS. Futebol, ópio do macho luso! (e de muitas mulheres também, desferem-me amigos ofendidos pelo meu desinteresse pelo desporto que os faz suar, colados às bancadas ou aos sofás diante dos televisores…).

E bastaram pouco meses, desde que voltei a Lisboa, para realizar que não se percebe nada deste país, nos tempos que correm, se não se tentar perceber alguma coisa dos negócios do futebol. O que quer dizer, da relação promíscua de empresas do futebol com a política, a construção civil, tráficos diversos, os media, a noite, etc... Uma promiscuidade que serve e potencia a criminalidade e que tem, por isso, de ser exposta, denunciada, travada, combatida e punida. («Ingénua e triturável», não falta quem já me arrume as botas…)

Quando falei há dias na SIC-Noticias, a propósito do fiasco do PEC e das políticas do Dr. Barroso e da Dra. Ferreira Leite, nos «gabirus do futebol que se gabam de não pagar impostos», não era evidentemente de futebol que falava. Era de quem não paga impostos, daqueles que se vangloriam de não os pagar e sobretudo do Governo que nada faz para os obrigar a pagar e para os penalizar pela evasão e fraude ao fisco. Do Governo e das autoridades administrativas, policiais e judiciais que continuam indiferentes, inoperantes ou coniventes com os «off-shores dos pequeninos» descritos por Maria José Morgado e José Vegar no livro «O inimigo sem rosto - fraude e corrupção em Portugal» a propósito dos circuitos entre clubes, empresas e autarquias em que se reciclam proventos de negócios «informais» e esquemas criminais que defraudam o erário público e, assim, escandalosamente roubam Portugal inteiro.

No futebol há, decerto, gente honesta e respeitável; como há em todos os sectores da sociedade. Gente honesta paga impostos. No futebol, como noutros sectores da sociedade, há também gabirus (cf. Diccionário Enciclopédico Alfa: «gabiru - indivíduo velhaco, mariola, patife, espertalhão»). Haverá no futebol gabirus que pagam impostos. Mas há também, de certeza, gabirus do futebol que não pagam impostos e que até se gabam publicamente de não os pagar. Pois ele até há majores menores que enfiam a carapuça!...

Ana Gomes
12.15.2003