quarta-feira, 1 de dezembro de 2004

E se Chaves não se tivesse demitido?

Sampaio entendeu, enfim, que o episódio Henrique Chaves foi a gota que fez transbordar o vaso da sua paciência (ver meu post de segunda-feira passada), embora se recuse a assumi-lo expressamente. Se o assumisse, corria o risco de promover Chaves a um extravagante papel histórico, que a personagem anedótica do ex-ministro e ex-amigo do primeiro-ministro cessante tornaria imensamente grotesco. Por isso, o Presidente precisa de evocar outras circunstâncias do contexto político para dissolver o Parlamento e convocar eleições antecipadas. Mas a questão que se põe é ainda esta: se Chaves não se tivesse demitido, Sampaio teria agido da mesma forma?

Reconheço, e já aqui o referi, que a sobrevivência do Governo Santana era insustentável depois de todas as cenas conhecidas. No entanto, será conveniente não esquecer o «pecado original» desta situação -- e do qual são co-responsáveis Durão Barroso e Jorge Sampaio. Durão porque não respeitou os seus compromissos com o país e «fugiu» para a Europa na primeira oportunidade. Sampaio porque não colocou Durão, no momento propício, perante as suas responsabilidades e acabou por estimular (pela ambiguidade e vacilação dos seus juízos) a «fuga» do actual presidente da Comissão Europeia. Escrevi-o na altura e sublinho-o agora.

A sensação que fica é que o Presidente agiu, das duas vezes, a reboque das pressões exteriores e não inspirado por uma atitude firme e esclarecida que deveria ter tido desde o início -- mas não teve: quer quando aceitou com excessiva passividade a saída de Durão, quer quando se deixou impressionar, já tardiamente, com o grotesco episódio da saída de Chaves.
O primeiro episódio foi efectivamente grave, o segundo foi apenas uma derradeira cena da opereta que o Presidente foi consentindo por complacência e omissão.

É fácil encontrar um pretexto para «despachar» um Governo que perdeu credibilidade para além de tudo o que seria admissível. Difícil (e decerto mais conforme com o respeito que deve merecer a função presidencial) seria prevenir a degradação das coisas, impedindo-as de degenerar em episódios caricaturais que põem em causa a própria imagem do Estado. Decidir em função destes episódios acaba por afectar a dignidade do papel do Presidente da República.

Vicente Jorge Silva