sábado, 3 de setembro de 2005

Reciprocidade

Sou desafiado aqui a dizer o que achariam os apoiantes da recandidatura de Mário Soares, se fosse Cavaco Silva a candidatar-se a um terceiro mandato presidencial. Respondo por mim. Seguramente que lutaria contra a sua reeleição, mas não vejo nenhum motivo para lhe contestar a mesma legitimidade jurídica e política que reconheço a Soares. A Constituição só proíbe a acumulação de mais do que dois mandatos presidenciais consecutivos, mas não de interpolados.
A razão de ser da proibição da acumulação de mandatos consecutivos não consiste somente em proporcionar a renovação de titulares, mas também (se não principalmente) em impedir que um Presidente se perpetue no cargo explorando as vantagens do exercício do cargo (visibilidade, conhecimentos, dependências alheias, inércia, etc.) para se fazer reeleger. Porventura, sem a proibição de reeleição consecutiva, Mário Soares ainda hoje seria presidente da República, quem sabe se a caminho de um 5º mandato... Essa lógica não se aplica, porém, à reeleição interpolada, a partir de fora do exercício do cargo, onde já não existem vantagens de partida.
Mas a pergunta pode ser devolvida. Os que, em nome da "renovação", censuram a disponibilidade de Soares para um terceiro mandato (apesar de passados 10 anos sobre os dois anteriores), manteriam essa atitude crítica, se se tratasse de Cavaco Silva?