Porque Portugal precisa de um Presidente da República que o represente bem no mundo. Que ajude a projectar uma imagem progressista do país - dos portugueses que não escondem problemas, atrasos ou desvios, sem soçobrar na lamúria, com consciência histórica das capacidades que têm para procurar soluções sustentáveis.
Cá dentro, um tal Presidente incentivará a auto-estima de que os portugueses carecem para enfrentar os desafios do desenvolvimento económico e da competitividade internacional. Ao contrário de quem só sabe prometer oásis ou agitar o fantasma da crise: assim se propagandeou o «Portugal de tanga», transformando a profecia em realidade.
Portugal precisa na Presidência da República de um defensor dos Direitos Humanos, do Estado de Direito democrático e do Direito Internacional. Com cultura política humanista e internacionalista. Com coragem e ousadia. De quem queira contribuir para controlar a globalização, por um mundo melhor, mais justo e mais seguro para todos, aproveitando as oportunidades extraordinárias, mas também intuindo a voragem desreguladora que alarga o fosso entre ricos e pobres, entre quem progride e quem se sente excluido. Para isso é preciso ser europeista e saber trabalhar em articulação com parceiros e aliados: sem complexos, tanto para afirmar uma visão portuguesa, como para liderar a sua transformação para responder a novos desafios.
Portugal precisa de um Presidente atento às questões que interpelam a sociedade, por incómodas ou dilemáticas que sejam. Que tenha ideias e capacidade de as expressar, curiosidade intelectual e sensibilidade social e cultural. Um Presidente que sempre tenha lido livros, jornais e revistas, oiça rádio, vá ao teatro e a exposições, veja telejornais e hoje até espreite blogues.
Não serve quem se contente em engulir títulos da imprensa em pastilha liofilizada. Quem julgue compensar a limitação de horizontes escudando-se atrás de consultores, conselheiros, aconselhadores e assessores, muitos de interesses duvidosos e revanchismo garantido. Quem tenha um dia sugerido que nunca tinha dúvidas e raramente se enganava. Quem vista farpela tecnocrata, disfarce falhas de relacionamento em rodomas académicas, dissimule impulsões de governar e recorra à hibernação durante anos para não se expôr e para adensar calculadamente o mito do salvador.
Portugal precisa de um Presidente que não se abstenha de intervir. Não para bloquear quem governa e fomentar conflitos institucionais. Mas para exercer a «magistratura de influência» com que os portugueses o investem ao elegê-lo. Para incentivar, alertar ou fazer ponderar quem governa. Para desentorpecer a consciência colectiva. Para ajudar a derimir conflitos, moderar disputas ou enfrentar desafios civilizacionais.
Um Presidente que intervenha, mas não para se substituir ao governo. Não para ditar estratégias ou inventar Secretários de Estado... Antes para ajudar a persuadir o governo, a máquina da administração pública, os empresários e os trabalhadores portugueses que é também cá que é preciso investir para compensar deslocalizações gananciosas, é aqui que é preciso inovar, instruir, qualificar, criar postos de trabalho, racionalizar processos burocráticos e administrativos, inventar e usar novas tecnologias, desenvolver o conhecimento científico e a partir de Portugal descobrir novos mercados exteriores, diversificar produções, serviços e estratégias comerciais, criar mais riqueza e re-investir para tornar a sociedade mais equilibrada e justa.
Um Presidente que intervenha não para exercer poderes que não tem. Mas psicologicamente apetrechado para exercer todos os que tem, segundo a Constituição, para defender a Democracia, o Estado de Direito e o regular funcionamento das instituições democráticas. Integralmente, no tempo certo, sem angústias paralizantes, sem tergiversações debilitantes, ouvindo quem tiver de ouvir.
Em suma: Portugal precisa de um Presidente da República que exerça as competências que a Constituição lhe atribui e deixe o Primeiro Ministro governar durante toda a legislatura, como decidido pelo povo em Fevereiro. Um Presidente que não crie mais factores de crispação na sociedade portuguesa. Um Presidente que não dê alibis ao primeiro governo socialista com maioria absoluta no que respeita à obrigação de governar bem Portugal. Mário Soares reune obviamente todas as qualidades para ser esse Presidente. Provou-o em 10 anos de exercício. E não lhe falta vitalidade, como demonstrou calcorreando de novo o país de lés a lés e nos debates televisionados.
Mário Soares nada tem a ganhar com a Presidência: prestígio nacional e internacional, reconhecimento histórico, nada mais um mandato lhe acrescenta. Pelo contrário, arrisca perder. Corre porque nunca parou. Corre porque está vivo. Corre porque entende, e bem, que Portugal ainda precisa dele.
Ana Gomes