quarta-feira, 7 de janeiro de 2004

Escrevem os leitores do "Causa Nossa"

De entre as cartas que tenho recebido sobre a justiça vale a pena respigar duas, que revelam o grau de radicalização que a insatisfação atingiu entre alguns operadores. Quem julgou que o advogado António Marinho, o antigo presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados, se excedeu nas suas críticas à justiça, veja as transcritas abaixo.
Inquietante, não é?

1. Justiça penal no fundo
A nossa Justiça Penal bateu de tal jeito no fundo que nada nos surpreenderá doravante! O modo atrabiliário como se tem desenrolado o chamado processo Casa Pia «faz saltar as pedras da calçada».
Eu também acho que alguém terá de ser responsabilizado pelos arbítrios cometidos neste inquisitorial processo. Não deixo de estranhar que o Doutor Germano Marques da Silva - que ao que julgo saber pertencerá ao Conselho Superior do Ministério Público e que não se tem poupado a criticar as decisões e incidentes mais polémicas do caso -, afirme não ver razões para procedimento, designadamente disciplinar, contra o magistrado inquiridor!
(...) Conhecida que é a posição do PM (deixem a Justiça trabalhar), qual vestal, como tão bem o caracterizou o Doutor Vital Moreira, outra razão não sobrará que não seja a de «sublevar» a comunidade jurídica portuguesa, despertando as consciências adormecidas que ainda se deixam embalar pelo falacioso hino da separação de poderes.
Nestes arrastados meses de maus tratos aos direitos e liberdades dos arguidos, quantas vezes não me tenho lembrado da saudosa voz do Dr. Salgado Zenha?!
(...)

[AAG]

2. Justiça, é preciso outra
Sobre a Justiça: está num estado de tal maneira comatoso, que tudo o que ajude a pô-la completamente de rastos, eu aplaudo!
Quem lida com ela diariamente, há mais de um quarto de século, sabe o que valem 99,999% desses Magistrados/as que abusam solerte e quotidianamente do estatuto de irresponsabilidade de que gozam.
Mas o problema não é deles/as, coitados/as... Eu, se calhar, não era melhor! O problema é dum modelo que dá evidentes sinais de esgotamento, agora também, felizmente, para fora dos muros da "cidadela".
Esse modelo, do Poder Judicial absoluto, assenta em dois equívocos: confunde (ir)responsabilidade civil com (ir)responsabilidade política; e confunde o exercício de uma função de soberania com o exercício de uma actividade profissional, sindicalizada e tudo!
Portanto, para mim, quanto pior para esta Justiça infame, tanto melhor para a Democracia e o Estado de Direito.

[JA, Advogado]