Depois de Américo Amorim, Diogo Vaz Guedes e outros, é a vez de mais um grande patriota do capitalismo luso atirar a toalha ao chão e render-se a Castela. É ele José Manuel de Mello, o principal herdeiro do império CUF, um daqueles tubarões das grandes famílias que sustentam o velho imaginário comunista. Carlos Carvalhas não perdeu tempo, aliás, a apontar o dedo acusador aos novos condes de Andeiro. Se os Andeiros e os Mellos não existissem, o PCP precisaria de inventá-los. São, por estranho que pareça, os seus melhores aliados objectivos. São eles que confirmam a pureza indestrutível do nacionalismo popular e comunista perante a traição congénita da nobreza e do capital.
Mas voltemos ao início. Numa bizarra entrevista ao último Expresso, J. M. Mello traça um quadro absolutamente negro, derrotista e sem esperança para Portugal. Segundo ele, resta-nos um futuro de arrumadores de carros, vendedores de velharias, criados de mesa. Nem mais, nem menos. Por isso, devíamos "começar a fazer a Ibéria, dividir Portugal em duas ou três regiões, deixando o Algarve de fora, mas vamos lá fazer um país novo". (Já agora, porque não também o Algarve, juntando os seus horrores urbanísticos a Torremolinos e estâncias afins? Não será o exemplo mais consumado de perfeita integração peninsular?)
Declarações deste calibre enxameiam toda a entrevista, o que nos leva a concluir uma de duas coisas: ou o finíssimo e subtilíssimo pensamento do sr. Mello se perdeu na tradução jornalística (seria um novo caso de "lost in translation", como no filme de Sofia Coppola sobre o qual aqui escrevo) ou então estamos perante uma situação onde é difícil discernir onde começa a arrogância displicente e onde acaba a senilidade pura e simples.
Compreende-se que o sr. Mello descreia hoje infinitamente mais do destino nacional do que nos tempos em que a sua família e o seu grupo económico eram senhorios da pátria e beneficiavam do proteccionismo industrial do salazarismo. O problema é que o sr. Mello insiste em ver Portugal como se o país lhe pertencesse por direito natural (ou até divino) e os portugueses lhe fossem devedores de todos os respeitos e obediências feudais, numa caricatura patética que chega a ultrapassar os clichés mais primários da propaganda comunista.
É por isso que, mesmo nos pontos onde poderia ter alguma razão, o sr. Mello a perde toda: ele não é capaz de ver outro horizonte para além da sua quinta e dos seus negócios. E é só porque não os tem protegidos e quentinhos como no tempo da outra senhora que agora lança os seus avisos catastrofistas de iberismo serôdio. Pois então que a Ibéria nos livre de vez de tais dinossauros excelentíssimos num banquete peninsular em que deles só irão restar as penas e os ossos. Finalmente, se "ser português é muito perigoso", como constata o director do Expresso - pelos vistos impressionadíssimo com a catilinária do sr. Mello - só resta recomendar a José António Saraiva que prepare, enquanto é tempo, a sua candidatura a um cargo honorífico no "El Pais".
Vicente Jorge Silva