domingo, 8 de fevereiro de 2004

Chama-me puto.

Tenho 26 anos. Da primeira vez que me chamaram "senhor" tinha 17 e assustei-me. Uma senhora num autocarro lotado, ao ver-me atrapalhado com os livros de liceu, disse para alguém: "Deixa passar o senhor". Tranquilizei-me com as inúmeras dioptrias da mulher que transformavam seguramente a minha barba rala num mato grosso de camionista e me acrescentavam - aos seus olhos - uma ou duas décadas.
9 anos depois, com muito mais barba e aqueles incómodos pêlos que começam a conquistar território no nariz, ainda gosto que não me tratem por senhor. Prefiro ser a mascote, o amigo mais novo, o companheiro caloiro, gosto de ser "o puto".
Agora, vindo orgulhosamente daqui, chego a esta casa nova. Venho com a mala carregada de boas intenções, mas também dúvidas. Não sou um pensador político como qualquer um dos nomes no cabeçalho. Sei também que não tenho a verve deste, a cultura daquele ou a paixão daqueloutro. E nem pretendo, sequer, insinuar que estou num meio onde encontrem uma qualquer virtude. Não, a coisa mais provável que encontrarão neste "meio" a que me refiro será o meu próprio umbigo.
Mas, depois de um mês de descanso electrónico, regresso com prazer às lides virtuais. Dá-me gozo - e compreenderão que dê - receber um convite electrónico do Vital, de quem li tantos livros durante o meu curso de Direito. É como um aspirante a monitor que recebe um convite do regente. Agrada-me partilhar conversas com o Luís Nazaré, que aprendi a admirar por motivos bem mais prosaicos (o Benfica) ou partilhar um cabeçalho com o Vicente que - sem o saber - deu título à minha crónica de 3 anos num semanário açoriano onde também era o menino da equipa (chamava-se "Geração Rasca"). E, sobretudo, alegra-me sobremaneira voltar a integrar uma equipa com o meu pai profissional, amigo e mestre Luís Osório. Espero que estes e os outros me ajudem a resolver uma angústia que me persegue: a da razão à direita e do coração à esquerda.
Tenho tempo. Afinal - nunca como agora - fez tanto sentido que me chamem "puto".

Luís Filipe Borges