quarta-feira, 4 de fevereiro de 2004

Que dirá Madeleine?

«Madeleine Albright did come up in a genuinely puzzled voice, with the question, "just what does Tony Blair think he is doing?"... She stressed that they have always liked Blair and hoped we do not end up with problems down the line if the Democratic Party succeed in getting back into the White House in a couple of years.» (Do livro "Point of Departure", Robin Cook, pag 209, referindo-se a conversa com a ex responsável americana dos Negócios Estrangeiros).

Enquanto Blair reafirmava a sua posição de avançar para a guerra mesmo se tivesse sabido em Março que não havia armas de destruição maciça, já Powell, confrontado com a mesma realidade, tecia algumas reservas. Perguntado pelo Washington Post se teria recomendado a invasão se soubesse que o Iraque não tinha armas de destruição maciça, Powell respondeu: «I don’t know, because it was the stockpile that presented the final little piece that made it more of a real and present danger and threat to the region and the world». E ainda: «the absence of a stockpile changes the political calculus; it changes the answer you get».
Curiosa a diferença.
A defesa do governo britânico basear-se-á presumivelmente na perfeita conformidade da sua actuação com os dados de intelligence (já decidida no relatório Hutton e que não será revisitada) e legalidade da intervenção armada, confirmada pelo parecer jurídico do Attorney General britânico. Ninguém na Comissão de inquérito estará interessado em apreciar se foi ilegítima ou ilegal a invasão do Iraque, porque o partido da oposição que nela está representado era ainda mais a favor da guerra do que o próprio partido de Blair (então algo dividido). E o partido liberal, que se opôs à guerra não participará no inquérito.
Assim, o mais provável é não haver uma conclusão condenando o modo como o Governo avançou para a guerra, que se justificaria, em última análise face ao comportamento desrespeitador por parte do Iraque das resoluções do CS. Criticar-se-á isso sim os serviços secretos. Mas provavelmente com a mesma benevolência com que Lord Hutton criticou o comportamento "menos regular" dos elementos da administração Blair.
Já o inquérito americano irá provavelmente mais fundo, procurando apurar como foi possível criar à volta do Iraque uma realidade virtual. Mas, ou por isso mesmo, as respectivas conclusões só serão sabidas depois das eleições, em 2005.
Entretanto teremos as conclusões do inquérito britânico. Em tempo record. Atente-se ao precioso timing escolhido: antes do Verão. A tempo de condicionar as eleições americanas. E dadas as posições dos partidos envolvidos na Comissão, não será de estranhar que uma das conclusões do inquérito britânico, seja a de que a guerra se justificava, não obstante ter havido "algum" exagero da intelligence quanto à ameaça iminente que o Iraque representava. Conclusão que será uma ajuda preciosa para o partido Republicano e para Bush, desesperadamente necessitado de um apoio no seu processo de re-eleição.
Não deixa de ser curioso que esse apoio venha de um partido trabalhista. O que dirá o partido Democrata americano? Que dirá Madeleine?

João Madureira