quarta-feira, 3 de março de 2004

"Civis, laicos e europeus"

O Barnabé publicava ontem com justificado gozo antigos textos de Paulo Portas concordando com a despenalização do aborto e elogiando a ministra liberal francesa Simone Weil, que em França procedeu a essa despenalização, tudo em nome de uma cultura “civil, laica e europeia”, contra uma cultura “conservadora e ortodoxa”.
O que mudou não foi obviamente a ligação então estabelecida entra a questão do estatuto penal do aborto e certos valores político-culturais: a despenalização está tanto para os valores liberais, laicos e europeus ( a “Europa moral” a que Portas então prestava homenagem) como a criminalização está para os valores dogmáticos, confessionalistas e retrógrados que se encontram nos antípodas daqueles. Essa relação não mudou. O que mudou foi posição de Portas, que se transferiu de campo. Portas não mudou somente quanto à questão do aborto.
Evidentemente não se contesta o direito à mudança de opiniões e convicções ao longo do tempo, desde que tal seja honestamente assumido. Mas para quem gosta de se apresentar como paradigma de coerência e faz questão de se reclamar de valores perenes e transcendentais, esta mudança do conhecido campeão actual do “direito à vida do embrião” é mesmo muito embaraçosa. De facto, é uma questão de civilização política e cultural que está em causa.

Vital Moreira