Vale a pena ler com atenção os artigos “Defesa gasta 309 milhões com aviões em risco de reforma – Portugal exige contrapartidas abaixo da média», no caderno «Negócios» do DN de hoje, da autoria do jornalista Joaquim Brito Camacho, escalpelizando a opção do Ministro da Defesa, Paulo Portas, pela modernização de seis aviões P-3 Orion, trabalho que deverá ser entregue … à Lockheed Martin, naturalmente.
Isto apesar de a marinha norte-americana estar a substituir aceleradamente aqueles aviões, por ter concluído que apresentariam perigosa deterioração - e os «portugueses» são dos mais velhos, fabricados já em 1968. O que não preocupa o Ministro, pois como atesta o seu assessor Pedro Guerra (o nome indiciará, porventura, um perito na matéria) «não há grande problema».
Grande problema também não é o trabalho estar orçamentado na Lei de Programação Militar por 309 milhões de euros – sorte terá a Nova Zelândia, que, para modernizar o mesmo número de aviões do mesmo modelo, só prevê gastar 160 milhões de euros…
Grande problema não resulta ainda de o trabalho de modernização ser entregue à … Lockheed Martin, naturalmente…, a que resta das duas empresas americanas que o MD convidou a apresentarem propostas a concurso que, nos termos da lei, exigiria consulta a três fornecedores.
E não haverá também grande problema por o Ministro ter exigido à empresa norte-americana a entrega à OGMA de 33% em contrapartidas directas. De acordo com dados fornecidos pelo Departamento de Comércio dos EUA, citado pelo jornalista, 42% de contrapartidas directas costuma ser a percentagem para países desenvolvidos, 36% para países em desenvolvimento… (33% deve ser a taxa a aplicar a países a andar para trás, como o nosso, que tem o Dr. Portas como governante).
Grande problema também não tem o Presidente da CPC (Comissão Permanente de Contrapartidas) por se escudar na confidencialidade para não revelar onde serão aplicados os 66% de contrapartidas indirectas, necessárias para cumprir o regulamento de que o valor a exigir nunca seja inferior a 100% do preço dos bens a adquirir (noutros países as contrapartidas directas e indirectas sobem frequentemente a 200%, 300%, 400%…).
Certamente que o Ministro da Defesa também não terá grande problema em escancarar portas ao escrutínio público e prestar explicações, rapidamente, sobre aquela opção de modernização apesar dos alertas da marinha norte-americana, e em facultar-nos a todos, democraticamente, as contas certinhas, incluindo percentagens e aplicações das contrapartidas.
Eu nada sei da matéria, nem tenho interesses além dos nacionais, de todos nós, aqueles que pagamos impostos. Não sou (im)pressionável com alusões a negócios passados, ligeiros ou nebulosos, feitos por quem quer que seja. Acontece que leio jornais e não gosto de negócios escuros, que é o que há mais, por esse mundo fora, em matéria de armas e equipamentos militares. Será que no Ministério da Defesa lêem o Causa-Nossa?
PS - O mesmo jornalista assinava na publicação «Take-off – Informação Aeronáutica», de Dezembro de 2003, um interessante artigo analisando as consequências das intenções de poupança que o Ministro Paulo Portas avançou no ano passado como justificação para cancelar a participação de Portugal no consórcio europeu de produção dos aviões A400M. O jornalista concluía que para o Ministro ser consequente com o que anunciou – poupar dinheiro ao erário público conseguindo aviões com a melhor relação qualidade-performance-preço - teria de ir comprar uns aviões ucranianos e não os C130-J que se propunha adquirir à …Lockheed Martin, naturalmente.
Onde estamos hoje, afinal? Compramos ucraniano ou americano? E por quanto? E as famosas contrapartidas que o Ministro proclamou ir garantir, peludas, leoninas, para a indústria nacional ? E sempre houve ou haverá que pagar indemnizações ao consórcio europeu, como a imprensa chegou a noticiar?
Aguardemos respostas.
Ana Gomes