O novo livro de José Saramago, Ensaio sobre a Lucidez, veio colocar em discussão a questão da “crise” da democracia representativa e do voto branco como instrumento de rejeição e protesto. Na verdade, o voto branco é uma maneira perfeitamente democrática de exprimir descontentamento político. Em geral, ele é uma alternativa à abstenção por parte de cidadãos civicamente empenhados; em certas circunstâncias ele pode ser também uma alternativa ao voto em partidos extremistas, anti-sistema.
Ao contrário da abstenção, que é geralmente produto de uma atitude de desinteresse ou falta de informação, ou de hostilidade de baixa intensidade, o voto branco supõe uma atitude deliberada e uma rejeição de mais forte intensidade, pois implica o esforço de ir votar. Por isso em eleições ele dá expressão em regra a uma das seguintes atitudes: recusa de escolha entre os concorrentes, rejeição de todos os concorrentes, rejeição do sistema democrático ele-mesmo, hostilidade em relação à política. Ora numa democracia pluripartidária, onde exista liberdade de organização e de actividade de partidos, essas situações não são muito numerosas em condições de regular funcionamento do sistema. Salvo quando atingem maior intensidade, o descontentamento e a desafeição em relação aos partidos ou ao sistema ele mesmo exprimem-se mais pela abstenção do que pelo voto branco, que representa um voto activo.
Em geral os votos brancos são legalmente irrelevantes, não contando para o apuramento de maiorias eleitorais, que são calculadas somente com base nos “votos expressos”. Existem mesmo países onde nem sequer se procede à sua contagem separada dos votos nulos (França, por exemplo). Mas é evidente que politicamente seria tudo menos irrelevante uma forte percentagem de votos brancos. Por isso, em certo sentido, sob o ponto de vista democrático, o voto branco pode ser preferível à abstenção, desde logo porque ele reclama maior atenção em relação à qualidade da democracia, dado traduzir a desaprovação de cidadãos interessados, que querem exprimir a sua opinião e participar nas escolhas da colectividade.
Há quem condene em geral o voto branco. Mas uma coisa é cativar os cidadãos para exprimirem uma opção partidária e outra coisa é enterrar a cabeça na areia face aos votos de protesto, fazendo de conta que nada se passa. O voto branco pode ser um excelente sismógrafo da democracia.