Brandir contra a extrema-esquerda actual o chamado "relatório das sevícias" de 1976, que J. Pacheco Pereira veio recordar em plena onda de condenação da tortura dos prisioneiros iraquianos, carece de ser acompanhada de três cautelas, sob pena de contar só uma parte da história, o que é muitas vezes a pior forma da sua manipulação:
-- primeiro, os acusados no dito relatório eram em geral responsáveis militares, ainda que alguns deles com ligações políticas, no que respeita a maus tratos de detidos civis no "período quente" da revolução, em 1975 (infelizmente nunca se ordenou investigação semelhante sobre a rede bombista desse mesmo ano, que destruiu muitas instalaçãoes partidárias de esquerda e, essa sim, matou várias pessoas);
-- segundo, o dito relatório foi contestado em muitas das suas conclusões e acusado de parcial e inexacto por muita gente alheia aos visados, incluindo num documento igualmente publicado (AAVV, O relatório das sevícias e a legalidade democrática, Coimbra : Centelha, 1977);
-- terceiro, os condenáveis factos relatados foram punidos com medidas "estatutárias" no âmbito militar, embora de muito duvidosa legalidade, mas não foram sujeitos a nenhuma validação independente, pois não deram lugar, tanto quanto me é dado recordar, à sua investigação penal (muito menos a condenação judicial), o que pelo menos deixa dúvidas sobre o seu grau de gravidade (ou mesmo veracidade em alguns casos), tanto mais que os acusados já não tinham nenhum poder e portanto já não gozavam de nenhuma "imunidade" revolucionária (pelo contrário, eram perdedores do 25 de Novembro de 1975).
Aditamento - Sobre este tema ver também este bem informado post na Grande Loja.
Vital Moreira