1. Carta de um leitor
«(...) A questão essencial é: Deve ou não após a queda do governo ser também dissolvida a assembleia da república?A meu ver, se nos abstrairmos da actual conjuntura, a assembleia não deve ser dissolvida. Caso contrário, cada vez que um primeiro ministro fosse promovido implicasse a dissolução da assembleia, seria um forte desincentivo aos mesmos a nunca aceitarem cargos de relevo internacional. Assim, quem ficaria a perder era o país, pois devido a limitações internas os seus governantes dificilmente ocupariam cargos em organismos internacionais.
A questão secundária: Quem deve suceder ao primeiro ministro cessante?
A meu ver, a escolha de tal elemento deve obedecer aos seguintes critérios: ter sido sufragada no mesmo acto eleitoral que elegeu o seu antecessor e ser independente da conjuntura em que a situação ocorre. Como tal a pessoa deverá ser o elemento seguinte ao elemento cessante da lista vencedora das eleições.
Como actualmente, tal não está previsto, os eleitores limitaram-se a escolher um lider governativo e não um conjunto de eventuais lideres.
Assim a solução mais lógica será a alteração da respectiva lei, que terá efeito a partir do próximo acto eleitoral. Desta forma as futuras listas partidárias devem comtemplar esta possibilidade quando são formadas.
Consequentemente, tal alteração implicaria o seguinte:
A manutenção em gestão corrente do actual governo até que seja possivel realizar novas eleições, sendo o primeiro ministro o nº2 do governo. As novas eleições ocorreriam já com a nova lei em vigor.(...)»
(Miguel Constâncio)
2. Comentário
No nosso sistema constitucional de Governo o primeiro-ministro não é escolhido pelos cidadãos (apesar da convicção de muitos em contrário). Recordo, desde logo, que os deputados são eleitos em muitos círculos eleitorais, e não numa lista única a nível nacional, e que os nomes dos candidatos nem sequer aparecem nas listas. Embora o líder do partido vencedor das eleições seja normalmente chamado a formar governo, nada impede a formação de governos com outro primeiro-ministro (inclusive um não deputado), se aquele não o conseguir (por exemplo, por falta de suficiente apoio parlamentar) ou se se vier a demitir por qualquer motivo. Num sistema parlamentar o essencial é haver a sustentabilidade parlamentar do governo.
Por isso, a demissão do Primeiro-ministro não envolve necessariamente a convocação de novas eleições. Se houver apoio parlamentar para novo governo com o mesmo ou outro primeiro-ministro, a convocação de eleições só se justifica se a nova solução governativa se revelar insatisfatória por outros motivos. Cabe ao Presidente da República decidir de acordo com o seu prudente critério.
Não vejo nenhuma vantagem em alterar o actual sistema, muito menos no sentido de uma eleição directa do primeiro-ministro e previsão de um mecanismo da sua substituição automática em caso de morte ou demissão, como sucede nos sistemas presidencialistas (Estados Unidos, Brasil, etc.) e nas eleições das câmaras municipais entre nós. Além de tudo o mais (necessidade de eleição a nível nacional, por exemplo), não vejo como harmonizar a eleição directa com a responsabilidade política perante o parlamento, incluindo a possibilidade de demissão por efeito de moções de censura. Não é por acaso que nos sistemas de eleição directa do chefe do executivo não existe possibilidade de o parlamento o derrubar.