quarta-feira, 26 de janeiro de 2005

Serviços públicos e gestão empresarial

«A propósito da fuga de serviços públicos para o direito privado de que o Prof. Vital Moreira parece ser defensor, há uma questão que me faz confusão:
Andou-se em Portugal a porfiar anos a fio por uma sistematização do processo administrativo para "reforçar a eficiência do agir da administração, e para garantir a participação dos cidadãos nas decisões que lhe dizem respeito" até que, em finais de 1991, com toda a pompa e circunstância e grandes despesas associadas em acções de formação, entrou finalmente em vigor o que os administrativistas clamavam como sendo uma medida com altíssimo significado para todos os administrados deste país. Enfim, dizia-se, uma autêntica revolução nos procedimentos administrativos. (...)
Afinal, tanto trabalho legislativo para quê? O que se está a verificar é justamente que com empresarializações, criação de institutos públicos (com funções públicas) cuja gestão se passa a processar pelo contrato individual de trabalho e outro direito privado, etc., se está a fugir àqueles princípios e a procedimentos a que toda a administração pública deveria obediência num estado de direito democrático. (...) O que é um erro clamoroso, quanto a mim. Quem não soube gerir os serviços públicos com direito público, não vai consegui-lo com o direito privado. (...)»

(Fernando Barros)

Comentário
Vários pontos desta carta requerem correcção.
Primeiro, ao contrário do que diz, eu não defendo a fuga dos serviços públicos para o direito privado, pelo contrário, salvo nos casos de unidades prestadores de bens ou serviços ao público no mercado, mediante remuneração, que podem ser empresarializados, com ganhos de eficiência. Há muito que existe uma separação entre o "sector público administrativo" e o "sector público empresarial". O que importa é que a forma de empresa não seja utilizada abusivamente para serviços que nada têm de empresarial.
Segundo, a nova lei-quadro dos institutos públicos, embora tenha admitido a adopção do contrato individual de trabalho, obriga a um procedimento público e objectivo de recrutamento de pessoal, semelhante ao da função pública.
Terceiro, o próprio Código de Procedimento Administrativo estabelece que os princípios gerais da actividade administrativa nele estabelecidos e as normas que concretizam direitos fundamentais continuam aplicáveis aos organismos administrativos de direito privado, pelo que a "fuga para o direito privado" nunca é integral.

Vital Moreira