Os opositores do tratado constitucional da UE podem ser muito imaginosos e pouco rigorosos. Um dos argumentos mais recorrentes é o de que o tratado favorece os grandes Estados-membros e prejudica os pequenos, em particular Portugal. Isso sucederia desde logo no que respeita ao peso de cada país para efeitos da maioria qualificada no Conselho de ministros. Por exemplo, num artigo ontem publicado no Diário de Notícias, Paulo Pita e Cunha argumenta que o poder de voto de Portugal, «presentemente duas vezes e meia inferior ao da Alemanha e da França, passará a ser oito vezes inferior ao primeiro e seis vezes ao segundo».
Mas estas contas não fazem sentido. Actualmente, de acordo com o art. 205º do Tratado de Nice, vigora um sistema de voto plúrimo ponderado, em que cada Estado-membro tem um determinado número de votos, de acordo com a sua dimensão (por exemplo, Portugal - 12 e Alemanha - 29). A maioria qualificada é calculada com base no número total desses votos (232 de 321, o que dá cerca de 72%), desde que se trate da maioria dos países e que reúnam 62% da população. Destes três requisitos, dpois deles, o primeiro e o terceiro, favorecem os grandes países. Esse sistema de voto plúrimo foi abandonado no novo tratado constitucional, passando cada país a ter um único voto. No novo sistema simplificado de "dupla maioria" (art. I-25º), a maioria qualificada obtém-se com 55% dos países desde que representem 65% da população total da UE. Ou seja, à partida cada país representa um voto, em termos de perfeita igualdade, sendo a população (que favorece os grandes países) um segundo critério cumulativo. Se uma proposta não obtiver o voto de 55% dos Estados, não será aprovada, por maior que seja a percentagem da população dos países que a apoiem (actualmente basta uma maioria de países, desde que somem os votos "ponderados" e a população necessários).
Por conseguinte, o peso do voto de cada país no sistema do tratado constitcional não pode ser comparado tendo em conta somente o respectivo peso demográfico comparado. A população é somente um dos dois critérios conjugados no sistema da dupla maioria. É de exigir um pouco mais de rigor e de escrúpulo.