«(...) O meu pai tem 97 anos. Na sua folha de cadastro tem 37 prédios rústicos espalhados por 2 freguesias. Destes, cerca de 60% são charnecas (matos e pinhais); os restantes ex-terras de cultivo. A dimensão média de cada prédio é seguramente inferior a um hectare (o prédio maior tem 22 000 metros - 2.2 hectares). Eu sou filho único (futuro herdeiro?) e deixei a casa de meus pais há mais de 40 anos para desenvolver a minha vida em Lisboa. Neste momento todas as terras se encontram há longo tempo abandonadas. Mas serão só as da minha família? Infelizmente não: todo o concelho -- Pombal, um dos mais atingidos pela emigração nos anos 60 e 70 -- está assim. Tenho a quem ceder o cultivo? Mesmo gratuitamente? Não, e isto porque, bem vistas as coisas, é difícil encontrar alguém que viva exclusivamente da agricultura (...). Então a solução é vender. Mas a quem? (...)
Quais os rendimentos que um cadastro assim gera? As terras de cultivo só geram silvas e mato: rendimento zero; os pinhais sempre geram algum pequeno rendimento mas muito longe daquele que seria necessário para os manter limpos. (...) Será que para se cumprir a obrigatoriedade de limpeza das propriedades da minha família (como falou o Senhor Presidente da República) tenho de vender a minha casa de Lisboa onde vivo com a minha família para pagar os custos? (...)
Certamente que tem de haver uma solução para este problema nacional cujas causas têm a ver com a desertificação rural ocorrida nos anos 60 e 70 e com as alterações do modo de vida ocorridas desde então: Onde estão os rebanhos de cabras e ovelhas que devastavam os matos? Onde estão as pessoas que disputavam a lenha nos pinhais para cozinhar regularmente e guardar para o Inverno? Onde estão os camponeses que roçavam (e até compravam ) os matos para os currais do gado e que depois eram o fertilizante da terra ? (...)»
Fernando Abreu