Extracto de entrevista radiofónica com Ferro Rodrigues transcrita no PÚBLIC0 em 28.4.2003:
"Entrevistado no programa Diga Lá Excelência, da Rádio Renascença e do PÚBLICO, Ferro Rodrigues conta a sua versão das negociação com o PSD sobre a reforma do sistema político. Tudo começou nas conversas com Durão Barroso após o apelo de Jorge Sampaio, no 25 de Abril do ano passado, para que as mudanças avançassem, independentemente da crise financeira do Estado. O processo continuou nas negociações entre Santana Lopes e Alberto Martins e falhou a 48 horas da aprovação parlamentar. A pressão dos autarcas por causa da sisa e a situação financeira do Estado foram as razões invocadas pelo primeiro-ministro, num telefonema feito de Paris, para adiar para 2005 a entrada em vigor de uma parte da lei de financiamento dos partidos: os artigos que dizem respeito ao aumento das subvenções públicas (dinheiro do Orçamento do Estado para os partidos)e à previsão de penas de prisão para quem infringir a lei.O fim dos financiamentos anónimos é a principal alteração significativa da lei que entra já em vigor.Assim, o Parlamento aprovou, na passada quinta-feira, uma nova lei, que consagra o que foi acordado entre os dois partido, mas que remete uma parte da sua aplicação para daqui a dois anos, o que levou o PS a votar contra. Uma história que quebrou a relação de confiança entre o líder do PS e Durão Barroso.
P. - Está satisfeito com a primeira fase da reforma do sistema político? R. - O que se passou não foi a concretização de nenhuma primeira fase de qualquer reforma do sistema político. O que aconteceu foi a aprovação de uma lei dos partidos que não era algo de verdadeiramente prioritário. Depois, foi aprovada uma lei sobre o financiamento dos partidos e das campanhas eleitorais, mas que no essencial só entra em vigor daqui a quase dois anos. Não é o essencial do que estava previsto que pudesse acontecer e que era, para já, o fim dos financiamentos anónimos.
(...)O Presidente da República, no 25 de Abril de 2002, disse que a questão do financiamento dos partidos e das leis eleitorais, entre outras matérias relacionadas com o sistema político, devia ser alterada. (...) Nesse contexto, eu tive um convite do primeiro-ministro para nos conhecermos melhor, depois da eleição (...)estabelecemos nesse encontro uma posição de princípio de abertura às ideias do Presidente. (...) tomei a iniciativa, antes do final do ano, de me dirigir às lideranças de PSD e PP, para lhes dizer que considerávamos urgente que até ao 25 de Abril...
(...)apontei três pontos, que resultavam da primeira conversa com o dr. Durão Barroso: uma nova lei de partidos, uma nova lei de financiamento dos partidos e das campanhas...
(...)Durão Barroso nomeou Santana Lopes como seu representante para esta negociação - eu indiquei Alberto Martins -, eles falaram várias vezes e chegaram à conclusão de que havia todas as condições para que este compromisso fosse conseguido. Nunca exigimos qualquer verba especial...
P. - Mas falou-se nisso... R. - Houve contactos feitos com as pessoas que dirigiram as campanhas eleitorais anteriores no PS e no PSD e elas concluíram que um determinado tipo de verbas para a actividade corrente dos partidos e outra para as campanhas era absolutamente lógico. Chegou-se, por isso, ao número da duplicação das verbas para o funcionamento corrente e números variados consoante a natureza das eleições. A dada altura, perguntei a Alberto Martins se havia condições financeiras do Estado para fazer isto. Ele respondeu-me que já tinha discutido a questão com Santana Lopes e que este lhe dissera que o problema tinha sido colocado no PSD ao mais alto nível e que a ministra das Finanças não levantaria qualquer obstáculo.
P. - Então porque é tudo correu mal? R. - Eu estava absolutamente convencido que o trabalho final era meramente técnico, porque as soluções políticas estavam encontradas. Acontece que, 48 horas antes, o dr. Durão Barroso telefona-me de Paris a dizer: meu caro, tivemos ontem uma reunião da comissão permanente do PSD e não há condições para que haja qualquer aumento do financiamento da actividade partidária por meios públicos, visto que há muitos problemas com os autarcas, a função pública... Ora, isso não estava em causa porque a questão das dificuldades era conhecida no momento em que este compromisso tinha sido estabelecido. A partir daí, o PSD tentou criar na opinião pública a ideia de que os socialistas são um bando de despesistas que querem que os partidos vivam em grande à custa do erário público e que o dr. Durão Barroso deu um murro na mesa contra um acordo irresponsável. Isto é de um populismo inaceitável. "