sexta-feira, 16 de junho de 2006

Gisberta

O Parlamento Europeu aprovou ontem uma resolução de condenação e apelo à luta contra a impunidade dos crimes de ódio racista ou homofóbico. O segundo parágrafo enumera uma série de casos recentemente ocorridos em vários países europeus:

"2. Condena firmemente todos os ataques de natureza racista e motivados pelo ódio e insta todas as autoridades nacionais a fazerem tudo o que possam para punir os responsáveis e para combater a impunidade no que diz respeito a esses ataques; manifesta a sua solidariedade para com todas as vítimas de tais ataques e para com as suas famílias, nomeadamente:
- o assassínio premeditado de uma mulher negra de nacionalidade maliana e de uma criança belga da qual era ama, perpetrado em Antuérpia, em 12 de Maio do presente ano, por um jovem belga simpatizante da extrema-direita, o qual havia, momentos antes, ferido gravemente uma mulher de origem turca na tentativa de a matar;
- o homicídio de um jovem de 16 anos em Janeiro de 2006 e de outro de 17 anos em Abril de 2006, em Bruxelas, e exprime a sua indignação com a cobertura destes crimes efectuada por alguns órgãos de comunicação social, que, em certas ocasiões, levaram à criminalização injustificada de comunidades inteiras por parte da opinião pública;
- o rapto, tortura e assassínio de Ilan Halimi, no passado mês de Fevereiro, em França, por um "gang" de 22 pessoas de diferentes origens e expressa a sua particular preocupação face à dimensão anti-semita deste crime;
- o homicídio de Chaïb Zehaf, perpetrado em Março passado, em França, devido à sua origem étnica;
- o brutal ataque de que foi alvo um cidadão alemão de origem etíope, Kevin K., na aldeia de Poemmelte na Saxónia-Anhalt, em 9 de Janeiro de 2006, atendendo sobretudo à sua motivação racista;
- a tortura e o homicídio hediondos de Gisberta, um transsexual que vivia na cidade portuguesa do Porto, cometidos em Fevereiro de 2006 por um grupo de adolescentes e pré-adolescentes menores;
- o ataque perpetrado contra Michael Schudrich, Grande rabino da Polónia, que teve lugar em Varsóvia, bem como as declarações de um destacado membro da Liga das Famílias Polacas incitando à violência contra a comunidade LGBT no contexto da marcha em prol da tolerância e da igualdade;
- a agressão de que foi vítima em 8 de Abril de 2006 Fernando Ujiguilete, português de origem guineense, na localidade de Castellar del Vallès, Espanha; devido a esta agressão, de índole racista, Fernando Ujiguilete esteve internado vários dias num hospital;
- o aumento das agressões e das palavras de ordem e cânticos de índole racista que ocorrem nos estádios de futebol por parte de simpatizantes da ideologia neonazi".


Nessa resolução eu introduzi a referência ao assassinato de Gisberta.
Porque não desvalorizo as implicações de grave doença social que tal crime, ainda por cima cometido por crianças, demonstra.
Porque não concordo com quem sustenta que Portugal esteja numa categoria à parte, pretensamente menos grave, entre os países europeus onde se assiste a uma escalada de manifestações e organizações racistas, xenófobas e homofóbicas.
Porque não estou no PE para fingir que em Portugal não há problemas, como a reaccionária cultura machista que alimenta perversões homofóbicas, a ponto de induzir menores a matar com requintes de malvadez uma pessoa doente e muito fragilizada.
Porque estou no PE para o utilizar. Para reforçar ou forçar a mão de autoridades que devem fazer justiça e fomentar a cultura da tolerância, respeito pela diversidade e respeito pelos direitos humanos.
Porque, já lá dizia Burke no sec. XVIII,
"Para que o mal triunfe, basta que os bons não façam nada"
("All that is necessary for the triumph of evil is that good men do nothing." Edmund Burke, político e filósofo irlandês, 1729 - 1797).