«Li com muito interesse o seu artigo "O território, de novo", com cujas linhas gerais concordo na íntegra.
Mas parece-me que, para 'calar' as capitais de distrito que não são capitais de NUT II, haveria uma outra alternativa de curto/médio prazo, que porventura seria menos penosa para as elites locais/regionais (tão ciosas que são dos 'seus' territórios e das suas posições) e talvez ajudasse a quebrar o enguiço. A alternativa passaria pelo seguinte:
- Proceder à conversão territorial dos distritos em NUTs III (ou seja, transferir para este nível parte dos serviços actualmente de base distrital). Se as regiões-plano forem o modelo para a desconcentração administrativa, primeiro, e para a descentralização/regionalização, depois, haverá sempre, como já há hoje aliás (na Saúde ou na Educação, por exemplo), serviços desconcentrados ao nível das NUT III. Numa primeira fase, poderiam até existir governadores civis em todas as NUT III rebaptizadas, como existiam nas províncias da Espanha democrática até há bem pouco tempo (e a 'longa manus' até continua a existir aqui ao lado, porque apesar da 'desprovincialização' do governador civil, foi criada, por baixo do delegado do governo nas comunidades autónomas, a figura de subdelegado do governo ao nível provincial...).
- Em conformidade, baptizar condignamente as actuais NUT III. Na organização administrativa dos ministérios, as NUT III tomaram a designação de 'sub-regiões' (ou de outras designações que foram criadas ao sabor das discricionariedades ministeriais). Substituir estas designações por 'distritos' ou 'províncias' ? tal como em Espanha ou em Itália as unidades infra-regionais se chamam províncias ? conferiria maior dignidade a estas unidades territoriais infra-regionais e supramunicipais. O nome pode ser uma questão simbólica, é certo, mas também é verdade que de símbolos se alimentam, se legitimam e se vangloriam as elites.
Assim sendo, e do ponto de vista meramente administrativo, os herdeiros naturais dos distritos seriam, numa primeira fase, não as regiões, mas os novos distritos ou províncias de base NUT III (o número de distritos é, aliás, mais próximo das NUT III do que das NUT II), distritos ou províncias esses sobre os quais assentariam territorialmente, e de forma harmonizada, as actuais NUT II (que serão convertidas, assim o espero, em futuras regiões).
Para finalizar, uma última nota, ainda sobre designações. Na medida em que as NUT II constituirão muito provavelmente o modelo das futuras regiões, haveria que repensar, parece-me, a designação actual dessas unidades. É hoje relativamente pacífico que as estruturas e as identidades se condicionam mutuamente. Sem a forte identidade algarvia (porventura a região mais 'natural' em Portugal continental), a cooperação intermunicipal que aí se verifica não seria tão estreita. Mas a forte identidade algarvia não seria o que é se Portugal não tivesse sido um dia, e por decreto papal, o Reino de Portugal e dos Algarves. Creio que a construção social das identidades regionais será um dos maiores desafios de longo prazo da regionalização, e um 'factor crítico de sucesso (para usar o jargão dos consultores) das regiões e da sua sobrevivência. E aqui as designações são verdadeiramente importantes. (...). Em suma, excluindo as já 'naturais' regiões do Alentejo e do Algarve, as designações tecnocráticas de 'Norte', 'Centro' e 'Lisboa e Vale do Tejo' não fazem qualquer sentido, porque não associam as pessoas a coisa nenhuma, não ajudando assim a 'construir' as tais identidades regionais. Se estiver de acordo comigo, lanço-lhe o desafio de 'rebaptizar' publicamente as NUT II.»
João Pedro R.