Ainda não temos a nova Lei de Segurança Interna, em preparação no MAI. Temos apenas uma resolução política do Conselho de Ministros. Que descreve as linhas mestras do que será a Lei a agendar em Conselho de Ministros, que depois deverá ser submetida à AR.
É, portanto, este o momento para contribuir para o debate. Sem alarmismos. Sem comparações descabidas entre o que este Governo pensa fazer na área da coordenação das forças polícias (PSP, GNR, PJ, SEF), e autoritarismos brutais, à moda de Pina Manique durante a monarquia absoluta. Exemplos assim não contribuem realmente para a discussão. Antes a ofuscam.
A mim, não me choca que um futuro Secretário-Geral do SISI (Sistema Integrado de Segurança Interna) "articule, coordene" e ajude à "cooperação" entre forças policiais. Não me choca, até, que em circunstâncias excepcionais, e para determinadas operações em particular, este mesmo Secretário-Geral venha até assumir "funções de direcção, comando e controle". Finalmente, não me choca que este Secretário-Geral responda ao PM, já que as forças policiais que ele coordenará pertencem a vários ministérios - que são dirigidos por ministros, que respondem perante o PM e os quais o PM é suposto coordenar.
O cenário apocalíptico de um 'Estado-polícia' está bem longe da realidade portuguesa e não é este projecto que nos vai aproximar dele. A nossa democracia já deu provas de maturidade nesta área. E a todos nós cabe garantir que continue a dar. Mas, de acordo com os especialistas e como eu própria fui apurando junto das diversas forças policiais e serviços de informação e segurança nacionais desde que em 2004 assumi no PE responsabilidades na Subcomissão de Segurança e Defesa, o que faz bem parte da nossa realidade são as áreas cinzentas de sobreposição de responsabilidades geográficas e operacionais entre as diferentes forças policiais. Daí, as confusões, as disputas de competèncias, as rivalidades, as omissões, e as nossas patéticas representações em instâncias de coordenação internacional... Que obviamente não servem a segurança nacional, nem a eficácia da prevenção, da investigação ou da repressão criminal. Sobretudo quando em Portugal, na Europa e globalmente, fazemos face às ameaças interligadas do terrorismo internacional e da criminalidade organizada.
O que é decisivo e é preciso que conste do projecto de lei a ser em breve discutido no Conselho de Ministros, é o controlo parlamentar. No pleno respeito das competências próprias da AR. E dos poderes que cabem ao Governo. Este deve ficar obrigado não só a submeter o candidato a Secretário-Geral do SISI a audições parlamentares (nas comissões relevantes e em plenária), como deve considerar-se politicamente vinculado pelo juízo da AR em relação ao candidato: mesmo se for negativo. O Secretário-Geral deve prestar regularmente explicações na AR e defender anualmente diante dela a estratégia do SISI para o ano seguinte.
É fundamental, acima de tudo, evitar que se estendam ao novo SISI a passividade e o desinteresse que a AR tem demonstrado em relação ao SIS e ao SIEDM - chocantemente evidenciados na demissão em relação aos chamados «voos da CIA». Cabe aos partidos representados na AR exigir transparência e exercer o controlo e escrutíneo da actuação de todos os serviços de segurança e de informação. E nisto cabe ao PS a principal responsabilidade ? não apenas porque é governo, mas porque é maioritário na AR.
O projecto do SISI, tal como foi apresentado e defendido publicamente pelo MAI, faz sentido. E é bom sinal que, em questão tão importante, o Governo esteja a estimular o debate sobre a futura lei (Pina Manique e outros tratantes que tais jamais submeteriam a debate planos semelhantes).
É preciso verificar se o resultado final, a Lei, vai de facto reflectir esse debate. E vai prever os antídotos para eventuais tentações pinamaniquenses.
Depois, importa que a AR exerça efectivamente a responsabilidade de manter debaixo de olho aquilo que é suposto controlar: o SISI e não só. E aí também vai contar a vigilância de todos os cidadãos conscientes.