Indigência - é a palavra que fica da leitura do Programa de Governo no capítulo pomposamente intitulado "POLÍTICA EXTERNA, DESENVOLVIMENTO E DEFESA NACIONAL". Pomposamente porque são apenas nove ligeirissimas páginas, da 99 à 107, preenchidas com palavras ocas, frases de duvidosa sintaxe, conceitos corriqueiros desconexos e copiosas trivialidades, a inferiorizar qualquer discípulo de M. de la Palice.
Supostamente sobre Política Externa, a "pièce de resistance" centra-se na "Marca Portugal", na CPLP e na diplomacia económica, com uma pitada de "comunidades portuguesas", um cheirinho de EUA/NATO e mais um pézinho de Magrebe.
Mas já sobre as linhas políticas com que ela se há-de cozinhar, somos brindados com abundante rama descritiva - por exemplo, sobre o papel de Portugal nas organizações multilaterais, afirma-se que:
"daremos prioridade a: - cumprir o mandato de Portugal no Conselho de Segurança nas Nacões Unidas; -preparar a candidatura de Portugal ao Conselho de Direitos Humanos 2014-17 e - valorizar o multilateralismo baseado na cultura, como plataforma para a internacionalização das empresas e comunidades portuguesas"
(o que é a internacionalização das comunidades portuguesas, alguém me explica? o que estamos a fazer no CSNU, com que linhas vai Portugal orientar-se no próximo embate na AGNU sobre o reconhecimento da Palestina, vamos para o Conselho dos Direitos Humanos para sustentar o envio de mais fragatas contra novas "women on waves"? - sobre tudo isto o Programa do Governo prefere deixar-nos... na expectativa).
Sobre a Europa, a indigência rima com flatulência: o Programa inspira-se na afirmação de que ganha:
"uma nova importância: uma política europeia competente e credível, que na situação nacional actual e num cenários de desafios comuns e de soberania partilhada, é o espaço de acção essencial".
E expele rumo estratégico na declaração de que:
"para reforçar a afirmação de Portugal no contexto europeu e no relacionamento da Europa com os seus espaços de cooperação natural, o Governo irá: - defender e restabelecer a credibilidade e a reputação de Portugal no quadro europeu"
e "assegurar a participação de Portugal na linha da frente da construção europeia e procurar que os principios da coesão e da solidariedade entre Estado-membros sejam espelhados nas políticas comunitárias".
(Vade-retro maledicentes a salivar por que o Governo se empenhasse antes em enterrar-nos a reputação e em amarrar-nos ao banco dos suplentes!...)
Não sei quem terá atamancado tantas platitudes - nos meus tempos no MNE, nem o mais diáfano dos adidos de embaixada ousaria apresentar um papel tão mal-escrito e tão recheado de lapalissadas a um qualquer chefe de serviço.
Apesar de o Governo estar agora a recorrer ao alfobre de funcionalismo público de qualidade que o MNE produz, teve azar - não terá ido a tempo de recrutar diplomáticos préstimos para lhe redigir este capítulo do Programa de Governo.
Que, claramente, não pesa sequer as 5 folhinhas de "bulgaridades" em que se espraia.