sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018

Geringonça (6): O "Governo do grande capital"

«Os desenvolvimentos entretanto verificados mostram que o PS e o seu Governo, no quadro da suas opções de classe ao serviço do grande capital, não perde oportunidade para convergir com o PSD e o CDS».
1. Esta passagem do editorial do último número do jornal oficial do PCP não deixa dúvidas de que na visão comunista o PS e o Governo representam o "inimigo de classe", uma das mais graves acusações políticas no jargão do PCP, condenação historicamente agravada pelo facto de o PS ousar reclamar-se da esquerda, da qual o PCP se arroga o monopólio ideológico.
É certo que o PCP sempre fez este juízo do PS, muitas vezes erigido em "inimigo principal", tendo sempre guerreado afincadamente todos os governos socialistas, sendo igualmente certo que o PS sempre considerou o PCP como expressão de uma esquerda antidemocrática. Só que desta vez, prodigiosamente, o atual Governo do PS só existe porque teve o apoio do PCP na sua formação, como o tem tido na sua sustentação. Como conciliar a histórica inimizade recíproca com a circunstância da atual aliança política de conveniência?

2. As questões que esta insólita (e anteriormente impensável) situação suscita são, essencialmente, duas: (i) saber até onde pode ir o cinismo político do PCP na sustentação política de um Governo que tanto despreza, bem como o do PS, ao fazer de conta que se trata de uma "solução natural" (se não mesmo "ideal") de governo; (ii) saber se, com esta reiterada marcação de fronteiras por parte do PCP, é possível equacionar a repetição da atual parceria partidária na próxima legislatura, fora das condições que ditaram a "Geringonça", como faz menção de querer o PS.
Seja como for, sabendo o preço político a pagar por uma crise de governo, ambos os lados lado estão condenados a engolir com boa cara a sua dose de "sapos políticos" até ao fim da legislatura. O bom momento da economia e as boas perspetivas eleitorais para 2019 ajudam a manter o atual arranjo político, por mais artificial e menos consensual que ele se apresente com o decorrer do tempo, à medida que os seus objetivos iniciais se vão esgotando.