segunda-feira, 15 de outubro de 2018

Ai, a dívida (16): O "fetiche do défice zero"

1. A "esquerda da esquerda", que sempre achou que o Estado pode gastar à tripa forra recorrendo a  dinheiro emprestado, acha que o objetivo do défice zero é um "fetiche" austeritário.
Ora, eu até penso que, como defendi aqui várias vezes, com a montanha de dívida pública que tem - a terceira mais elevada na UE -, o País já devia estar em excedente orçamental desde pelo menos que a economia está a crescer acima dos 2%, aproveitando o verdadeiro paraíso orçamental que é a conjugação do crescimento abundante da receita pública (impostos, taxas e contribuições) e a baixa da taxa de juros, que poupa  centenas de milhões de euros em encargos da dívida pública.
Por isso, nestas circunstâncias o défice zero não é nenhum fetiche doutrinário, nem sequer um objetivo ambicioso, sendo o limiar mínimo em que o Estado deixa de continuar a acumular dívida pública. De facto, por pequeno que seja, défice orçamental significa sempre mais dívida.

2. Não falta também na Geringonça governativa quem se vanglorie de que nunca um governo de direita foi tão longe na redução do défice das contas públicas. Mas eu duvido que nas condições excecionalmente favoráveis prevalecentes algum Governo responsável pudesse fazer pior, pelo contrário.
Primeiro, com o crescimento económico a "bombar" uma cornucópia de impostos, contribuições e taxas sem precedente, com um nível elevado de tributação fiscal, com uma nutrida poupança de encargos da dívida pública e com a restrição excecional do investimento público, o que admira é que ainda continuemos a recorrer à dívida para financiar a despesa pública.
De facto,  tirando o último dos fatores referidos, os demais não dependem propriamente de decisão ou da vontade politica do Governo em funções, porque vindos de trás (como o crescimento ou a "enorme subida de impostos" do Governo anterior) ou por serem devidos a terceiros (por exemplo, a baixa taxa de juros como resultado da política monetária do BCE).

3. O que é mérito do Governo é a determinação política de, apesar do pródigo aumento da despesa pública por pressão dos parceiros da Geringonça - como se nota mais uma vez no orçamento para 2019 -, não ter cedido demais, de modo a cumprir os principais objetivos de consolidação orçamental requeridos pela UE. Não é um pequeno feito, mas as condições existentes justificavam bem mais, no sentido da redução do peso da dívida pública, de modo a minorar os riscos de uma provável inversão do ciclo económico e do aumento da taxa de juro.
De facto, sendo a receita pública muito sensível a uma eventual contração da economia e do emprego, o mesmo não sucede com a despesa pública com salários, pensões e transferências sociais, que é muito mais rígida. Nesse caso, não devia ser ignorado o perigo de regresso a défices orçamentais elevados e de novo aumento da dívida pública.