sábado, 20 de outubro de 2018

Discordo (7): No interesse próprio

1. Um das mais eleiçoeiras medidas da proposta do orçamento para 2019 é a descida substancial (cerca de 20%) das propinas do ensino superior público, que vai ao encontro da tradicional reivindicação da importante base eleitoral dos respetivos estudantes. Mas é também uma medida caracteristicamente reacionária, como já aleguei várias vezes ao longo dos anos.
Provinda naturalmente da esquerda radical, o que admira é que o PS, cedendo ao oportunismo eleitoral, a tenha perfilhado, apesar de serem tantos os argumentos contra, e sobretudo por se tratar de uma medida que vai beneficiar quem menos precisa à custa dos que de mais ajuda carecem para chegar ao ensino superior. A elite política, cujos filhos frequentam obviamente o ensino superior, faz valer politicamente os seus interesses privativos, à custa do interesse geral.

2. Antes de mais, a redução das propinas - que são recurso próprio das instituições de ensino superior público - aumenta a sua dependência em relação ao orçamento do Estado, reduzindo a sua autonomia financeira (menos 50 milhões de euros), e tornando-as mais vulneráveis à discricionariedade orçamental de cada Governo.
Em segundo lugar, e sobretudo, a redução das propinas é socialmente iníqua, pois vai aumentar o custo orçamental dos estudantes do ensino superior, que pertencem em geral à metade mais abonada da população, sendo subsidiados por toda a gente na sua qualificação académica, incluindo por aqueles que não têm nenhuma possibilidade de enviar os seus filhos à universidade.
Em terceiro lugar, obrigando o Estado a compensar as IES pela perda de receitas próprias, vai haver menos dinheiro para outros fins mais virtuosos no âmbito do ensino superior, como a grave carência de habitação dos estudantes deslocados e as bolsas de estudo, prejudicando assim o acesso de alunos com menores rendimentos ao ensino superior.
Por último, a redução das propinas vai aprofundar a diferença de custos entre o ensino superior público e o privado, quando é certo que este é maioritariamente frequentado por quem não teve acesso àquele, sabendo-se que se trata maioritariamente de estudantes oriundos de estratos sociais com menores rendimentos do que os do ensino público.

Adenda
O CDS contrapropõe mais bolsas para estudantes, em vez da redução das propinas. Merece apoio!