1. A propósito do lamentável recuo na AR sobre as incompatiblidades dos deputados-advogados, recordo que defendo há muito uma incompatibilidade geral entre o cargo de deputado e a profissão de advogado, em especial os advogados de negócios (e não somente quando se trate de litigar contra ou a favor do Estado, onde existe um manifesto conflito de interesses).
Por várias razões:
- primeiro, por causa do princípio de separação de poderes: quem intervém no poder judicial e na aplicação das leis não deve participar na feitura das leis (Locke dixit);
- segundo, pelo risco de conflito de interesses, quer influenciando leis em função dos interesses dos seus clientes, quer funcionando como lobby dos mesmos interesses junto do Governo e da Administração;
- terceiro, por uma questão de concorrência: os advogados-deputados prevalecem-se da sua função e da sua notoriedade como deputados para promoverem a sua atividade como advogados, pelo que a própria Ordem deveria estabelecer essa incompatibilidade;
- por último, porque a acumulação das duas atividades só favorece, mais uma vez, os advogados de Lisboa e arredores, que podem facilmente dar uma "saltada" a São Bento para assinar o ponto e votar, antes de irem reunir com os seus clientes, o que não está alcance dos deputados de fora.
Por conseguinte, os deputados-advogados deveriam suspender o exercício da profissão.
2. A atual compatibilidade faz com que os advogados-deputados e afins constituam o maior grupo profissional na AR e engrossem o número de deputados em tempo parcial (muitos em "tempo pontual"), em prejuízo do desempenho do parlamento, tanto mais que o prémio de dedicação exclusiva (ou desconto do tempo parcial) é escandalosamente reduzido (10%).
A manter-se o regime de tempo parcial, o mínimo que se exige é aumentar a diferença de remuneração para, pelo menos, 33%, a fim de tornar mais atrativa a dedicação exclusiva ao desempenho da missão para que os deputados são eleitos.