segunda-feira, 1 de julho de 2019

Não dá para entender (14): A "captura" sindical do Ministério Público

1. Uma das mais bem-sucedidas operações de mistificação pública foi a recentemente lançada pelo sindicato do Ministério Público e acriticamente perfilhada pela generalidade dos comentadores, sobre uma alegada tentativa de "captura do MP pelos partidos políticos" para pôr em causa a independência da investigação criminal, através da alteração da composição do Conselho Superior da instituição.
Ora, essa acusação não faz qualquer sentido, porquanto:
    - o Ministério Público não goza de nenhuma autonomia na condução da política criminal, que é definida bienalmente pela Assembleia da República, sob proposta do Governo, incluindo as prioridades dos crimes a investigar (onde, aliás, se contam sistematicamente os crimes de corrupção e afins);
    - o exercício da ação penal rege-se pelo princípio da legalidade e não da oportunidade, pelo que MP deve obediência estrita às "leis de política criminal";
    - a competência para emitir as regras e instruções relativas à execução pelo MP da política criminal definida na lei cabe ao/à próprio/a Procurador/a-Geral da República, e não ao Conselho;
    - os agentes do MP são magistrados hierarquicamente subordinados, pelo que não podem deixar de cumprir as instruções do/a PGR, sob pena de responsabilidade disciplinar.
Não se vê, portanto, que interferência é que a composição do Conselho poderia ter na execução da política criminal pelo MP.

2. Na verdade, a referida operação de mistificação destinou-se a esconder o verdadeiro controlo que hoje existe sobre o MP.
Note-se que no caso da composição do Conselho Superior da Magistratura (CSM) é a própria Constituição que estabelece uma maioria de membros de nomeação externa aos juízes, sem que se tenha podido defender fundadamente que isso implica uma "captura" da magistratura judicial pelos partidos, para pôr em causa a independência dos tribunais.
Ora, se no caso do CSM a própria Constituição cuidou de impedir autogestão corporativa dos juízes, por maioria de razão isso deve ser assim no caso do CSMP, onde a autogestão corporativa redunda, como a experiência mostra, em captura sindical do Ministério Público.
Que o sindicato do MP defenda o status quo com unhas e dentes, compreende-se. Entende-se menos que o poder político democrático o consinta.