1. Quando oiço um governante dizer que o défice não é um "preocupação central" nas opções orçamentais, receio sempre que seja um understatement e que a orientação é mesmo para gastar mais sem nenhuma preocupação.
Ora, por mais voltas que se dê, défice é mais dívida, que paga juros e tem de vir a ser paga a seu tempo. E se a dívida dispara para níveis demasiado elevados, não são somente os correspondentes encargos que aumentam, podendo também criar receios nos investidores e dúvidas sobre a sustentabilidade da dívida.
As regras de disciplina orçamental da UE estão suspensas por causa da pandemia, mas hão-de vir a ser repostas e, então, quanto mais elevada for a dívida, maior será o esforço para reduzir. Mais dívida é o caminho direto para mais impostos no futuro.
2. É evidente que na situação de recessão económica por causa da pandemia, pode ser virtuoso o défice necessário para apoiar a economia e manter empresas viáveis em funcionamento até que a crise passe, assim como para aumentar o investimento público, que tão maltratado tem sido na política orçamental, sacrificado à prioridade dada ao aumento da despesa corrente ao longo destes últimos anos.
Já não vejo nenhuma justificação económica para aumentar a despesa pública e o défice com aumentos extraordinários de salários no setor público e das pensões, primeiro porque o consumo vai continuar retraído enquanto durar a incerteza da pandemia e depois porque grande parte dele se dirige a aumentar as importações, sem impacto sobre a economia e degradando o saldo da balança comercial.
Além disso, não é socialmente justo (pelo contrário) que quem depende do Estado tenha aumento de rendimentos, à conta do défice, quando a generalidade dos portugueses têm redução dos seus.
Défice orçamental para investimento, sim; défice para aumentar a despesa corrente e para agravar assimetrias sociais, não!