quinta-feira, 29 de outubro de 2020

Pandemia (36): "Estado de crise sanitária"

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1. Em relação ao post anterior, um leitor bem informado pergunta se não é «excessivo recorrer ao estado de emergência constitucional para decretar o recolher obrigatório», visto tratar-se ainda de uma restrição da liberdade de movimentos (durante a noite) e não da sua suspensão, como sucedeu na primavera, com o confinamento geral, pelo que bastaria uma lei geral a autorizar tal restrição.

Poupar-se-ia assim a intervenção do Presidente da República e o pesado e demorado procedimento de declaração do estado de emergência, dando ao Governo maior flexibilidade no recurso a restrições aos direitos fundamentais afetados. 

O problema é que tal lei não existe. Quando as leis gerais existentes não chegam (como a Lei de Bases da Proteção Civil ou a Lei de Vigilância em Saúde Pública), o Governo e a AR têm preferido recorrer a soluções legislativas ad hoc, como a recente lei sobre o uso obrigatório de máscaras. 

2. Sufrago, porém, a ideia sugerida desde o início por alguns observadores e constitucionalistas (e hoje reiterada no Público) de que a melhor solução seria introduzir na atual LVSP a figura do estado de crise sanitária (expressão que prefiro à de "estado de emergência, ou de calamidade, sanitária", como alguns propõem, que se presta a confusão com figuras já existentes).

Além de afastar as dúvidas de constitucionalidade suscitadas contra a aplicação extensiva da LBPC a estas situações de proteção sanitária, uma tal solução permitiria (i) definir mais rigorosamente essa nova figura, (ii) regular o modo e o procedimento da declaração do estado de crise (pareceres prévios, etc.), a sua duração e renovação e, sobretudo, (iii) definir o catálogo de medidas restritivas aplicáveis, incluindo restrições à liberdade de circulação, de reunião e de manifestação, cercas sanitárias, recolher obrigatório, restrição a atividades económicas, restrição à greve em serviços de saúde, vacinação obrigatória e obrigação de tratamento, uso obrigatório de meios de proteção, etc.

A segurança sanitária não se dá bem com insegurança jurídica.

É altura de equacionar essa solução, pois, com a segunda vaga, impõem-se medidas mais severas de proteção. E, como parece evidente, a pandemia veio para ficar e também não promete ser a última crise sanitária.

Adenda
Um leitor acrescenta que é necessária uma resposta integrada, e não medidas fragmentárias, ad hoc. «Fica a ideia de que os meses de verão foram perdidos sem fazer o planeamento do outono/inverno.»