segunda-feira, 2 de novembro de 2020

Pandemia (38): Estado de emergência "preventivo"?

 1. A ideia de um estado de emergência "preventivo" suscita-me várias reservas:

- Primeiramente, penso que o lógica constitucional do estado de emergência consiste em responder a calamidades atuais ou iminentes, não a situações a verificar num futuro mais ou menos indefinido;

- Em segundo lugar, entendo que é o decreto presidencial do estado de emergência que declara os direitos que ficam suspensos, em vez de autorizar o Governo fazê-lo quando o entender conveniente;

- Por último, julgo que o estado de emergência só é necessário para suspender o exercício de direitos (ou seja, para os tornar inoperativos), devendo evitar definir também restrições (por definição menos gravosas, por terem de respeitar o "núcleo essencial" dos direitos afetados), cuja competência cabe ao legislador e ao Governo / administração, sob pena de se criar a ideia incorreta de que também estas só podem ser estabelecidas em estado de emergência.

2. Na verdade, a declaração do estado de emergência confere ao Presidente da República um superpoder legislativo (embora com autorização parlamentar e com duração limitada), o qual, por ser uma derrogação do princípio da separação de poderes, só deve ser utilizado para os fins estritamente previstos na Constituição e não para fazer o Presidente da República compartilhar de poderes e responsabilidades que cabem ao Governo.

É que, ao contrário deste, que responde politicamente perante o Parlamento, com todas as consequências, o PR não é politicamente responsável pelo exercício dos seus poderes (a não ser de forma difusa, perante os eleitores).

Adenda
Não dá para perceber a declaração do Presidente da República onde se assume como o «maior responsável pelos erros da luta à covid-19». O Governo agradece, mas a declaração não é credível. Desde a declaração presidencial do estado de emergência em março e abril, que aliás foi bem-sucedido, toda a gestão do combate à pandemia desde então foi da competência e responsabilidade do Governo, sem que o Presidente pudesse interferir, salvo através de conselhos ou advertências, em que, de resto, tem sido pródigo. Não podendo haver responsabilidade sem poder, de onde vem, então, a pretensa responsabilidade presidencial?