sexta-feira, 4 de dezembro de 2020

Laicidade (10): Quousque tandem?

1.  Como mostra a imagem junta, o Reitor da Universidade de Coimbra volta a desafiar o princípio da laicidade do Estado, convidando oficialmente a comunidade académica para uma missa de homenagem à "padroeira da Universidade".

Volto a protestar, como é meu direito e dever cívico.

Quando é que o Reitor da UC, 110 anos depois da República, percebe a simplicidade deste silogismo: a Universidade é do Estado - o Estado é laico - logo, a Universidade é laica? E quando é que aceita que a laicidade das entidades públicas implica não poderem celebrar missas nem participar em cerimónias religiosas, sendo oficialmente neutras em matéria religiosa?

2. É evidente que os crentes católicos entre a comunidade académica da UC - incluindo o Reitor, a título pessoal - têm todo o direito de celebrar como bem entenderem a padroeira, de organizar e frequentar as missas que quiserem e de convidar toda a gente. 

Mas quando é que percebem que as coisas mudaram desde 1290 e que a UC não é propriedade da Igreja Católica, nem lhes pertence mais do que aos restantes membros da comunidade académica, sejam crentes de outras religiões ou de nenhuma (como é o meu caso), e que não devem continuar a instrumentalizar a Universidade nem a Reitoria em prol da sua causa religiosa?

Adenda
Um leitor pergunta quem paga a missa, observando pertinentemente que seria ilegal o pagamento pela Universidade, o que daria lugar a responsabilidade financeira, por não ser atribuição das universidades públicas prestarem serviços religiosos.
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Adenda 2
Outro leitor interroga-se como é que, no século XXI, uma instituição científica adota como "padroeira" o símbolo do dogma religioso da "imaculada" fecundação de Maria pelo Espírito Santo?!  Importa, no entanto, esclarecer que o dogma da Imaculada Conceição, tardio e controverso na história da Igreja (Pio IX, 1854), diz respeito à conceção "sem mancha" da própria Virgem Maria. [revisto]

Adenda 3
Perguntam-me o que fazer com a Capela e com a Padroeira? Parece-me simples. Quanto à Capela, que pertence à Universidade, a solução está em entregar a sua gestão religiosa (e só essa) à Diocese de Coimbra ou a uma entidade adrede constituída pela comunidade católica da UC, deixando a Reitoria de ter qualquer papel nessa gestão. Concomitantemente, a UC passaria a ter "padroeira" somente para a comunidade católica, retirando a respetiva data do calendário oficial da Universidade. Sendo laicas, as entidades públicas, enquanto tais, não têm patronos religiosos. A separação constitucional entre o Estado e as religiiões também vale para a UC.