1. Não foi sem emoção que assisti à tocante entrevista de Fátima de Campos Ferreira a Carlos Brito, ontem na RTP 1 (que só pude ver hoje).
Tendo passado sete anos da minha militância no PCP junto dele em São Bento, entre 1975 e 1982 (ele como presidente do grupo parlamentar e eu como vice-presidente), posso testemunhar a sua convicta dedicação à frente parlamentar (quando o Partido a menosprezava), a sua inteireza de caráter, a sua amizade e compreensão para com as minhas crescentes divergências em relação à orientação do Partido e, em especial, as minhas críticas à URSS.
Em vários ocasiões em que lhe manifestei a minha incapacidade para acompanhar as posições de voto filossoviéticas do PCP, como, por exemplo, aquando da retirada da cidadania a Sakharov, dizia-me discretamente para não participar na votação, o que era uma prova de inequívoca cumplicidade pessoal.
2. Foi ele quem, no verão de 1979, na Ilha de Faro, me convenceu a desistir da intenção que lhe tinha transmitido de deixar a AR e de regressar a Coimbra, para ultimar o doutoramento que eu interrompera em 1974, tendo-me persuadido a aceitar o desafio de ser cabeça-de-lista por Aveiro, meu distrito natal. Contra as previsões, visto que o PCP ficara longe de eleger alguém quer em 1975 quer em 1976, fui eleito folgadamente, repetindo a eleição nas eleiçoes do ano seguinte, o que me permitiu intervir ativamente na revisão constitucional de 1982.
Foi aí que se deu o meu desencontro decisivo com o PCP. Ultimada a votação da revisão constitucional na especialidade, defendi, junto com Veiga de Oliveira, que o Partido não votasse contra a revisão, devendo abster-se. Apesar de a nossa posição ter encontrado algum eco no grupo parlamentar, onde o debate era franco e aberto (outro mérito de Brito), o secretário-geral do Partido impôs o voto contra sem margem para quaquer discussão. Perante esta situação, transmiti a Carlos Brito a minha decisão de renunciar ao mandato, o que fiz no dia seguinte à votação da revisão constitucional.
Confessadamente entristecido com minha saída, disse-me esperar que um dia voltasse. Mas adivinhava, tão bem como eu, que era uma despedida - como foi.
3. De facto, em 1987, quando veio a público a dissidência assumidamente antimarxista-leninista do "Grupo dos 6", que eu integrava, Carlos Brito veio falar comigo, para me transmitir a sua preocupação com a situação e com o risco de a nossa eventual saída enfraquecer as posições reformistas dentro do Partido, de que - cuidou de enfatizar - os "seis" não eram os únicos representantes.
O resto da história é conhecida. A saída do "grupo dos seis" foi seguida da de outros grupos de dissidentes nos anos seguintes ("3ª via", etc.). E, apesar de se ter mantido firme na sua inglória luta interna pela renovação do PCP, Carlos Brito não foi poupado a ser compelido a sair do Partido a que dedicou a sua militância política desde a juventude, sob a repressão da Ditadura.
Com o seu afastamento, cessava simbolicamente qualquer esperança de abertura doutrinária e política do PCP.