quinta-feira, 4 de fevereiro de 2021

Assim vai a política (6): Precipitação

1. Independentemente da questão da sua pertinência política, resta saber da viabilidade constitucional de uma proposta de ilegalização do Chega

Sendo certo que não se trata de uma "organização militar nem de tipo militar ou paramilitar" e nem de uma "organização que perfilhe a ideologia fascista" (pois tal não resulta do seu programa nem das suas propostas políticas), o único fundamento constitucional que poderia ser invocado prima facie seria a de tratar-se de uma "organização racista", dadas algumas conhecidas declarações contra ciganos e comunidades de origem africana.

Mas é de duvidar se algumas declarações e posições avulsas de natureza racista, intoleráveis e condenáveis em si mesmas, bastam para a qualificação de "organização racista", o que exige que ela estabeleça como um dos objetivos explícitos da sua ação a discriminação, a perseguição, a exclusão ou a estigmatização de pessoas ou comunidades por motivo de raça.

Numa democracia liberal, a derrogação da liberdade de organização política é por definição excecional e tem de ser interpretada restritivamente. Na dúvida, prevalece a regra da liberdade de criação e de ação de partidos políticos.

2.  Deixando de lado a questão de saber se uma eventual ilegalização do Chega traria alguma vantagem à luta democrática contra a direita populista - há boas razões para pensar que não, pelo efeito da vitimização e da clandestinização que geraria -, não podem restar muitas dúvidas, porém, de que a improcedência de um processo judicial de ilegalização iria constituir um inestimável trunfo político para os visados, que poderiam passar a exibir uma credencial oficial de conformidade constitucional.

Nesse caso, tudo redundará num "tiro pela culatra" para os promotores e defensores da iniciativa. O Chega agradecerá...