1. Foi há 45 anos, a 2 de abril de 1976, que a Assembleia Constituinte, eleita em 25 de abril de 1975, um ano depois da Revolução, concluiu os seus trabalhos e aprovou a nova Constituição da República Portuguesa.
Para mim não foi somente o culminar feliz de quase dois anos de dedicação praticamente exclusiva aos trabalhos constituintes, tendo integrado três comissões especializadas (Princípios fundamentais, Organização do poder político e Redação final), além da participação ocasional no trabalho de outras; tive também a honra de ser escolhido como relator da Comissão de redação final (que agregou e cerziu o texto final da Constituição a partir dos preceitos isoladamente aprovados ao longo do tempo) e de, nese dia festivo, ler perante os demais deputados o respetivo relatório.
Foi a última das minhas centenas de intervenções no plenário da Constituinte, mas foi seguramente a mais gratificante.
2. Sendo o único deputado do PCP com alguma formação constitucional -- a minha tese de mestrado em Coimbra tinha sido sobre um tema de direito constitucional --, fui naturalmente chamado a colaborar ativamente na preparação do projeto constitucional apresentado pelo partido (juntamento com J. J. Gomes Canotilho, Anibal Almeida, Lopes de Almeida e Silas Cerqueira) e, depois, a uma intervenção na Constituinte que estava longe de poder antecipar.
Com efeito, estando então o PCP politicamente mais empenhado na revolução do que na Constituição, tive de assumir durante a maior parte do tempo a condução do trabalho constituinte, sem nenhum dirigente político presente em São Bento a orientar regularmente os trabalhos. Durante muitos meses limitava-me a redigir um relatório semanal para a direção do partido (de que não tenho a certeza de que guardei cópia). O PCP só passou a interessar-se verdadeiramente pela Constituição depois de o thermidor do 25 de novembro de 1975 ter posto fim à marcha revolucionária.
3. Tenho a felicidade de me contar entre os deputados constituintes que viveram o suficiente para poderem celebrar 45 anos de vigência da Constituição que elaboraram, aliás sem qualquer perturbação do regular funcionamento das instituições. Nenhum dos deputados que integraram as anteriores assembleias constituintes da nossa história (1821-22, 1836-38 e 1911) tiveram essa felicidade, nem de perto nem de longe, dada a a vigência efémera das respetivas constituições, tendo alguns deles acabado no exílio, depois do fim violento das mesmas (como em 1823 e 1926).
Até agora só as constituições outorgadas pelo poder político estabelecido (Carta Constitucional de 1826 e Constituição de 1933) tinham passado o teste do tempo. A CRP de 1976 é já a segunda mais duradoura das seis constituições portuguesas, tendo superado os 41 anos da Constituição da ditadura do chamado "Estado Novo". Não vejo razão para não vir a superar também os mais de 70 anos de vigência da Carta Constitucional...