1. Penso que entre as piores cedências que o Governo pode fazer para tentar assegurar a passagem do orçamento para 2022 estão as que aumentam estruturalmente a despesa pública, comprometendo orçamentos futuros, como é o caso da criação de novas carreiras nos serviços públicos, nomeadamente a carreira de "técnico auxiliar de saúde" no SNS, a instância do BE, com toda a despesa pública adicional que isso comporta, sem nenhuma avaliação prévia da necessidade dessa nova carreira.
Surpreende-me que o Ministro das Finanças tenha validado essa cedência, mesmo que conte limitar os seus efeitos financeiros no ano que vem. O problema é o que vem depois. Duvido que esta medida avançasse com Mário Centeno...
2. Conto-me entre os que entendem que os problemas do SNS são menos os do seu sempre referido subfinanciamento do que os problemas de organização e de gestão que não permitem utilizar os recursos disponíveis de forma eficiente, desde logo por falta de mecanismos de avaliação de desempenho de profissionais e de instituições e de remuneração de acordo com o desempenho.
Seria bom acreditar nas palavras da Ministra da Saúde quando declara que «cada euro investido no SNS significa mais cuidados de saúde». A verdade é que não parece haver correspondência direta entre o avultado aumento do orçamento do SNS desde 2015 e um acréscimo côngruo de prestações de saúde (consultas, exames, cirurgias, etc.). O SNS não tem deixado de perder quota de cuidados de saúde para a medicina privada.
Julgo, por isso, que se justifica um profundo spending review do SNS, com vista a identificar os fatores de ineficiência e a inventariar os possíveis ganhos de eficiência. Despejar mais milhões de euros, mantendo tudo na mesma, não constitui solução.
3. Também não percebo por que é que é preciso criar uma nova categoria remuneratória, sob o título enganador de "dedicação plena", para assegurar que os médicos do SNS não podem desempenhar cargos de direção em instituições de saúde privados e para limitar o envolvimento de médicos com responsabilidades de direção no SNS nas instituições privadas em que acumulam.
Tais incompatibilidades há muito deveriam estar instituídas por lei, como decurso normal do óbvio conflito de interesses que elas envolvem, em prejuízo do SNS. Pagar para as assegurar, aliás incompletamente, é um contrassenso!...
Um leitor comenta que a redução do horário semanal de trabalho para 35 horas, decidida pelo Governo do PS em 2015, foi altamente prejudicial para o SNS, não somente pelo aumento de custos em novo pessoal e em horas extraordinárias para compensar essa medida, mas também por ter facilitado a acumulação do pessoal do SNS com tarefas privadas, onde são remunerados em função do desempenho. Não podia concordar mais, como tenho dito desde o início (por exemplo, AQUI e AQUI).