segunda-feira, 27 de dezembro de 2021

Estado social (10): O tabu nacional

1. Acaba de ser publicado em França um importante estudo sobre o imposto de sucessões, que mostra a inconsequência do atual regime do imposto nesse país, o qual, além de abranger uma muito pequena minoria das sucessões, deixa um série de isenções em aberto, que favorece as maiores heranças.

Curiosamente, enquanto os candidatos de direita às próximas eleições presidenciais propõem uma redução do imposto, embora sem avançarem para a sua abolição, os demais candidatos, incluindo o favorito Macron e com a exceção do candidato da extrema-esquerda, Melenchon, são omissos sobre o assunto.

Tudo indica, portanto, que em França o topo da pirâmide económica vai continuar a tornar-se, cada vez mais, uma "elite de herdeiros".

2. Em Portugal, a questão tornou-se uma espécie de tabu, depois da abolição do imposto pelo Governo de Durão Barroso (PSDS-CDS). No programa eleitoral de 2015 o PS propunha o restabelecimento do imposto para as sucessões de elevado montante, mas a proposta desapareceu no programa de Governo e não voltaria à agenda em 2019. Não há indicação nenhuma de que a ideia regresse nas próximas eleições.

E eis como, num país que mantém uma elevada carga fiscal para financiar um Estado social orçamentalmente exigente, nem a esquerda defende uma das mais justas peças do cardápio tributário.

Adenda 
Um leitor argumenta que na maior parte dos casos as grandes fortunas são usualmente constituídas por empresas ou conglomerados de empresas, que os herdeiros não podem vender facilmente, e sem prejuízo para as próprias empresas. Trata-se porém, de um pseudoargumento. Está provado que as grandes fortunas não são constituídas somente por empresas, mas também por prédios, aplicações financeiras (ações, obrigações, etc.), joias, quadros, etc. E qual é o problema de vender uma pequena parte da herança por 1 milhão (ou pedir um empréstimo desse montante) para receber 10 milhões. É óbvio que esse pseudoargumento não impede a existência do imposto sucessório em tantos países, incluindo os EUA, onde a taxa é de 40% para heranças acima de 12 milhões de dólares.

Adenda 2
Outro leitor pergunta qual seria a minha proposta de imposto sucessório. Se fosse legislador defenderia a aplicação do imposto não à massa hereditária global, mas sim à quota hereditária de cada herdeiro (pois são estes que vão pagar o imposto); o imposto seria progressivo: ficariam isentas do imposto as heranças inferiores a 250 000 euros; o imposto começaria por uma taxa de 5% até meio milhão, que aumentaria para 10% para o excedente até um milhão, e assim sucessivamente a cada acréscimo de meio milhão, até atingir uma taxa limite de 25% (acréscimos acima de 2 000 milhões). Note-se que os prémios de lotaria estão sujeitos a um imposto autónomo de 30%, independentemente do seu valor; as mais-valias mobiliárias pagam uma "taxa liberatória" de 28% e as mais-valias imobiliárias estão sujeitas a englobamento no IRS por metade do seu valor.