1. Considerando "nojento" este meu artigo sobre a invasão da Ucrânia, que qualifica de "mal disfarçado panfleto pró Moscovo", um leitor irado protesta "não voltar a abrir" este blogue.
Sendo obviamente abusiva a interpretação do leitor, e ultrajante a sua acusação, não lamento o seu afastamento - pelo contrário. No entanto, esta distorção primária dos factos e a acusação destemperada não passam de afloramento da atitude passional com que muita gente encara a guerra na Ucrânia, talvez por se travar à nossa porta e por as suas vítimas serem europeias e não as habituais (iraquianas, sírias, líbias, etc.).
Pelos vistos, nem todas as guerras e nem todas as vítimas delas valem o mesmo...
2. Ainda assim, nada justifica este grau generalizado de simplismo, de maniqueísmo e de fanatismo político - a trilogia mental que envenena irremediavelmente a análise da guerra.
O simplismo exclui à partida qualquer elaboração sobre o processo que culminou na invasão; o maniqueísmo faz extremar as posições, levando a esquecer a imprudência ocidental no agravamento do contencioso russo-ucraniano e a desqualificar totalmente as posições do adversário, por definição malévolas; o fanatismo russófobo - como se a Rússia fosse uma reincarnação agravada do comunismo soviético - leva a ver apenas um lado da guerra e a aceitar e justificar situações inadmissíveis em democracias liberais, como o ostracismo de desportistas e de artistas por causa da sua nacionalidade. (Também há o velho fanatismo antiamericano de alguns defensores da intervenção russa, mas são felizmente muito poucos).
Sucede que esta guerra verbal e ideológica não mata os seus guerreiros, mas infelizmente ajuda a matar mais gente entre os beligerantes no terreno, quer pelo clima hiperbélico que alimenta, quer por dificultar a criação das condições políticas para o termo do conflito, que somente um compromisso negociado e reciprocamente satisfatório pode alcançar.