domingo, 13 de março de 2022

Contra a invasão da Ucrânia (14): Trilogia de perdição

1. Considerando "nojento" este meu artigo sobre a invasão da Ucrânia, que qualifica de "mal disfarçado panfleto pró Moscovo", um leitor irado protesta "não voltar a abrir" este blogue. 

Sendo obviamente abusiva a interpretação do leitor, e ultrajante a sua acusação, não lamento o seu afastamento - pelo contrário. No entanto, esta distorção primária dos factos e a acusação destemperada não passam de afloramento da atitude passional com que muita gente encara a guerra na Ucrânia, talvez por se travar à nossa porta e por as suas vítimas serem europeias e não as habituais (iraquianas, sírias, líbias, etc.). 

Pelos vistos, nem todas as guerras e nem todas as vítimas delas valem o mesmo...

2. Ainda assim, nada justifica este grau generalizado de simplismo, de maniqueísmo e de fanatismo político - a trilogia mental que envenena irremediavelmente a análise da guerra. 

O simplismo exclui à partida qualquer elaboração sobre o processo que culminou na invasão; o maniqueísmo faz extremar as posições, levando a esquecer a imprudência ocidental no agravamento do contencioso russo-ucraniano e a desqualificar totalmente as posições do adversário, por definição malévolas; o fanatismo russófobo - como se a Rússia fosse uma reincarnação agravada do comunismo soviético - leva a ver apenas um lado da guerra e a aceitar e justificar situações inadmissíveis em democracias liberais, como o ostracismo de desportistas e de artistas por causa da sua nacionalidade. (Também há o velho fanatismo antiamericano de alguns defensores da intervenção russa, mas são felizmente muito poucos).

Sucede que esta guerra verbal e ideológica não mata os seus guerreiros, mas infelizmente ajuda a matar mais gente entre os beligerantes no terreno, quer pelo clima hiperbélico que alimenta, quer por dificultar a criação das condições políticas para o termo do conflito, que somente um compromisso negociado e reciprocamente satisfatório pode alcançar.

Adenda
Pior do que ignorar a imprudência ocidental no agravamento do contencioso russo-ucraniano (que referi AQUI) é acusar os líderes políticos europeus que menos contribuíram para isso, como Angela Merkel, de terem sido responsáveis por uma política de "apaziguamento" para com a Rússia suscetível de ser equiparada à de Chamberlain em Munique. Há comparações históricas que o simples bom-senso político deveria afastar na "imprensa de referência"...

Adenda 2
Felizmente, no meio da insanidade politica dominante no debate sobre a guerra, ainda há quem consiga pensar racionalmente (sem simplismo, maniqueísmo nem fanatismo) na necessária "saída para o conflito". Subscrevo (até porque converge com o que tenho defendido desde o início)!